sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

FRASES DE UM LIVRO LIDO (135)


“A INQUISIÇÃO NEOLIBERAL”, LIVRO DO JORNALISTA ARGENTINO FERNANDO BORRONI E AS SEMELHANÇAS ENTRE O QUE OCORRE LÁ E AQUI NO BRASIL

Primeiro conto como cheguei a este livro, editado este ano pela Editora Colihue (www.colihue.com.ar), especializada em textos políticos e de oposição ao neoliberalismo. Quando estive entre julho/agosto deste ano na Argentina, como sempre faço, ano após ano, passei pelos estúdios do programa de rádio La Mañana, rádio 750 AM (https://750.am/). Lá algo não mais existente no Brasil, a possibilidade de uma rádio se opondo ao estabelecido, a visão dos fatos por outra vertente que não a neoliberal e seguindo as leis provenientes do mercado. No programa, um trio de jornalistas da alta confiabilidade no Cone Sul, Victor Hugo Morales, Gustavo Campana e Fernando Borroni. Trago sempre livros deles, tenho dos dois primeiros e desta feita, havia comprado mais dois de Campana e Borroni me diz: “Uma pena. Não vai levar o meu, pois sairá daqui um mês”. Dei meu jeito. Meu amigo Fausto Bergocce lá esteve em setembro, 17/09 e lhe peço para passar na rádio e buscar o exemplar. De posse dele um mês depois, não via a hora de iniciar a leitura, pois o tema é dos mais abrangentes e pelo que ouço diariamente na Coluna do Borroni, por volta das 10h40 diariamente na rádio, algo de grande valia para os ainda acreditando na real possibilidade de um outro mundo ser possível. Ao começar, confesso, foi meu fiel companheiro por onde andei nos últimos dois meses. O dissequei devagar, rabiscando duas páginas, anotando o algo a mais e grifando em amarelo praticamente todas as páginas do livro. Pelo título já dá para se ter uma noção do seu conteúdo: “La inquisición neoliberal – Persecución política, desprecio de classe, censura, hambre y represión em la ERA MACRI”. Tudo começa com um prólogo do Victor Hugo, onde ele deixa grifado: “Necessitamos Borronis para seguir em carrera, para nos aflojar el passo”. É o que mais levei em consideração quando da leitura. Dessas leituras, para mim, enxergadas como imprescindíveis, livro de cabeceira, verdadeiro Manual de Sobrevivência desses tempos cruéis e insanos, pois não só faz um relato dessa insanidade, servindo também para nos abrir os olhos definitivamente. O que mais me chamou a atenção é o fato do livro estar totalmente baseado no ocorrido na Argentina pós Macri, com a chegada ao poder do partido Cambiemos, mas na leitura, página após página, uma proximidade imensa com tudo o que ocorreu e está em curso no Brasil. Trocando o nome dos personagens, a história ocorrida lá e também a nossa, ou seja, a chegada do neoliberalismo predatório é revestida da mesma perversidade. Abaixo reproduzo frases pinçadas do livro, com livre tradução de minha lavra a demonstrar a importância do texto, que nada mais é do que uma organizada reunião, não por datas, mas por temas do que Borroni fala pelas ondas do rádio e serve como alento para gente como eu, atento ouvinte, agora também fiel leitor:

- “Algo mais de dois anos sendo governados por cínico autoritários, perversos, corruptos e mentirosos. Disso trata este livro... (...) Voltaram para extirpar, com espasmódica dor, aqueles direitos que parimos com tanto esforço e felicidade. Regressaram para transferir nossos recursos a suas empresas. Milhões e milhões de dólares que sacam de nossas vidas cotidianas, para transferir a seus paraísos fiscais. Disto também se dá conta estas páginas...(...) Trouxeram consigo a censura, o aperto, o silêncio imposto, a manipulação e a distração como ferramenta para atontar e intimidar a toda uma sociedade. (...) Voltaram para reprimir... a liberdade, os direitos, as oportunidades, as expressões, as cores, as formas, as relações de nossos corpos. (...) Oxalá se cumpra o único objetivo eu este livro tem, o de ser um grito em meio a tanto silêncio imposto...”, pg. 17 e 18
- “Pedíamos sentido comum, amor pela pátria, defesa do trabalho, respeito pelo Estado de Direito, liberdade de expressão, continuar com os programas sociais que continham e incluíam milhões de argentinos”, pg. 20
