segunda-feira, 6 de julho de 2020

DROPS - HISTÓRIAS REALMENTE ACONTECIDAS (181)


HISTÓRIAS CONTADAS A MIM VIA TELEFONE – PANDÊMICAS OU NÃO
1 – Ela foi despedida pelo dono do restaurante/pizzaria onde trabalhava tão logo a pandemia começou, mas o movimento da casa continuou, com atendimento pelo sistema Delivery. Não fecharam um só dia. Ela entrou com pedido para receber o Auxílio Emergencial do desGoverno, conseguiu receber uma parcela, 60 dias atrás e vive sabe lá como, sem grana para nada, com a segunda não entrando em sua conta desde então. Dias atrás, sem grana e desesperada liga para seu antigo patrão, conta sua situação, dificuldades enormes para pagar o aluguel, mesmo reduzido em 50%. Pede se não tem como ser recontratada. Ele lhe diz assim na lata: “Você sabe, eu pagaria o seu aluguel sem você ter que trabalhar. Não aceita porque não quer”. Diante de proposta tão direta e reta não lhe resta explodir diante do predador: “Saiba mais uma vez, eu não estou à venda”. E desligou o telefone. Suas contas só aumentam, mas a dignidade continua em alta.

2 – O entregador chega no portão com a entrega de comida feita pelo sistema onde o motoqueiro carrega pesada caixa vermelha às costas, do tipo com fome e levando refeição pros outros. Começam a conversar e diante do valor oferecido no cardápio, o cliente diz ter ficado contente em saber ter sido cobrado dele R$ 10 reais pela entrega. Pergunta se o valor é suficiente e totalmente repassado a ele. Primeiro o entregador desconversa, mas depois se abre. “Se o patrão ficar sabendo sou desligado das entregas na hora, mas vou te contar, recebo de ti dez reais e seria um bom valor por todos os riscos que corro nas ruas, mas não, ele retém 50% do valor e só me entrega no final do expediente R$ 5 reais. Não existe como reclamar, pois dias atrás mostrou para todos uma lista de fila de espera de novos motoqueiros querendo nossa vaga e disse para nos empenharmos mais no que fazemos”. Ganhou uma gorjeta extra e creio eu, a comida não deve ter feito tão bem a quem a comeu após ouvir algo das relações trabalhistas como se processam na prática.

3 – A moça chega na cidade e consegue uma vaga para morar num pensionato coletivo, bairro periférico da cidade, onde pelo menos três pessoas habitam cada quarto. É o que tem para o momento. Segue sua rotina e com o passar dos dias, o dono do lugar ganha sua confiança e pede emprestado a ela seu cartão de compras, pois precisa comprar um creme de cabelo e o seu no limite do mês, meros R$ 18 reais. Cartão emprestado, compra feita, cartão devolvido, mas uma despesa de R$ 600 reais aparece misteriosamente no extrato diário e quando o questiona, sua resposta: “Nossa, isso é crime. Cancele já seu cartão”. Outras cinco tentativas de compras são feitas na sequência e o clima azedou entre as partes, sendo a única vítima a dona do cartão, perdendo a vaga na casa, sob alegação da não aceitação de desconfianças para com sua pessoa, resultando na impossibilidade de continuar trabalhando sem um teto para ficar, tendo que retornar à sua cidade, com mais perdas que ganhos na algibeira.

4 – Numa conhecida zona de prostituição, o dono do território leva as “meninas” para o trabalho e fica rondando o local, dando o que denomina de proteção. Em caso de qualquer problema com “clientes”, desentendimentos ou arruaceiros pelo local, ele chega e resolve na base do bofetão. O problema foi com o protetor, pois ela resolveu abrir mão dos seus serviços, quebrando um protocolo de cordialidade entre as partes e continuar atuando nas ruas da cidade, não no local por ele administrado, mas em outro. Nem isso foi permitido e a trabalhadora das ruas sentiu na pele como se dá a proteção às avessas, ou seja, o mesmo expediente usado para resolver os problemas com quem lhe causava percalços nas ruas foi usado contra sua pessoa, pois passou a incomodar e não mais render dividendos para auspicioso gerente e proprietário de espaço noturno. Foi expulsa das ruas aos pontapés.

