domingo, 4 de outubro de 2020

REGISTROS DO LADO B (140 e RETRATOS DE BAURU (245)


14º “LADO B – A IMPORTÂNCIA DOS DESIMPORTANTES”, COM A PROFESSORA DE MÚSICA, ATRIZ DE TEATRO, FREQUENTADORA DE BARES, PRODUTORA DE CONCORRIDOS SARAUS MUSICAIS E AOS 77 ANOS, EXÍMIA BOÊMIA: FALO DE DULCE LAGRECA
Um luxo poder bater papo com alguém tão encantadora como DULCE LAGRECA. Ela não foge ao espírito do que quero aqui ir registrando, pois mesmo sendo parte da classe média bauruense, filha de comerciante e esposa de médico, ambos foram personagens diferenciadas nesta insólita Bauru. Primeiro por gostarem de música e quem o faz com a maestria como envolvimento de toda uma vida, não pode, ou melhor, não consegue ser indiferente às agruras desta vida. Ela foi sempre professora e de escola pública, primeiro no Moraes Pacheco, lá nos Altos do Bela Vista e depois, quando da aposentadoria no Luiz Zuiani, ali pertinho da Duque de Caixias, quase ao lado da Vila Vicentina. Exerceu por décadas algo hoje nem mais fazendo parte do currículo das escolas públicas estaduais e municipais, aulas de Música. Relembrar isso da existência de aulas de Música nas escolas públicas, seria algo como uma obrigação do Estado, mas não, foram minando, deixando de lado, até o momento em que desapareceu e quem tinha uma iniciação, para muitos decisiva para o resto da vida, se viram sem aquele encanto. Dulce fez parte deste seleto time de professoras a musicar a aldeia bauruense, enchendo-a de acordes. Só por isso sua história é envolta de muita curiosidade e deve ter histórias para relatar, contar, descrever, dessas a nos fazer permanecer de boca aberta, atentos e com a respiração presa.

Ela, com certeza, não para por aí e segue por outros caminhos, também visto por alguns como descaminho, ou seja, fugia do trivial. Criada numa família musical, contará como foi sua iniciação, conheceu o marido, médico e mais que tudo, músico. O pai foi comerciante e dono de imobiliária, mas fez algo inusitado por essas plagas, criou uma gravadora de discos. Quem já sabia que já tivemos uma gravadora na cidade? Pois é, o pai de Dulce, Armando Turtelli aprontou isso na pacata Bauru, assim como o marido, Francisco Lagreca, um médico musicista, espalhou saraus pela cidade e assim conseguia fugir do marasmo e disso de viver numa cidade um tanto conservadora. Enfim, Dulce, do alto dos seus 70 anos, que ela diz ter só da boca pra fora, pois da boca pra dentro, continua agindo como uma menina, cheia de planos e concretizando alguns, todos ao seu modo e jeito, saindo e conhecendo bares da cidade, os cantores da noite, lugares nos arredores e rebarbas da aldeia bauruense. Ela vai nos contar isso tudo e muito mais e em uma hora, que como sabemos será pouco, vai discorrer sobre sua vida, suas andanças, sua história, preferências, gostos e manias. Uma simpatia de pessoa só de bater os olhos e depois de alguns minutos ao seu lado, impossível não ser contagiado e seguir como admirador, quiçá amante à distância, pois ela tem um jeito envolvente, caliente e cheia de charme, algo irresistível para quem sente falta de boas conversas, dessas que varam a noite.

Eis algo que escrevi delas em algumas publicações no blog Mafuá do HPA (www.mafuadohpa.blogspot.com):

- Em 04.05.2012 publiquei: “LA VITA PASSA - Uma das coisas que mais gosto de fazer aqui nesse mafuento espaço é divulgar algo sobre alguns dos meus diletos amigos. Quando recebo algo vindo deles, abro meu coração e divulgo aqui para os poucos que me leem. Hoje são dois e abaixo algo sobre o que estão aprontando na cidade: (...) Olá, amigo HENRIQUE... Voce sabe como é...Terça feira é um dia danado de ruim prá teatro, mas como não somos globais??? Fazer o que? Estou te mandando algumas fotos com a atriz Dulce Lagreca ao meu lado e o release do espetáculo e do grupo... Vc pode não acreditar mas estou fazendo esse ano 42 anos de carreira artística no Teatro e a Cia. de Artes CELEIRO DA ARTE faz 15 anos... Parece que começamos outro dia, né??? Mas ainda existe um tremendo preconceito prá atrizes e dramaturgos da cidade de Bauru, mesmo eu sendo nascida em SP... Prá vc ter uma idéia Mauro Rasi só ficou famoso depois q foi pro Rio...e Edson Celulari só qdo apareceu na Globo... Por isso quero dar um "Xô ao PRECONCEITO" contra as pessoas q pensam q nosso trabalho não tem qualidade... Vá nos assistir... Tenho certeza q irá gostar... Faça mesmo um barulho prá gente... Precisamos ter uma plateia consciente...precisamos mostrar que o Teatro em Bauru tem força e pode mostrar coisas muito boas... Um grande beijo da MADÊ CORRÊA. Espetáculo La Vita Passa, no Teatro Municipal - 8 maio 2012, terça, 20h30”.

