sábado, 27 de julho de 2019

RELATOS LATINOS/PORTENHOS (67)


DUAS CONVERSAS DE RUA NO CAMINITO E A NEGRA ANA CONTINUA PULSANDO NAS PAREDES DO BAIRRO LA BOCA

Eu vim aqui pra conversar com as pessoas e o fiz hoje aqui pelos lados buenaristas, nos intervalos das andanças (ser turista cansa). Dois diálogos são merecedores de registro.


Estivemos no Caminito e como todo ano me perco nas entranhas do que o bairro tem de melhor, seus redutos populares e não as ruas cheias de turistas. Descobri anos atrás um Mercado Popular, frequentado só por gente do lugar, quase nenhum forasteiro. Lá nos fundos um restaurante familiar ao estilo pé sujo, reunindo trabalhadores no seu entorno, televisão ligada num jogo de futebol (aqui tem futebol todo dia) e ao lado, no fundo da galeria uma pequena loja de antiguidades. Vou lá buscar CDs de tango e de música raiz argentina. O dono já me conhece, me vê chegando com um botton do Lula Livre e me apresenta um senhor por ali, ambos peronistas e no exato momento de minha chegada estavam desfiando o rosário de bestialidades de Macri para com seu povo. É claro, adentro a conversa, nos apresentamos e ficamos a falar da situação de Lula e da dupla querendo retomar o poder por lá, Alberto/Cristina. "Aqui, meu caro, ainda temos uma clara chance de retomar o poder, bem diferente do seu país. Nunca esperava ver o Brasil na situação atual, ainda mais depois de ter visto Lula governar o país e colocar o país numa situação invejável". Eles me indicam vários lugares no bairro para ir conhecer de perto o estrago macrista ao país e essa retomada sendo arquitetada com a vitória do peronismo no pleito de outubro. "Volte aqui mais vezes antes de partir, pois todo final de tarde reunimos gente e nas mesas do bar para discutir os próximos passos, o que cada um pode fazer e distribuir tarefas. Nós sabemos muito bem o quanto estamos sofrendo e só nós mesmos unidos poderemos devolver a dignidade do povo trabalhador argentino". As três mulheres comigo me puxam para andar pelo bairro e prometo voltar e detalhar algo desse porvir despontando justamente de onde deve vir, dos cantos onde pulsa os interesses dos trabalhadores. Voltarei antes de partir, até porque quero muito me recarregar antes de retornar para minhas atividades mafuentas no Brasil.


Ainda no Caminito, passo todo ano num pequena loja no centro do movimentado bairro, só para prestigiar uma comerciante revendendo as Alpargatas da Paez, a marca argentina dos melhores pisantes deste mundo. Faço uso delas desde que aqui aportei pela primeira vez, em 2008, quando vim assistir comício de Hugo Chávez nunca mais parei de ler o Página 12 e nem de usar os pisantes das Paez. Essa lojinha é uma graça e sua dona muito consciente. Todo ano, nos retornos que faço para repor as alpargatas (dinheiro juntado o ano todo), além de trazer algo que meus pés muito agradecem, o papo entre nós é dos mais edificantes. Chego com o botton do Lula Livre na lapela e ela já puxa conversa. Digo que o Judiciário de ambos os países são idênticos até no quesito buscar prender Lula e Cristina. Ela me corrige: "São sim ambos muitos perversos, os juízes Bonadio aqui e Moro no Brasil são muito parecidos em tudo, mas aqui, Macri parece, mesmo com todo o espalhafato judicial, não querer a prisão de Cristina, pois sabe que o nosso povo iria se revoltar e descarregar seus votos nela ou nos seus representantes. Eles não a prendem injustamente como fizeram com Lula, pois aqui nos manifestamos mais e isso de povo nas ruas é a única coisa que esses neoliberais morrem de medo. Só o povo mesmo para impedir o avanço desses a destruir nossos países". Eu concordei com ela e dei outro exemplo, o de meus retornos anuais por aqui, desde oito anos atrás e nesse período, primeiro ainda no Governo de Cristina e depois, ano após anos ir vendo como a Argentina se deteriorou. Não tem como esconder esse quadro e isso, reforço a ela, só mesmo o neoliberalismo é capaz, destruir toda e qualquer esperança do povo ter algo, com eles o quadro é de terra arrasada.


Ainda passamos noutro lugar no mesmo Caminito, como fazemos desde 2013, quando naquele ano o artista carioca Felipe Oak, designer por aqui para apresentar um trabalho acadêmico junto de Ana Bia e se propôs a fazer um grafite na cidade. Teria que ser nesse bairro e quando conhecemos um restaurante pé sujo, afastado da muvuca turística, seus donos concordaram e a pintura ocorreu. Para nossa surpresa ele ali desenhou uma linda negra, homenagem para Ana Bia. Todo ano voltamos para ver se a imagem ainda está por lá, pois há dois anos o restaurante fechou. Desbotada, ela resiste ao tempo e o lugar continua desocupado. Hoje, na esquina alguns jovens moradores do lugar estranham nossa presença. Explicamos dos motivos de ali estar e eles baixam a guarda, puxam conversa e ficamos a papear por instantes, eles gostando de saber o origem da pintura. Só faltou pedirmos para nos levar a uma incursão pelos caminhos por nós não conhecidos, entranhas da comunidade de La Boca. Vontade não faltou e como volto lá no meio da semana, talvez isso ocorra. Negra Ana resiste e permanece viva no Caminito/La Boca e assim, vou tentando juntar algumas das histórias aqui presenciadas e na medida do possível ir relatando, como o faço nesse momento.
Em tempo: Esse texto sai nenhuma foto ilustrativa, pois esqueci o cabo para baixar as mesmas da máquina fotográfica para meu computador. Assim que conseguir resolver o problema, elas sairão por aqui (Resolvido, comprei um cabo novo numa loja aqui defronte onde fico em Buenos Aires, rua Suipacha e já fiquei amigo do casal, eles também anti-macristas e torcendo por Alberto/Cristina) e no www.mafuadohpa.blogspot.com.

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