5 – O empresário da noite é ilibado cidadão, conhecida figura pública, contratando os serviços de música ao vivo a preços de acordo com sua conveniência, desprezando tabelas ou mesmo valorizando o artista mediante a lotação da casa. O negócio é só um “venha a nós” e nunca “ao vosso reino”. De um cachê para cantar, pouco antes do local ser lacrado por causa da pandemia, valor fechado em R$ 150 por noite, sem especificação de horas ao microfone. Ao pedir um mero prato de comida, o valor é descontado, assim como a água durante a cantoria, a não ser que tope beber da torneira, essa gratuita. Os shows se alternam no palco, todos artistas tratados do mesmo jeito e maneira e agora, local fechado, todos foram sumariamente não afastados, mas demitidos e sem direito a apelação, sob retaguarda do atual desGoverno, o qual o dono é fiel seguidor e propagandista. O artista liga pra saber das novidades e ouve a boa nova: “Quando voltar, se prepare, vou ter rever pra baixo o valor dos cachês”.

6 – A empresária da cidade vizinha é a sua maior empreendedora, tendo sob seus domínios metade de funcionários registrado, outra metade não. Todos trabalham por produção, contas feitas e acompanhadas por capataz, que faz ao seu modo e jeito as contagens para o soldo no final do mês. Tudo num caderninho, anotados ao seu bel prazer. No dia da somatória e acertos, valores são esquecidos, nunca acrescentados e na maioria das vezes, todos os sem registro recebem muito abaixo do salário mínimo vigente. Aos que ousam reclamar, pedem para redobrarem os esforços, pois se receberam pouco, não renderam o suficiente para merecer mais. Na insistência, anotações em outro caderninho são mostradas e lá enorme lista de espera, gente querendo trabalhar nas mesmas condições de excelência de todos os que deveriam levantar as mãos aos céus, pois ainda conseguem ter emprego num momento como o atual.

7 - Ela vem de longe, pega dois ônibus para chegar no trabalho e dois para voltar. Antes tinha um acesso quase ilimitado ao lar, mas hoje, ciente dos perigos da pandemia e dos riscos que a família do patrão sofre com ela, tendo que enfrentar diariamente as lotações e os perigos das ruas, tiveram que tomar precauções. O resguardo na casa dos patrões é rigoroso, sapatos deixados do lado de fora, praticamente um quase banho no tanque da área de serviço, roupa da rua isolada num recipiente plástico lacrado e nenhum contato com os dois filhos do casal, o que ela diz sentir muito, pois gosta demais deles. Ainda faz a comida, mas agora sob olhares desconfiados. O afastamento dos serviços, mesmo estando com 65 anos não foi aventado, pois segundo diz, a patroa não sabe fritar um ovo e daí ela resignada e certamente olhando para baixo, envergonhada de oferecer riscos aos patrões diz: "Tenho pena deles, não queria que nada lhes acontecesse. Eu faço de tudo para não trazer nenhum mal para dentro da casa deles".

Isso é só o começo. Tem muito mais e continuo em outra oportunidade. Coleciono historietas assim, dos destrambelhamentos ocorridos do lado de fora de minha janela. São os tempos modernos, nova legislação em exercício, desde a decretação do final da trabalhista que estava em vigência. Os novos tempos prometem e muito em questões de sensibilidade para com o semelhante.

ALGO DA FRIAS E GELADAS NOITES BAURUENSES
A primeira vítima do frio das madrugadas bauruenses este ano é Chulapa, andante e circulante das imediações do supermercado Confiança Falcão, onde dormia ao lado da banca de revistas do Cláudio e ali foi encontrado sem vida, enrijecido pelo frio. Reconhecido por populares na manhã de domingo, tempos atrás cuidou do espólio do que restou do barracão da Lagoa do Sapo, ali ao lado de depredada ex-delegacia de polícia ou pelas andanças pela Campos Salles, um dos seus locais de peregrinação. Enfim, mais um sem rosto, identidade e que se vai sem ao menos ser conseguida mera foto, registro de corpo inteiro ou ao menos seu nome por completo. A foto, de autoria ainda não bem definida, credito por enquanto a Gilmar Rodrigues.

CHULAPA, MORADOR DE RUA DA VILA FALCÃO*
* Antes que me corrijam os politicamente corretos, enfim os tempos são outros, Chulapa era morador em situação de rua.