- Em 27.05.2015 publiquei: “OS VÍDEOS QUE FAZEM A CABEÇA DO HPA - DULCE LAGRECA EM "A CASA DE BERNARDA ALBA" NO PROTÓTIPOS - Lorca em Bauru, um luxo só. Ontem, domingo 14/05, abdiquei, eu e Ana Bia Andrade de irmos no Vitória Régia assistir ao show do Marcelo D2 na Virada Cultural, tudo por causa de uma última apresentação no Espaço Protótipo Tópico, lá na Monsenhor Claro. Tratava-se de nada menos que 'A CASA DE BERNARDA ALBA', obra do espanhol Federico Garcia Lorca, direção de Andressa Francelino, que já havia sido apresentada esse ano na Semana de Teatro Paulo Neves Neves, mas não pude assistir naquela oportunidade. As meninas insistiram em continuar apresentando a peça e mais quatro datas foram marcadas. Perdi as três primeiras e na última, ontem, 20h, não podia deixar de cumprir promessa feita junto a incomensurável Dulce Lagreca. Momentos antes havia saído lá do Teatro Municipal, no fechamento do V Festival Internacional de Bonecos e falando sobre minha intenção com Thiago Neves ele me diz: "Vá correndo, falta pouco mais de meia hora e veja com muito carinho a Dulce Lagreca cantando em espanhol". Fomos e gostamos demais do que vimos. Moças dedicadas, querendo acertar, apostando muitas fichas no que fazem e no caminho mais do que certo, ou seja, fazendo o que gostam. Erros existem em todos os lugares, mas a vontade de acertar em todas supera muita coisa. Já do que gravei, Dulce cantando naquele momento em que, fazendo o papel de irmã da Bernarda, escapa do seu quarto e solta a voz na sala. Não ia gravar, tanto que perdi o começo, mas não me aguentei. Saquei de minha maquineta e registrei o momento mais do que belo. Dulce é tudo de bom, uma entrega total e absoluta em tudo o que faz. Nem preciso dizer que gostei demais dessa jovem senhora soltando o gogó e já estou me candidatando para a empresariar em algumas de suas próximas apresentações musicais cidade afora. Já penso numa noite de gala noTemploBar Bauru. Que acha Fernando? Vamos lotar sua casa tudo para paparicar a Dulce. Pode ir ensaiando desde já cara cantora. Quem vai comigo nessa? Cliquem a seguir para assistir: https://www.facebook.com/henrique.perazzideaquino/videos/1073953689301306/?pnref=story”.

- Em 02.09.2019 publiquei: “VIDA SEVERINA BAILANDO POR BAURU OU COMO ESSE PESSOAL DO FIM DO MUNDO AINDA CONSEGUE LEVAR AO PALCO ALGO COM TAMANHA ENVERGADURA - Enquanto o país quase inteiro caminha para um estado de profunda DEMÊNCIA, alguns poucos resistem e insistem em continuar dando murros em ponta de faca, produzindo, sendo, fazendo e acontecendo de uma forma mais que ousada. Justamente nesse momento onde os sinais de debilidade se avolumam pelo país, justamente aqui na aldeia bauruense, nas noites de sábado e domingo, algo para provar que, nem tudo está definitivamente perdido, pois cabeças pensantes continuam pulsando pela aí e vez ou outra, mesmo contra todas as adversidades mostram a que vieram. É o caso da Cia Estável de Dança de Bauru, comandada pelo competente Sivaldo Camargo, bailarino com décadas de reconhecidos trabalhos, desses que, quando todos se acomodam, preferindo se esconder, tentar passar incólumes, desapercebidos, ele vai atrás e acaba de colocar mais um produto com a cara de sua Cia na praça, desta feita a difícil e ousada encenação do poema de João Cabral de Mello Neto, “Morte e Vida Severina”. (...)Antes do início do espetáculo no palco, a atriz Dulce Lagrecaca foi convidada a declamar o poema e, mais uma vez, a plateia em êxtase. Eis a poesia: “Siva e Ari que amam João que amava a dança/ a dança que critica a morte/ pelas facas do sol lambida/ e a dança de Sevilha/ riscada em fósforo virgem:/ pois se uma é nordestina/ de magreza lixada por lima,/ o mar da outra é enigma/ que o Capibaribe adivinha;/ uma se faz das palavras/ que secam mal se as pronunciam,/ enquanto as dançarinas da outra/ pode “incendiar-se sozinha”./ Mas aqui nesse espetáculo/ que ora ser lhes apresenta,/ Sivaldo e Ari trazem o João/ que com a morte não se contenta;/ com a morte que cozinha com a morte/ pelos vazios da barriga,/ pelos vazios mais ocos/ que são vazios às escondidas,/ o sol o sol o sol/ CAR/ ou a morte às claras por bala/ se a fome não faz o serviço/ e a morte que se vai vivendo/ do homem na modalidade bicho:/ bicho que mal começa finda,/ bicho que reza e acredita/ e que em bicho se divide/ por ser mais bicho ainda./ o sol o sol o sol o sol/ CAR/ Tudo isso em João é denúncia/ dos exploradores da vida/ que faz Severinos dos muitos/ para que poucos prossigam./ o sol o sol o sol o sol/ CARCARÁ/ Siva e Ari que amama João que amava os Severinos/ todos em diapasão nordestino lhe trazem, assim reunidos/ um desassossego rude, um repente intestino/ para que dúvidas não pairem/ do que não pode ser vivido”.

