terça-feira, 23 de abril de 2019

FRASES (182)


GENTE DA MINHA ALDEIA, A BAURUENSE
1.) O CHURRASQUINHO DO TURCO NA BEIRA DA CALÇADA
Eu e Hamilton Suaiden, mais conhecido nas quebradas do mundaréu como TURCO, temos uma história juntos pra contar. Trabalhamos na extinta Bradescor, uma corretora do Bradesco, viajávamos muito juntos. Ele acabou deixando sua pequena Pompéia e veio aqui se instalar, fez Direito, nunca exerceu essa profissão e foi seu gauche na vida quando sua hora por lá chegou. Casou, três filhos, descasou e caiu no mundo. Durante bem uma década rodou o país vendendo algo insólito, mas só possível aos com alguma lábia, assinaturas de revistas. Foi campeão disso, almejou postos de supervisão nesse negócio e assim conheceu o outro lado do mundo, o país de norte a sul. Um vendedor nato, desses que te convence a comprar ar engarrafado. Comprei muito dele esse e outros produtos e rindo, me sentindo realizado. Uma vez tentou ser vereador por essas plagas e até que foi bem votado. É desses que "o tempo passa, o tempo voa, mas a roubança Bamerindus continua numa boa", ou seja, vida que segue, muita água já passou por debaixo dessa ponte e ele ali, na lida, continua tendo que aprontar das suas pra tocar seu barco. E o faz hoje com algo que lhe caiu nas mãos, tentando bravamente sobreviver, tirar algum proveito, algum para ir tocando a vida, somando dias na existência por essas plagas.

Abriu seu negócio ali na Primeiro de Agosto, quase esquina com Treze de Maio e deu o nome da filha para o empreendimento, "Ana Banana Pastelaria". Já escrevi dele, mas não me canso de fazê-lo. Estivemos juntos nesses dias, cada um se lamentando dos seus problemas e ontem voltei por lá, ele com um algo a mais no lugar. O comércio central próximo ao Calçadão da Batista fecha por volta das 18h e ele, com a sapiência libanesa para o comércio, deixa sua porta aberta até por volta das 22h, agora com um novíssimo carrinho de assados. Turco está churrasqueando na calçada e no pouco que ali permaneci vi ele aglutinando gente inimaginável dentro da minha cabeça a juntar estórias e boas histórias. O cheiro é bom, provei da cafta, tempero dele mesmo e ao meu lado, no entra e sai, pega e leva, tinha gente desse quilate: um boliviano, um chinês, um italiano, muitos moto taxistas, comerciários de várias matizes e afins. Tudo tem promoção, até a boa conversa. Ele vende muita laranjada com seus pastéis, salgados feitos ali mesmo e quitutes inventados por ele e por gente do ramo que passa pela sua cozinha. A casa tem bom movimento, anda com as próprias pernas, mas ele labuta e muito, chegando ali por volta das 6h da manhã, quando começa a preparar o que vai ser servido e abaixa somente quando o corpo pede descanso. Ele sua devidamente a camisa e assim buscar um lugar ao sol. Dorme num hotel em frente, de onde sai para a labuta e volta para o descanso.

Como das vezes anteriores, quando revi por lá o Neto, irmão gêmeo de outro grande, o Paulo Keller, hoje já em outro estabelecimento, desta feita conheci alguém com uma longa história de cozinha, o Maurício, de Piratininga para o mundo. Turco me apresenta, pois sabe que junto boas histórias e esse senhor rodou o mundo quando aos 20 e poucos anos, se perdeu pela aí nas cozinhas do mundo, desde a de navios, como lugares inacessíveis aos pobres mortais acomodados, espalhados desde França, Espanha, Alemanha e alguns outros. No Brasil uma lista dos ditos lugares notáveis, reduto de granfinos, mas também sempre com um pé na patuléia. O ouço na calçada, com o cheiro do churrasquinho subindo pelas narinas e adentrando o cerebelo, fico de voltar, sentar e ouvir esse algo mais, de como alguém com tanta sapiência paneleira, volta para sua aldeia, vem cuidar dos pais e acaba ficando mais do que devia. Bateu na porta do Turco e uniram o útil ao que era necessário acontecer, um seguir em frente escorado e alicerçado no outro. O Turco tem muito disso e gosto demais da conta desse seu lado, o de ir agregando pessoas. Quem faz isso, além do bom coração é imensa figura humana.

O fato é que o negócio do Turco, o Ana Banana está aí pro que der e vier, necessita frutificar, ser visto e frequentado. Seu churrasquinho ali na beirada da calçada é um algo a mais para a despedida dos trabalhadores do centro, no momento em que deixam seus afazeres diários e na ida para o repouso, suas casas, a passagem pelo exposto cheiro e quase impossível não dar aquela parada e se alimentar da boa prosa e também de algo para o interior, uns comes feitos ali ao ar livre. Indico com louvor, exatamente por causa da junção disso tudo que tentei mostrar nas palavras aqui ajambradas. Esse contato com o algo mais da rua, algo que a gente passa de longe, observa da janela do carro, mas quando inserido no contexto, a percepção de ali rolar muito mais coisas, indescritíveis para quem ali não se encontra. E mais que tudo, ao observar a resistência deste velho amigo, de longuíssima data, dá uma baita vontade de pegar no avental e dar sua contribuição, como fiz, virando os churrasquinhos na grelha, atendendo uma cliente, enquanto ele se enfurnava lá para dentro resolver outros assuntos. Fui, gostei, provei e voltarei sempre que puder. A rua tem algo de tão bom, que entro de cabeça e o faço também como fuga para tanta agrura, como a proporcionada por esses sombrios tempos.

