terça-feira, 8 de janeiro de 2019

MEMÓRIA ORAL (235)


A RESISTÊNCIA DO RENASCENÇA TEM NOME: BYE CAFÉ

Num canto junto da entrada do Samba do Trabalhador, alguém ali desde muito antes do samba ali florescer.

Renascença é o famoso clube de negros da Zona Norte carioca, encravado na encruzilhada, que alguns denominam de divisa entre o Grajaú e o Andaraí, dois bairros dentro do conglomerado da Grande Tijuca. A região, quando não considerada como o coração do samba na Cidade Maravilhosa, pode ser dada como uma de suas principais artérias. Toda segunda ali no quintal da agremiação a reunião da nata do samba, na conhecida roda Samba do Trabalhador.

Décadas atrás tudo começou de forma insipiente, reunindo os sambistas em seu dia de folga, mas desde a descoberta feita por Moacyr Luz, sua chegada com grande pompa, uma espécie de “gerente”do lugar, ele foi fervendo aos poucos, reunindo não só os sambistas em torno de uma grande mesa, guiados pela batida da palma da mão, mais a cadência de gente a produzir samba com maestria, aliada a malemolência que o carioca bem sabe produzir, deu no que deu: sucesso. Hoje, o local está extrapolando e como prescrito no dito popular, com gente saindo pelo ladrão, tal a lotação de suas segundeiras, como a dessa última, 07/01, quando registrou mais de mil pessoas.

Muita coisa mudou por lá ao longo dos anos. Inevitável transformação com a lotação dos últimos tempos, boa para a direção que ri a toa com a casa sempre cheia, porém preocupante exatamente por esse motivo, já está faltando espaço. Desde que o samba acontece por aquelas plagas algo não se altera e segue sua rotina. Sem estar indiferente às transformações, mas fazendo questão de se manter num canto reservado só para ele, alguém da velha-guarda do pedaço. Falo da banca de CDs e LPs que José Luiz da Silva Braga, o popular By Café tem logo na entrada, do lado esquerdo de quem adentra a porta principal. Impossível não vê-lo, principalmente os mais antigos, sendo parada quase obrigatórias para esses, seja na entrada ou na saída. O apelido surgiu da época quando ajudou a ferver a noite na cidade como discotecário, do calibre comparado a alguém como o lendário Biggy Boy. Depois como operador de som e produtor cultural, continua nas paradas de sucesso até hoje.

São 50 anos de noite, ou como mesmo diz de “quilômetros rodados”. Já viu de tudo e participou de outro tanto. “Na época da ditadura, áureos tempo da rádio JB ainda AM, a gente introduzia MPB da geração mais crítica na programação no meio da noite. O JB Noturno fez história pela forma como contestou pelas brechas que íamos cavando dentro da programação”. Ele conta isso e não segura quando observa muitos ali dentro, pagando pra sambar e encostados pelos cantos mexendo em seus celulares. “Como é que pode, olhe a música ali do lado e eles aqui ligados em outra coisa. Eu não quero consertar o mundo, só esses me bastaria”, diz. Sua banca não tem um grande movimento comercial na noite do Renascença, mas não é mera peça decorativa no lugar, sendo uma espécie de reconhecida instituição, algo como um baluarte a engrandecer tudo o que ali ocorre. “Nem poderia ser diferente. Quando inventaram essa segunda de samba eu já estava aqui, sou de muito antes deles. Não sou sócio, eu sou é participante da fundação, espécie de dinossauro, peça rara, sem possibilidade de reposição, não existe outro igual por aí”, conta. É muito mais que isso, pois no entra e sai, tudo acontece sob seu atento olhar, quase a de um supervisor.