- Em 04.09.2019 publiquei: “A SENSIBILIDADE DAS FOTOS RECEBIDAS DE TRÊS AMIGOS (AS) - Recebo fotos de três distintos amigos (as) ontem e todas muito me emocionam. A sensibilidade de cada um está presente em cada uma delas e muito bem expressada ao me enviarem, cientes do destino que dou a elas. Misturei todas, ou melhor, embaralhei como num jogo de cartas, mas a sequência é feita para tocar fundo, mesmo fora da ordem (e qual seria a ordem?). A professora Loriza Lacerda de Almeida fotografou o espetáculo Morte e Vida Severina no Teatro Municipal e dentre os registros, todos muito bons, essas me tocaram mais fundo, talvez por gostar demais da personagem ali retratada, a dama do teatro Dulce Lagreca, quando declamou antes do espetáculo”.
Tem mais, mas fico por aqui e o publicado é só para apimentar, manter a curiosidade em alta e outras revelações só mesmo assistindo pela minha página no facebook, domingo, 04/10, a partir das 10h. Conto com tudo, todas e todos. Ela é arrebatadora e quem comparecer não vai se arrepender...

Eis o link para assistir o Bate papo de 1h08 por inteiro: https://www.facebook.com/henrique.perazzideaquino/videos/3892888220741158

COMENTÁRIO DEPOIS DE TUDO: Dulce foi maravilhosa o tempo todo, arrebatadora, como escrevi acima. Apaixonante, pessoa sensível, cheia de charme e de bem com a vida, sabendo se desviar dos percalços. Ela já havia me dito não gostar de se meter em temas políticos. Evitei a saia justa e só em um momento toquei em algo resvalando no tema. Foi quando lhe perguntei de Bauru, se com essa vivência de 77 anos não achava a cidade conservadora. Ela confirmou, disse enxergar Bauru desta forma, pouco acolhedora, mas por outro lado amar demais a cidade, não conseguindo viver em outro lugar. Olhou para o passado e disse antes as relações políticas eram mais quentes, resolvidas mais no braço, muitas promessas de pegar fogo e hoje, tudo mais ameno, brando, sem o fervo de antes. No mais falamos de sua vida, classe média, professora de escola pública uma vida inteira, casada com médico psiquiatra, ambos com a vertente musical acentuada, também boêmia, rendendo boas histórias. E o teatro, iniciado após o falecimento do marido, já na terceira Idade, o que a sustenta e a mantém alegre, jovial e com uma fisionomia de evidente disposição. Vale a pena assistir o bate papo. Adorei conversar com ela. 