2.) MIGUEL, DO MAR MARISCO E A DENGUE HEMORRÁGICA
Mais uma vítima. Miguel Fernando Hernandes, espanhol da rinha de briga, boêmio de bater cartão no Bar Aeroporto quase todos os dias, esse velho macanudo se foi na manhã de hoje. Suas lembranças me trazem de volta tempos do Banco Itaú, pessoas muito próximas de mim e dele ali atuaram, depois o Mar Marisco, onde hoje é a igreja do padre Beto, a Humanidade Livre. Marcou território por ali, muito mais que aquela mijada que os cães fazem, pois até hoje ao passar ali, olho e vejo o Mar Marisco funcionando. Ele foi fervoroso defensor do prefeito Sbeghen e quem quisesse comprar briga era falar mal deste, compraria discussão pro resto da noite, quiçá, da vida. Ideologicamente sempre estivemos em campos opostos, ele lá eu cá, esquerda e direita, antagonismo irreconciliável, mas nos bares onde nos encontramos, sempre veio pro meu lado me cumprimentar e mesmo quando no auge dessa barafunda de ódio latente dos últimos tempos, mesmo ciente de pensamentos opostos e candentes, mantivemos a galhardia de nos cumprimentarmos. Vez ou outra uma altercação, mas sempre com o copo cheio às mãos e nunca com o pensamento de atirar seu conteúdo na direção do outro. Discutir com o Miguelão era pura besteira, pois espanhol quando não vence na lábia, na conversa, no argumento, vence no grito. Ela falava alto, pra todo mundo ouvir. Parecia briga, mas não era. Seu jeito, nada mais. O Bar Aeroporto perde um cliente desses de bater cartão, a família e amigos um cozinheiro como poucos. Eu escrevo isso, para comprovar que não vivo com o ódio embutido dentro do peito, pois Miguel era um provocador nato, mas não jogava sujo, sabia as regras do jogo e mesmo contrariado, as respeitava. Dessa forma, o respeito e posto esse curto texto em forma de prosseguimento da contenda, uma que não se esvai quando um dos esgrimistas depõe as armas. Da dengue, essa levando tanta gente, caso que nem sei mais como tratar, se chamando a polícia ou me escondendo debaixo da cama, para dela também não ser vítima.

3.) SEU MÁRIO JÁ FOI ENCONTRADO?
Eu gosto de meter a colher onde não sou chamado. Quero escrevinhar algumas poucas linhas sobre o seu Mario da Paz Pereira. Li algo, para mim mais uma surpresa diante de tantas inolvidáveis desses últimos tempos, ele estaria com Alzheimer e teria sido visto pegando um ônibus circular no sentido centro da cidade no final de semana. Como não achei mais a notícia, dela não tive resposta, mas creio, ele deve ter sido encontrado e tudo continua como dantes lá pelos lados de sua casa e junto aos seus. O conheci muito tempo atrás, creio que ainda nem tinha sido eleito para presidir a Associação dos Aposentados de Bauru. Ouvi suas histórias, vindo da Grande São Paulo, junto ao pessoal do Lula, petista e esquerdista. Foi eleito presidente da Associação e dali não mais saiu, se eternizando por longo tempo, na sede ali pelos lados da Feira do Rolo. Tive desavenças com ele, pois sempre fui arconsista, ou seja, defensor do sócio nº 1 daquela associação, seu Arconsio, mas nunca deixei de dialogar com seu Mario, mesmo não existindo concordância em muita coisa. A vida é feita disso mesmo, concordância, discordância e uma tentativa de ir de lá pra cá, conversas, diálogo e discussão. Frequento pouco a Associação, lá estive algumas vezes e nesse período todo, pouca conversa, o trivial cumprimento de praxe. A do seu Mário, a que ficou encruada em mim foi a dele, dos seus tempos paulistanos. Hoje me entristece saber de sua atual condição. Essa doença é mesmo cruel, insana e nos leva o que de mais importante temos, a memória. Uns poucos, os mais próximos continuam desfrutando do reconhecimento por parte da pessoa afetada. Não é o momento para desavenças e tudo o mais. Hoje, o que mais vale é ele estar junto aos seus e desfrutar de momentos aprazíveis, preenchendo com amor e carinho seu tempo de vida. Guardo comigo recordações dos embates desta vida, muitos levo comigo, só comigo, outros desfruto por aqui e com mais pessoas e dele, que tudo se resolva a contento. Vida que segue, mas contem pra nós como ele está, se tudo segue seu percurso natural.

4.) LIVROS, SEMPRE ELES, NOS SALVAM DE TANTA COISA RUIM...
Hoje, no dia dedicado a eles, na tira diária publicada no melhor jornal impresso do nosso mundo, o argentino Página 12, Miguel Rep (sempre ele), dá a pitada a tocar a minha vida e a de tanta boa gente: "Nas crises o melhor é remar com livros. Lugar seguro". Sigo à risca.

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