domingo, 13 de janeiro de 2019

DROPS - HISTÓRIAS REALMENTE ACONTECIDAS (163)


CONVERSAS E FUXICOS RECOLHIDOS NA FEIRA DOMINICAL, HOJE E EM OUTROS DOMINGOS
Feira é lugar de encontros e desencontros. Conheço um casal que todo santo domingo eles se separam no começo da feira, tudo de propósito e o fazem para que cada um fique escarafunchando o que lhe convier sem a interferência do outro. Ficam horas separados e quando bate o cansaço um liga para o outro, se reencontram com um abraço e ele sempre brinca a respeito: “Quando a vejo descendo lá de cima cheia de sacolas me encosto num canto e quando ela passa eu lhe pergunto se vem sempre aqui e se não quer uma carona. Ela sempre quer, pego suas sacolas levo ela para um lugar só nosso”. Esse casal é o Baiano e dona Cida, ambos lá do Geisel e curtindo a feira dominical como nunca, ou melhor, só o fazendo depois que fecharam o bar museu que tinham, o Barracão e assim desobrigados de fazer comida todo dia para os outros, reaprenderam a se curtir como antigos namorados. Eles repetem a cena todo domingo e a cada reencontro o vendo sozinho, ele me repete a história, sempre com algo diferente, envolvente e contagiante. Já ouvi umas dez formas diferentes, sempre com o mesmo enredo, mas com uma pitada a mais, a de um jeito que só o Baiano sabe contar.

Cruzo hoje também na esquina da garapa com um amigo que se diz de esquerda e chega todo ressabiado, desconfiando até da sombra. Pergunto das novidades e ele me conta que anda nervoso, já tendo que mudar seus hábitos, pois está se achando perseguido. Pergunto a ele se anda fazendo algo errado para andar assim tão nervoso. Tento o acalmar com algo de minha lavra para esses novos tempos: não mudar nada, pois se tudo estava sendo feito até agora sem problemas, mudando estaria dando trela para os bobocas acharem que fazia algo de irregular. Ele coça o cocorutcho e diz se não tenho medo do que está pintando logo ali na curva da esquina. Digo que até posso ter, pois os caras são inescrupulosos, destrambelhados e um tanto fora da casinha, mas se recuar estaria favorecendo eles crescerem mais e mais, daí me seguro por dentro e por fora, sigo meu caminhar como se eles não estivessem tramando algo contra quem vive de forma libertária. Mesmo no meio de tanta gente, ele fala baixinho, quase no meu ouvido e lhe dou mais um toque: “Agindo assim vai chamar a atenção. Não antecipe as coisas e vamos contar uns com os outros, pois se o bicho é feio, a gente unido vence o danado”. Não sei se o convenci, mas logo depois das despedidas, olhei para os lados, não percebi nada de estranho e daí, segui meu caminho.

Na banca do Amílcar, uma espécie de gerente da Feira do Rolo, ele e sua esposa são sempre atenciosos e me param para uma conversinha. Eles me paparicam ao demonstrar me lerem nos escritos internéticos. Perguntam das minhas dores e problemas, a tal da fisioterapia que comecei a fazer, tanto eu como a esposa. Comento das pomadas todas, inclusive a da árvore "saco de véio", que vou colher lá na praça da ITE, faço a mistura com álcool e passo tanto em mim como em Ana. Ela me puxa para um lado e me dá uma receita, que me diz ser tiro e queda para dores de toda natureza, desde contusão como inchaços outros. É o seguinte, lhes passo, pois se fará bem para mim, que faça para muitos outros. Ela me pede para ir lá na casa Rasi comprar uma pedra de “breu”, que diz ser aquelas que amolam faca, esfarelar a danada e deixar curtindo no azeite por oito dias, depois passar e esperar a melhora. Diz ser melhor que benzimento e acredito, mas agora não sei se passo a pomada que o médico receitou, o unguento de saco de véio ou o breu no azeite. Tô pensando em passar tudo junto e misturado, aí talvez até ganhe um braço novo.

Tenho um freguês na feira que não pode me ver vai me cercando por onde eu ande e enquanto não pagar um pastel pra ele, o danado não sossega. Ele se aproxima e já sabe que tenho o coração mole e não resisto muito das suas investidas. Me dá um bom dia, abre um baita sorriso só de me ver, estende a mão e quer abraçar. Puxa sempre um assunto, como o de hoje, “como tá quente, né?”. É tá quente pra caraca e logo a seguir, antes que tente escapulir pela tangente faz o pedido: “Sai um pastel hoje?”. Eu não consigo recusar. Hoje paguei o dele, mas não comi, pois prometi pra mim mesmo me conter e não cometer o suicídio da semana passada de comer junto do Sivaldo uma porção de torresmo na banca do frango. Semana passada prometi comer um só, mas quando vi já estava no quarto e passando mal. Hoje declinei até do pastel, mas não rejeitei um açaí de um cara que sobe e desce a feira com seu carinho, R$ 5 pratas meio copo. E assim ficamos eu no açaí e meu caro freguês mastigando seu pastel na sombra da barraca da japonesa na rua Julio Prestes.

A última. Acabo de voltar do Rio e lá espalhado por todos os quarteirões da Zona Norte o que eles chamam de “vilas”. São casas todas juntas umas das outras, uma espécie de ruazinha particular e várias de cada lado, lacradas por um portão. Uma espécie de condomínio fechado de pequeno porte. Aqui em Bauru a mais antiga que conheço estava localizada no largo onde está encravada a Feira do Rolo, bem no meio do quarteirão, depois da Associação dos Aposentados. Conheço muitos amigos que lá moraram, mas hoje o senhor que trabalha ali na Associação me vendo bater fotos da demolição, um lado das casas já todas no chão vem me explicar que, segundo soube, são herança de irmãos, o de uma metade cansou de vê-las ocupadas irregularmente, até por nóias e colocou tudo abaixo, do outro lado diz que permanecerão em pé, pelo menos por enquanto, pois esse ainda tentará reformar as de sua propriedade e não derrubar tudo assim num vapt-vupt. Eu parei alguns minutos diante da cena, de um lado tudo em pé, do outro tudo no chão e tento relembrar algumas histórias ali vividas, até de sacanagens, mas fazem todas parte de um passado que não volta mais. Mas que eram bonitinhas isso eram. Tudo tem história.

Obs.: As fotos todas ilustrando esse texto são do último texto, a da “vila” metade em pé, metade abaixo.

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