Volto a publicar os perfis dos personagens Lado B da aldeia bauruense, paralisados desde o final de 2019. Uma hora teria que voltar, até para completar o milésimo perfil. O faço com tristeza, mas sentindo a necessidade de contar um algo mais de alguém que se foi assim como um passarinho, dormindo numa noite fria, sem ninguém para lhe acolher ou mesmo acalentar suas necessidades. Alguém pelo qual, por mais que perguntasse, ninguém soube me informar seu nome, ou mais dados pessoais. Todos o conheciam na região onde circulava pelo apelido e enquanto não conseguir mais dados, assim permanecerá, mas queria muito poder colocar seu nome em caixa alta e guardar esse perfil com seu nome em destaque. Aguardo notícias de quem souber algo mais.

CHULAPA é o apelido de conhecido personagem das ruas dos tempos atuais da vila Falcão, onde circulava subindo ou descendo a Campos Salles, rua dos Andradas e imediações, seu reduto e guarida. O próprio apelido o evidencia, numa referência ao jogador de futebol do Santos, grandão como qual, ambos negros. Domingo de manhã, Cláudio chega para abrir sua banca de jornais e revistas, local onde ele dormia regularmente ali ao lado, ao relento e se depara com a cena. Tentaram lhe cutucar avisando que era hora de levantar, mas ele não se mexeu e daí perceberam que ele já estava morto. Vieram e o cobriram com um pano prata e dali o levaram para ser enterrado, sem velório, sem nada, provavelmente como indigente em cova sem identificação, assim como viveu boa parte de seus últimos tempos, no anonimato. Pelas fotos publicadas, alguns tentam dele se lembrar. Teria sido massagista do time amador do Ressaca ou mesmo cuidador do que restou da quadra do Lagoa do Sampo, antiga Mocidade Independente.
Dizem, vivia de pequenos serviços, jardinagem e coleta de recicláveis e gostava muito de cantar pagode, especificamente dos anos 90, com voz rouca e parecida com a de Seu Jorge. Nada que o desabone, além da pobreza e da vida pelas ruas, sem eira nem beira, destino certo ou companheira conhecida. Circulava e era visto, só isso. Hoje ele é o assunto na boca das pessoas ali defronte o mercado e a banca. Muitos tem histórias dele a lembrar e logo mais, como ocorreu com tantos outros, já estará quase esquecido, algo na memória de uns poucos. Foi mais um dos que sobreviveu até quando deu ali nas imediações do fervo da Falcão.

Histórias destes tantos renegados e postergados para depois são lembradas aqui e eternizadas no www.mafuadohpa.blogspot.com

EU DIVAGO SOBRE UMA INOCÊNCIA PERDIDA HÁ MUITO TEMPO
"OS INOCENTES DO LEBLON ESSES NEM SABEM DE VOCÊ"
Ouvir Chico Buarque interpretando o poema "Inocentes do Leblon", do Carlos Drummond de Andrade (eis o link: https://www.youtube.com/watch?v=r_l8OHiPRG8) é para ficar prostrado no chão. É linda a poesia e hoje confesso, quando ouvi algo dela pela primeira vez foi numa música da MARINA LIMA e não entendi o seu significado. Algum tempo depois vim a conhecer o poema do Drummond e entendi o que vinha a ser de fato aquela geração pueril, fazendo questão de se mostrar e representando o vazio da existência humana. Hoje Chico ao rememorar o poema repercute sobre as ruas e bares do bairro cheias em plena pandemia, todos sem máscaras. Fui lá no alto da estante e querendo ouvir novamente a música com a frase, trago para baixo e no final dessa noite de domingo, coloco pra rodar na vitrolinha a música VIRGEM. Faz parte do LP "Marina Virgem", do ano de 1987, coleção deste mafuento. Os tais "inocentes do Leblon" não querem nem saber da gente ou se querem nos tem como "desimportantes" e Chico não me deixa esquecer disto - por isso gosto tanto dele.

"As coisas não precisam de você/ Quem disse que eu/ Tinha que precisar/ 


As luzes brilham no Vidigal/ E não precisam de você/ Os Dois Irmãos/ Também não precisam/ 

O Hotel Marina quando acende/ Não é por nós dois/ Nem lembra o nosso amor/ Os inocentes do Leblon/ Esses nem sabem de você/ 

O farol da Ilha/ Só gira agora/ Por/ Outros olhos e armadilhas/ Outros olhos e armadilhas/ 

Eu disse/ Outros olhos e armadilhas/ Outros olhos (outros olhos)/ E armadilhas/ As coisas não precisam de você". 