São 65 anos de idade, solteirão convicto e resoluto. Coleciona CDs e LPs numa quitinete em Vila Isabel e só nas segundas desce com tudo dentro de caixas, pega um táxi e instala o aparato no mesmo lugar de sempre. Só falta a esse compromisso em caso de força maior, pois como mesmo diz: “Inventei isso aqui de vir vender música, escolhi o canto e daqui não saio, pois não quero ser esquecido. Nunca bebi, nem fumei, estou sempre sóbrio, faço disso uma distração e também parte do meu trabalho. Se aqui é hoje um dos mais famosos redutos de samba de qualidade da cidade, sou cria daqui, raiz e aroeira criado nesse meio, conheço tudo e todos, quero só ir levando isso adiante até quando não tiver mais forças para prosseguir. Conquistas não podem ser desfeitas, foi difícil chegar até aqui, daí me desdobro e não arredo pé”.

By Café está para o Renascença como Zico está para o Flamengo e Cartola para a Mangueira. Tradicional, porém com os dois pés na modernidade. Por sua banca passam muitos a assuntar das novidades, deixar reclamações sobre procedimentos não sendo respeitados, dicas para resolver problemas surgidos e ele, com ouvidos de vigário quando num confessionário atende a todos e encaminha para as devidas soluções. Muitos passam só para o cumprimento, darem dicas, ouvirem as últimas e mesmo pedir uma música na vitrolinha permanentemente ligada e com discos de sua coleção. Vive bem dessa forma, conseguindo seus serviços, se sentido importante e valorizado e fazendo parte do cartão de visitas, comissão de frente para quem chega para o samba de segunda e também o carro alegórico mais pomposo, aquele que fecha o desfila para quem se despede do samba. By Café nem se imagina fazendo outra coisa na vida.


UM AUTÓGRAFO E HISTÓRIAS DE ARTISTAS EM BAURU NO RENASCENÇA RJ
Foi agorinha mesmo lá no Samba do Trabalhador, na divisa entre o Grajaú e o Andaraí, que alguns denominam também de Tijuca, ou melhor Grande Tijuca. O Clube Renascença, reduto de negros resistindo a tudo e todos, criando seu próprio espaço, encravado no meio do coração da Zona Norte Carioca. O clube existe faz décadas, a segundeira de samba também, o Samba do Trabalhador desde que foi descoberto por Moacyr Luz floresceu mais e mais. Saracoteei hoje por lá (aquilo tudo me faz lembrar do Quintal do Bras, que o Ivo furdunciava maravilhosamente uma década atrás) e é claro comprei o último CD do Moacyr Luz, o “Natureza e Fé”. Quando ele termina sua participação o levam para o canto das estrelas e lá recebe os amigos e quem compra seus CDs, como eu nessa iluminada segunda. Ele me viu de longe com o CD na mão e pediu para o segurança deixar eu passar. Desbravei o povão e ao me achegar, outro grande ao seu lado, Paulão Sete Cordas. Falei que era de Bauru e vendo o Paulão disse que o vi recentemente pela minha cidade, no SESC e acompanhando Dorina. Falou que já esteve por lá com tanta gente boa que já perdeu a conta. Para o Moacyr disse que ele também esteve por lá pelo SESC e o Paulão lembrou de Avaré, a Fampop, quando iam ser jurados no festival do Juca Novais. Fiz a memória do Moacyr funcionar e contei que num dos anos, a coisa falhou em Avaré e aconteceu em Bauru e tenho muita lembrança dele junto do Luiz Carlos da Vila na cidade. Rimos, pois ele lembrou que foi o ano que a coisa demorou demais para lhe pagarem. Foi ainda no governo Izzo e só de lembrar isso o Elson Reis se coça todo, pois perdeu até um carro para pagar aquela Fampop. Depois Moacyr assinou meu CD e tiramos uma foto juntos. Abracei os dois e fui embora para não encher muito o saco deles, nessa segunda fervendo de quente aqui no que ainda resta de bom no mais famoso balneário brasileiro. Vim a pé do Renascença até os aposentos a mim reservados na rua Uberaba, poucos metros do Hospital do Andaraí, aquele onde Aldir Blanc profetizou que “o sujeito entra cajá e sai caqui” e todo vez que passo em frente olho praquelas janelas e fico todo ressabiado.
Paulão Sete Cordas, o mafuento HPA e Moacyr Luz no Renascença RJ. 

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