adeus
BRECHA, O DA MELHOR PANCETA DE BAURU SE FOI
Seu bar continua, pois já tinha passado a bola para os filhos. Brecha estava cansado e ficava mais em casa nos últimos tempos. O Bar do Brecha, ali atrás do posto na Rodrigues Alves, bem atrás do Cemitério da Saudade ficou fechado por uns tempos, por causa da pandemia, mas já voltou e serve a panceta conforme o freguês a requer. Eu adoro ir lá e devorá-la num prato feito, o famoso PF, de dois tamanhos, um pequeno e outro maior, com mais sustância. E o prato principal da casa é a porção de panceta que o Brecha trazia lá de Tibiriçá, preparava ao seu modo e jeito, sendo degustada por todos com o maior deleite. Até minha Ana, carioca da gema e se vangloriando não comer carne de porco, se vergou provou e não parou. Comia sempre e também indicava. Muitos amigos de fora, foram todos levados para lá a desfrutar do acepipe. Nenhum reclamou e na maioria das vezes, o Brecha estando lá, ele vinha até a mesa e contava histórias, detalhes de como desfraldava o embutido do porco, sem contar o segredo principal, o que fazia para ser servido de forma diferenciada. O segredo não foi com ele, pois o filho, hoje no comando, seguirá daqui por diante com a mesma sapiência do velho mestre. Brecha deu não só nome ao bar, mas fez muito mais, pois levantou um bar, movimentadíssimo perto de campo santo, onde dizem, não é lugar bom pra se montar negócio de comida.
Seu botequim conseguiu superar isso e isso já é coisa do passado, décadas atrás. Hoje, a triste notícia, o Brecha se foi e por essa tal de Covid, não perdoando ninguém. Entristece e aqui fico na minha reclusão relembrando todas as vezes que lá estivemos. A última foi logo depois do Carnaval, quando eu e Ana juntamos lá a Dulce e a Ivone Baté, Sivaldo Camargo e desfiamos a roseira dos porquês o Tibiriçá não foi campeã no Carnaval deste ano. Bebemos um bocado e como sempre, ali sempre ninguém se perde na conta de quantas desceram gogó abaixo, pois é levado para o pé de uma das mesas uma caixa de cerveja vazia e a cada que vai sendo consumida ela desce para a caixa. Ao final, contamos todas, juntamos ao que comemos e tudo é acertado sem maiores percalços. Vou voltar várias vezes ao Brecha, mas nada será como antes, pois daqui para frente não mais será possível ouvir suas histórias, creio que da primeira vez que lá aportei, a dos tempos quando foi jogador de bola, e pelo tamanho não tão avantajado, se enfiava pelas brechas para passar pelos adversários, até por debaixo das pernas do grandalhão diante de si. Se foi hoje um grande sujeito e assim Bauru vai ficando bocadinho mais triste. Abaixo um texto que escrevi dele quase dez anos atrás.

Em 24/02/2011 escrevi dele no blog Mafuá do HPA:

“BRECHA, O VOLANTE QUE VIROU REI DA PANCETA - Afonso Ferreira da Silva, 62 anos é o popular Brecha, comandante em chefe do Bar do Brecha, uma das coqueluches entre os bares bauruenses. O apelido Brecha foi conquistado ainda nos tempos em que era centro-médio, o popular volante, atuando nos times do Matsubara e da Desportiva, um já extinto time de Santa Cruz do Rio Pardo. Quando o futebol foi deixado meio que de lado, em 1973 foi trabalhar no restaurante Reghine, de onde saiu com a idéia fixa de possuir seu próprio negócio. Montou o bar em 1989 já com o famoso nome no antigo Posto Continental, na sua parte frontal, defronte o Cemitério da Saudade. Junto da esposa, Elizabeth, que hoje é também chamada de dona Beth e até de dona Brecha, seguindo uma receita aprendida dos tempos de morador rural em Espírito Santo do Turvo, onde nasceu, sempre soube como ninguém destrinchar as partes internas de um porco. Seu sucesso começou daí e ganhou fama. Com a reforma do posto, criou coragem e ampliou seu negócio, reformando a área na sua parte de trás e lá, junto de um cunhado, esposa e dos filhos deste, conduzem o estabelecimento que ficou famoso pela panceta mais divinal da cidade, além de outras especialidades, como a porpeta, um bolinho de carne recheado de queijo. Simpático, cumpridor absoluto e irredutível do horário de funcionamento, que faz questão de manter exposto em letras garrafais na parede, abre e fecha religiosamente sempre dentro do determinado, isso já por quatro anos.
Tudo ali é feito com esmero, como os vários molhos, um para tempero da carne, outro batido para ser levado a mesa e outro mais ardido. Hoje, o frigorífico está entregando as peças de panceta personalizadas, com carimbo pessoal e a forma de preparar, diz ele, é a mesma dos tempos de roça: "Matava porco, não tinha geladeira e a barrigada fazia para comer com a família. A receita tirei daí e a forma de preparar é meu diferencial". Brecha, diz que o apelido veio dos tempos de boleiro, pois fuçador, procurava as brechas para fazer seus golzinhos e assim como lá, no quesito comercial, encontrou a sua se firmando de forma vigorosa. Brecha virou point”.

OBS.: As fotos do Brecha são todas minhas e tiradas em 2011.

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