2 comentários:

Henrique disse...

COMENTÁRIOS VIA FACEBOOK CHULAPA:
Marcos Souza
🙏

Helena Aquino - Triste fim

Alcidineia Fernandes Jeferson Jn - Triste mas que Deus o receba de bracos abertos

Tatiana Calmon Karnaval - Vou corrigir a correção... Situação de rua é eufemismo... Morador de rua meSmo

Tatiana Calmon Karnaval - Henrique não somos desimportantes... Somos muito importantes. Me importo e muito com você, e com gente como a gente.

Ezequiel Rosa - sentimentos

Adriano Alves Queiroz - Grande Chulapa, diziam que era um grande beque central, vou procurar saber o nome dele repasso para vc Henrique

Luís Paulo Césari Domingues - Não é o Bacura? Eu conheço um rapaz igual a ele, da Falcão, chamado Bacura.

Adriano Alves Queiroz - Noite Henrique,o nome dele era Edson Carlos Arcanjo chulapa,bom jogador de bola

Henrique Perazzi de Aquino - Onde descobriu, caro Adriano Alves Queiroz? Conte também a fonte, pois tudo é história e merece ser conhecido por todos.

Adriano Alves Queiroz - Henrique tem os amigos dele se futebol,me ADC zap,997370761,passo os contatos

Kydelmir Dantas - O LADO B DE BAURU já tem material pra ir ao prelo Henrique Perazzi de Aquino

Marcia Pestana Mota -Edson, caro amigo Henrique; Edson era o nome do Chulapa.
😥

Gilberto Truijo - Muito triste e total apoio a voce meu amigo Henrique Perazzi de Aquino.

Kristinna Oliveira - Que Deus o receba em seus braços de amor e conforte todos.

Thiago Oliveira - Edson nome dele. Desde que eu era criança acompanhava meus tios pelos botecos da Vila Souto e da Falcão e sempre o via. Meus conhecem de longa data.

Luiz Marcos Ferreira - Lamentável, mas, é esta a realidade de uma sociedade que se denomina cristã. Certamente, ele será considerado apenas o "mais um" desses dias tenebrosos que assolam o país.

Lucy Granha - que deus o tenha

Roseli Maganha - O NOME DELE ERA EDSON.

Tuta Caetano - Conheci chulapa no bar do Robertinho, sempre alegre e participativo, Boa praça e excelente ser humano, está ao lado de deus e o céu está alegre, vá em paz chulapa !🙏🙏🙏🙏🙏👏👏👏👏👏👏

Henrique disse...

COMENTÁRIOS VIA FACEBOOK CHULAPA 2:
Micheli Souto Mattei - Vamos aquecer nossos irmãos
Se você puder leve até eles cobertores, agasalhos, tocas, luvas, meias e calçados.
Sirva à eles uma bebida quente ( café, chá, leite, chocolate quente).
São várias formas de ajudar.
Seja você também um voluntário do bem!
O pouco que temos é suficiente para dividir!
As mãos que recebem também doam 🙏🏾

Teresinha Pinto - Estado sem política pra pop rua.
E
Clara Maria Rodrigues da Silveira - Imensa tristeza deparar com uma notícia desta nenhum morador desta Região não sabia da existência deste ser humano ninguém conhecia lamentável

Roseli Meireles - Deus o acolheu

Valter Tomaz Ferreira Junior - Perdemos também o Beto do Dae

Giselle Pertinhes - Tristeza😪

Lucimara Barbosa - Lamentável .era gente boa prestativo ...gostava de cantar pagode dos anos 90 com aquela voz rouca qui ele encontre a paz e descance em paz

Ana Maria Lucimara Barbosa - sim ... Tinha uma voz muito boa , parecida com a do Seu Jorge

Montinegro Monti - Triste que alguém morra de frio ou fome sem a devida assistência enquanto vereadores e radialista da JOVEM PAN defendem a abertura de BARES e ACADEMIAS como serviço essencial.
Que deus conforte a família.

Izildinha Aparecida Gonçalves Vitoreli - Meu Deus! Morrer de frio! Que triste sina a desta humanidade desvairada e egoísta!

Roseli Maganha - O nome dele é EDSON. Pessoa educada e respeitosa. Muito triste.