- “Nunca antes na história democrática de nosso país as corporações nos governaram com a mão tão levantada. (...) Nunca o saque foi tão evidente e em plena luz do dia. Nunca se perseguiu e a oposição foi censurada como se faz hoje... Nunca durante a democracia, sim durante a ditadura”, pg. 26
- “Mentiram durante a campanha assegurando que não seria perdido um só direito, mesmo havendo elementos de sobra para suspeitar e descrer dessas palavras. (...) ...hoje estão se aproveitando para colocar o país a disposição de seus interesses e em nome do voto popular. E fazem isso sem nenhum reparo ético, moral, nem legal. Manipulam a palavra. Destroem a verdade, a censuram a imprensa, transferem recursos destinados para as classes populares apara as eternamente enriquecidas, perseguem a oposição, violam as instituições da República e deterioram o Estado de Direito. Constroem inimigos à sua medida, lançam um diário de caça as bruxas, colocam o Estado a serviço de interesses privados, apertam a Justiça, intervém em sindicatos, trabalham sob a psicologia social para mostra-se sempre como vítimas e sobre tudo buscam refundar o país depois de uma fragmentação xenófoba e de classe”, pg. 27
- “O silêncio se apodera dos novos cenários... (...) ...estão edificando as bases de novas condutas sociais, uma nova ordem social onde se normaliza o horror. (...) ...manipulação midiática de que todos somos vítimas, direta ou indiretamente, senão também sobre uma sociedade politicamente ignorante”, pg. 29
- “Sempre o poder tem razão, precisamente porque é poder. (...) O que não tem, sempre, é a verdade. A verdade pertence ao povo que a vive e a sofre em toda sua crueldade. (...) ...devemos assumir que resistir é, entre outras coisas, a luta para impor a verdade por sobre a razão. (...) A razão não é outra coisa que um relato do poder aceito amplamente pela sociedade e que se consolida como um pensamento único a partir da censura à verdade”, pg. 31
- “Dispõem das armas e do tempo para usá-las, para precisamente silenciar todo aquele que coloque em discussão o pensamento oficial imposto como verdade. (...) ... os três poderes estão de acordo, por exemplo, matar a um manifestante... (...) Digo que, das três instâncias do Estado, uma dá as ordens para as outras duas. (...) Podem prescindir das provas porque o Estado de Direito não existe e estamos caminhando para um totalitarismo ao estilo do ‘O Estado sou eu’”, pg. 32
- “Nesta nova ordem instalada no nosso território, o protesto e a mobilização social são um crime. Ser jovem e militante de qualquer causa distinta dos interesses do executivo nacional é um desatino e, sobretudo, a vida humana não é um valor e muito menos um valor supremo”, pg. 33
- “Porque corrupta é a teoria do derrame, corrupta são as políticas que geram fome e desigualdade, corrupta foi a história da expropriação de terras dos ancestrais, como corrupto é dividir os seres humanos em aptos e não aptos. (...) Trazem a agenda que devemos ler, impõe as frases que devemos repetir até o convencimento. (...) Nomina, domina e manipula. A militância são taxados como indesejáveis, seus líderes, demagogos e autoritários”, pg. 35
- “Toda aquela expressão popular que se organiza e resiste frente ao Governo é rotulada de unimiga. (...) O opositor é o inimigo, porque eles são a ‘Justiça’, eles são ‘a verdade’, o ‘diálogo’ e a República. (...) Esses inimigos formatados e impostos são o alimento necessário para alimentar a besta. (...) É impossível pensar no êxito disso tudo sem a participação da mídia. São os principais mentores e executores desta perversidade política...”, pg. 37
- “Há algo que a direita não aprendeu. Ela pode matar ou encarcerar os líderes populares, porém não podem assassinar, de nenhuma maneira, as marcas que estes deixaram junto ao povo”, pg. 41
- “As corporações delimitam e definem ‘a política’ e o executivo assume exclusiva tarefa de convencimento. Convencermos do que? De uma realidade que só existe nos meios de comunicação. Eles dizem e dizem, para que cada um de nós repitamos e repitamos. (...) ... nos poderes se disputam verdades, se disputam relatos, os que autoproclamam como ‘verdade’”, pgs. 46 e 47
- “A liberdade neoliberal, regrada por uma liberdade de mercado, é um tipo de escravidão moderna. O homem e a mulher seguidores dessa ideia de liberdade não reclamam direitos, só exigem poder de compra”, pg. 50.
