domingo, 15 de março de 2020

DOCUMENTOS DO FUNDO DO BAÚ (141)


EU JÁ QUASE ABDUZIDO PELA PRAÇA RUI BARBOSA*

* Diante das agruras do coronavírus, vou pra rua, num lugar onde a possibilidade dele se propagar, dentre os ali gravitando, é remota e assim me isolo de tudo o mais, dos grandes e maiores perigos desta vida.

Seguindo os passos de João do Rio, Lima Barreto, João Antonio, Plínio Marcos e outros, daqui e de fora, sigo minha sina, a de tentar desvendar e escrever sobre esse povo nas e das ruas. No começo do ano postei algo sobre uma linda moça na praça Rui Barbosa, uma negra, alta, quase dois metros de altura e afirmei, "a miss Bauru está na praça Rui Barbosa". Ela continua por lá e agora, passado alguns meses, semana passada a vejo só e a abordo. Digo de minhas intenções, sentamos num banco e ela me conta sua história. Não só a dela, pois na praça algo flui e flana no ar. Todos por lá pressentem algo diferente quando em curso, muitos nos rodeiam e quando me veem de prancheta nas mãos, assuntam o que aquele ser estaria anotando da conversa com a Morena, esse seu nome. Assim do nada já marquei mais umas três entrevistas, perfis de pessoas da praça e daí me veio a idéia de produzir algo com as histórias do povo da praça. A da Morena eu já comecei, com fotos tiradas dela e da Sabrina, a travesti que dá guarida a tantos outros, em sua casa. Essas histórias da rua me encantam. Mais dois já se entenderam comigo sobre seus relatos. Todos querem conversar, falar, serem ouvidos e lá estarei, dentro de minhas parcas possibilidades.

Não posso deixar de lembrar nesse momento, quando o que me foi dito pela Morena ainda perambula pelas minhas recentes lembranças, de algo do JOÃO ANTONIO, o escritor que mais ruou por esses descaminhos da vida. Criado na periferia de São Paulo e Rio de Janeiro, ele viu de tudo e não se conformava em não ver nas páginas dos jornais esse verdadeiro Brasil - popular, marginal, pobre, miserável, sem banho, todos com belas histórias de vida. "Evitem certos tipos, certos ambientes. Evitem a fala do povo, que vocês nem sabem onde mora e como. Não reportem povo, que ele fede. Não contem ruas, vidas, paixões violentas. Não se metam com o resto que vocês não veem humanidade. Que vocês não percebam vida ali. E vocês não sabem escrever essas coisas". Isso me marcou e continuar marcando, enfim, como escrever desses não sentindo na pele, não estando ali junto deles. Escrever por escrever é uma bosta. Pensei em me instalar num banco da praça, usá-lo como bunker e dali irradiar o que flui no lugar, mas seria invasão de domicílio. Vou tentar fazer o ensinado pelo João Antonio e extrair ao máximo o contido na frase, para não iludir ninguém, nem maquiar o ali presenciado.

Dessa conversa tida dias atrás com alguns desses personagens, algo me ferve o cerebelo. "Quem tem melhores condições para contar a história: quem a vê a partir de um ângulo privilegiado ou quem a vive na própria pele marcada por tortura, marginalidade, engajamento, patrulhismo ou cooptação? O que acontece quando o mesmo personagem ocupa as duas posições?", está na introdução do livro "Pena de Aluguel: Escritores Jornalistas no Brasil 1904-2004, da professora Cristiane Costa, a mim apresentada através de um texto, o "Letra Preta - Os negros da Imprensa brasileira" (que todos deveriam ler, está na Piauí outubro 2019). Ela me fez sair da negação e tentar, mesmo numa outra condição, estar ali junto dos habitantes desse outro mundo, o da praça central da aldeia bauruense, a mais famosa e conturbada, Rui Barbosa. Morena, Sabrina, muitos Joãos, Marias, cada um chegando de um modo e jeito, ali se instalando. Eu chegando agora, assuntando tudo e querendo responder o que a professora me instigou. Comprei essa briga e vez ou outra, postarei alguns dos relatos, que tomando forma, podem até se transformar num livro. João do Rio fez isso e de forma maravilhosa, as crônicas dele o aproximava dos povos das ruas, sua escrita e não sua condição social. Tentarei seguindo esses passos produzir algo relevante. Portanto, quando me virem perambulando pela praça, se acheguem, puxem conversa, sentem comigo junto de todos por lá. Eu estou apaixonado pela ideia.

CORONAVÍRUS
IMPORTÂNCIA DA SAÚDE PÚBLICA (E GRATUITA)

O Brasil tem seus privilégios, um deles é o atendimento dado pelo SUS - Sistema Único de Saúde, onde toda a apopulação não paga pelo serviço. Ou melhor, paga sim, mas com impostos e quando necessita, não se faz necessário reembolsar outros valores. Conto uma história ouvida hoje pelas ondas do rádio, na 750 AM argentina. Um brasileiro acredita estar com os sintomas do coronavírus e procura atendimento médico em Miami - EUA. Prontamente atendido, tem os exames feitos e após prova e contra-prova, o diagnóstico é o de não estar infectado. Seu catarro é proveniente de outros tipos virais, nenhuma letal. Vai para casa mais tranquilo e para sua surpresa, passados alguns dias recebe via postal um boleto com o valor de 3 mil dólares a ser pago, exatamente pelo exame e atendimento realizado. Nos EUA é assim, simples, direto e reto. Aqui no Brasil, ainda não. Hoje os desmiolados e despreparados a nos governar insistem em barrar o SUS, mas ele se mostra em cada novo lance, o que de melhor temos para a saúde coletiva. Nesse momento de pandemia sendo espalhada, os cuidados podem ser outros, as pessoas devem permanecer mais em suas casas e só procurar atendimento, após a certeza de alguns sintomas, porém, outra certeza, quando isso ocorrer, não creio que ninguém irá procurar atendimento em rede privada, pois essa já indicou que todo e qualquer atendimento básico deve ser feito pelo SUS. Entenderam?

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