- “...falam de futuro como um mundo imaginário de enormes possibilidades, que nunca chegam. O neoliberalismo é uma promessa constante de um futuro que nunca chegará”, pg. 53
- “...é uma cruel mentira afirmar que exista pobres vivendo do Estado. Não existe uma só pobre vivendo do Estado. Em todo caso, se existem pobres é porque em algum momento de suas vidas o Estado os abandonou”, pg. 55
- “Difícil encontrar ao largo da História líderes de direita que tenham lado emotivo, afetivo com seu povo (...), porém os líderes populares geram todo tipo de vínculo emotivo que vai desde o amor até o ódio. (...) Muitas de nossas ações cotidianas estão viciadas de vínculos sociais onde ‘ganhar’ é o valor imprescindível. (...) A palavra perder é uma das palavras mais temerárias no vocabulário neoliberal. (...) É o medo quem regula o ir e vir entre ganhar e perder; e esse medo se apresenta num cenário para ser vítima de todo tipo de manipulação”, pg. 65
- “O perverso olhar que este governo tem sobre os setores da sociedade mais vulmeráveis e marginalizadas é que ali se quedou refletida. Nos enxerga como seres inferiores, bestiais, animalescos. (...) ...estamos frente a um Estado que não tem um mínimo respeito pelo outro, esse outro expulso do sistema, sobre a qual teriam responsabilidade direta e a qual pretendem desconhecer. (...) este governo está convencido que existem pessoas de primeira e de segunda, e sobre essa ideia intentam construir uma nova ordem social. Os trabalhadores, os docentes, as famílias dos bairros mais humildes não formam parte de seu projeto político e nunca o serão, são párias, som a barbárie”, pg. 73
- “São uma classe dominante que está convencida que essa condição lhes pertence por direito natural. Nasceram melhores, supremos, distintos e já nasceram para ordenar e controlar e castigar a negritude do campo nacional e popular”, pg. 76
- “Estas empresas, que optaram pela comunicação e pelo periodismo especificamente, possuem como única ambição ganhar dinheiro, sabendo que a melhor maneira para faze-lo é dominar previamente o mercado e para isso nada melhor que dominar a mente do que chamam de consumidores”, pg. 87
- “...não existe a opinião pública, somente a ‘opinião publicada’... (...) ...a opinião dos meios de comunicação, seus resultados sempre estarão em consonância com a ordem social a partir da instalação de um clima social prévio”, pg. 103
- “Faz tempos que essa mídia deixaram de informar para travestir-se em juízes da sociedade e de cada um dos seus atores. (...) ...a ‘Justiça’ mais concreta, a que determina o dia a dia da sociedade tem a ver com o que se atreve a sentenciar os meios de comunicação. (...) Uma vez que te rotularam e te acusaram pouco importa se é verdade ou não...”, pgs 106 e 107
- “A estigmatização sempre recai sobre aqueles que de uma forma ou de outra maneira confrontam o colocam em discussão o modelo de poder reinante. (...) ...a estigmatização busca ao mesmo tempo encobrir os verdadeiros responsáveis da pobreza”, pg. 110
- “Todo militante político, se quer conduzir, deve fazê-lo desde uma convicção, com o coração, com a razão e o espírito, o grito das necessidades e esperanças populares. Não é o povo quem deve bailar ao ritmo de seus caprichos individuais. Os verdadeiros dirigentes políticos são o resultado de uma luta pelos direitos e reclamações do povo a que pertencem, e não o contrário”, pg. 123
- “Aqui há um premio econômico para aquele que não luta, aqui há um premio para aquele que se resigna, para aquele que se elege como cordeiro e seguir o pastor, aqui há uma recompensa para os que se silenciam e sustentam esse status quo donde o salário decente está em um estado de indignidade absoluta”, pg. 132
- “A política é pura e impura, pode ser bela e horrenda, violenta e sincera, pode servir para oprimir os povos ou para sua libertação, pode estar cheia de leais e de traidores, pode mudar de rumo, mudar as regras do jogo e de seus jogadores, pode ser o que queremos que seja ou o que depreciamos. Porém, o que nunca deve ser, és ser alienígena ao povo, por ser o contrário, o povo quem deve apoderar-se novamente dela”, pg. 141
- “Chamam de populismo a tudo que contrapõe as lógicas do livre mercado, nem mais nem menos. (...) O neoliberalismo deprecia os que incluem, os que se equiparam, os que se igualam e a tudo isso chamam de populismo. (...) Porque é uma posição ideológica, uma mirada, uma política de governo que se vincula diretamente com os povos porque fazem parte deles”, pgs. 145 e 146
- “A verdadeira ignorância não é ausência de conhecimento, mas o fato de negar o adquirido. O problema desse tipo de ignorante é que ignora sua própria ignorância. (...) quanto mais ódio nos incutem, é porque mais ignorantes nos querem. O ódio é instrumento de dominação. (...) ...a ignorância de ‘classe’ é uma classe de ignorância”, pg. 148
- “O silêncio é um recurso indispensável para que o neoliberalismo possa executar suas políticas e suas consequências passam despercebidas. ...o relato único, o dos que ganham, o dos acostumados a escrever sempre a história. (...) Na casa do silêncio vive a impotência, a covardia, o medo, a decepção, a especulação, a cumplicidade e a falsa ideia do respeito e da saúde”, pg. 151
- “Espaços onde não há história, não há um projeto, no há uma ideia, onde se é anônimo. Um clube de bairro é um lugar de identificação, por exemplo, um shopping ao contrário, é um não lugar. (...) Um país sem identidade (individual e coletiva) é um país escravo, dentro das modernas e invisíveis forma de escravidão”, pg. 153
- “A história dos povos se mede a partir dos avanços e dos retrocessos de direitos, não por haver perseguido a um ou outro corrupto instalado, impunemente, pelos meios de comunicação. (...) Corrupção é também violar sistematicamente a ordem constitucional, que obriga o Estado a assegurar trabalho, condições mínimas de saúde, uma moradia digna e educação pública de qualidade”, pgs. 157 e 158
- “Matam porque temem a vida, assassinam oportunidades porque temem o homem e a mulher livres, matam a organização popular porque temem o que o povo será capaz de fazer quando organizado. Matam a verdade porque assim acabam com os sonhos, as ideias porque essas destroem a leis que os limitam, a memória porque os desnudam. E quando não conseguem, então, buscam o confinamento como forma de silenciar, porque ao fim esse será sua única finalidade”, pg. 165
- “A construção da história não é outra coisa que a luta por impor um relato e consolidar uma verdade. (...) ...em curso uma campanha de desprestígio contra a própria vítima”, pgs. 170 e 171
- “A história da humanidade não se disputa entre homens, se disputa entre a vida dos que caíram com tudo e a pronta morte dos que nada possuem, porque desses levaram tudo. Por isso tiveram que prender Lula, porque tem que seguir engordando o colchão da pobreza, para que uns poucos ricos se refestelem sobre ele. Com seu líder em liberdade a tarefa deles seria dantesca, com ele atrás das grades, mais fácil pavimenbtar o caminho”, pg. 180
- “A política agoniza quando é o mercado quem toma conta das rédeas do destina de uma pátria. (...) Um setor que hoje, como em outros momentos da história, está traindo suas bandeiras funcionais: justiça social, idependência econômica e soberania política pela ambição de chegar ao poder, para se ter o poder em si”, pg. 187
- “O grito é silenciado pela notícia inventada, imposta. (...) Não há lugar para sua voz, só a deles se escuta por onde vás. (...) ... a resistência não é uma opção, há de ser a razão pela qual se vive, si queremos que essa vida seja digna”, pg. 194
- “Para eles, nunca a violência é a política neoliberal que empurra milhões de compatriotas ao abismo, o violento é quem está caindo e quer se salvar de qualquer jeito. (...) O crucificado, para o modelo, é o responsável pela sua cruz. (...) ...para saquear nossos sonhos, há anos de história, porém uma mesmo linha de pensamento”, pg. 196
- “Não pode haver jamais uma reconciliação real entre o opressor e o oprimido, insistir com isso não é mais do que um mecanismo para consolidar a dominação de um sobre o outro. (...) Há que desobedecer a esse poder imposto e reconciliar-se com o poder poder popular”, pgs. 200 e 201
- “...sempre será perigoso educar a um povo em seus direitos e suas liberdades, sobretudo se quem nos governa quer nos submeter a quietude e ignorância”, pg. 204
- ‘Resistir e combater o neoliberalismo é um dever para quem quer uma vida digna e justa para todos e para o povo do qual somos parte”, pg. 210
- “O mercado governa para ele. O mercado não mira o ser humano e o sujeito de direito, mira o ser humano enquanto número com quem quer dividir o que restar. Não existe um só país no mundo que atua seguindo as leis de mercado que não condenou a metade de sua população à fome. (...) ...os inimigos da Argentina são, precisamente, quem quer protege-la”, pgs. 212 e 213

Aqui o livro praticamente inteiro dissecado. De sua leitura a revolta necessária para não arredarmos pé de continuar na lida, na luta, nas possíveis trincheiras desses novos tempos, porém sem se entregar. O texto de Borroni produz resistência e ao terminar essa leitura, busco mais, pois ela me alimenta.

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