domingo, 12 de julho de 2020

REGISTROS LADO B (03)


O TERCEIRO DEPOIMENTO DO “LADO B”, A IMPORTÂNCIA QUE OS DENOMINADOS DESIMPORTANTES POSSUEM É AQUI MAIS DO QUE RESSALTADA – DESTA FEITA CRISTIANE LUDGERIO, CARNAVALESCA, CABELEIREIRA, MULHER TRANS E, PASMEM, ENTENDIDA EM NECRÓPSIA.
O que faço não é uma mera LIVE, mas depoimentos que transcrevo e nele um bocadinho da história de pessoas mais que relevantes para se conhecer algo da história das entranhas desta aldeia bauruense. Nunca me interessou contar a história das elites e seus representantes, nem o dos que lhe puxam o saco ou vivem nessas imediações. Meu negócio é bem outro. Escarafuncho outras instâncias, nela reúno minhas histórias, relatos que descrevo carregado de profundo sentimento. Em cada depoimento gravado, algo apaixonante, pois junto o que ali ouço e faço um elo de ligação com a história oficial bauruense. Dessa ligação, vejo o quanto já nos foi contado de inverdades e assim, dou minha modesta contribuição para mostrar, dar importância, ressaltar, colocar em destaque a história, para mim, de quem realmente merece destaque e os píncaros da glória. Assim sigo. Comecei a duas semanas atrás com o artista de rua Marcílio do Nascimento, domingo passado prossegui com a Maria da Luz, também conhecida como Maria do CPT, alcançando mais de 350 pessoas assistindo o bate papo e neste domingo, 12/07, das 11h às 12h, ao acessar meu facebook, a entrevista com nada menos que CRISTIANE LUDGERIO.

Falo e escrevo dela com o maior orgulho. Trata-se de uma mulher trans, dessas tantas que suaram muito a camisa para chegar num patamar e poder dizer de onde se encontram: “Cá estou, sou assim, suei muito a camisa, já fiz algo, sou reconhecida, conquistei meu espaço, continuo na luta e tenho uma história de vida”. Essa história eu e ela contaremos um bocadinho na manhã deste domingo, numa gravação histórica, onde saberemos algo lá dos seus primórdios na vila Nova Esperança, seu reduto e lar de toda uma vida. Como foi sua infância, onde circulou, estudou e como começou a se interessar por Carnaval, o que fez de sua vida, enfim sua trajetória, seus caminhos e chegando no reconhecimento, com a mudança do nome social, depois a cabeleireira e chegando em algo pouco conhecido, o curso de necropsia, algo pelo qual ela possui afinidades pelas quais pouco conheciam. Na junção disso tudo, uma pessoa admirável, com os pés e cabeça fincados na periferia bauruense, conta algo também dessa relação do bairro popular para com tudo o mais dentro de uma cidade que se diz e que ser vista como cosmopolita. Enfim, uma conversa reveladora, cheia de bons relatos, histórias sentidas de vida.

Conto uma dela passada com meu amigo Ademir Elias, famoso jornalista, hoje na Assessoria de Imprensa do DAE e que no último ano de desfile da Escola de Samba Azulão do Morro, lá do Jaraguá, saiu atendendo a meu convite numa ala, a do Jogo da Velha, criação e concepção de Cristiane. Ele, todo grandão ao ver a fantasia com saia, vendo que sairia de velha, primeiro avaliou se o faria, depois pela animação do pessoal ali ao seu lado, foi na onda e ali algo mágico num dos carnavais desta cidade. Essa ala merece um “estudo de caso”, tal a alegria ali desfrutada e o que ela possibilitou na avenida. São histórias, como a do mesmo dia, nós todos ali na ala, prontos para sair, lenço de chita amarrado no pescoço, ela chega do alto do seu salto pontiagudo e diz pra todos: “Podem mudar o laço, aqui ninguém é cigano, vocês são velhas”. Cris soube levar o grupo, conquistou a todos e por fim, conquistamos o Sambódromo naquele ano. Ela tem muitas histórias como essa para contar.

Sua vida é recheada dessas. Quando a convidei para o bate papo, ela me perguntou quanto tempo duraria. Disse que não mais que uma hora, pois pode cansar as pessoas. Sua resposta: “Se chegarmos nos 40 minutos e a coisa não render, posso pedir para parar e dizer pras pessoas que podem ir cuidar de seu almoço dominical?”. Disse que pode tudo, mas acho pouco provável, pois creio eu, uma hora será pouco para tanta história e causos. Relembro aqui algo que já escrevi dela no blog Mafuá do HPA, servindo para apimentar o que virá pela frente amanhã, domingo, 12/07, 11h:

- Em 27/11/2016: “Falemos da Azulão e de sua festa. Na fachada um grande painel já com algo sobre o enredo de 2017: “O Azulão vira jogo e vira o jogo: a sorte está lançada!”, tudo cria da cabeça da Cristiane Ludgero, uma vivenciando a escola o ano todo, nas suas alegrias e tristezas. Ela me mostrou os esboços feitos e todas as alas já previamente estudadas, roteiro revisado por nada menos que Dora Girelli e aprovado com louvor. Ela se esmerou na preparação, nos detalhes, nos desenhos, no que iria escrever e mais que isso, Cristiane não possui computador em casa, possui um mero celular como esses que temos em mãos e tudo foi ali montado, desde as pesquisas para ir encontrando as palavras certas, o histórico, as cores. Acreditem, tudo foi feito daquela sua peça, objeto inseparável, de utilidade mais que comprovada. Não sou dos que entendem Carnaval em toda sua essência, mas gosto demais da conta quando vejo uma dedicação além do real, do palpável, aquilo que ouso denominar de “tirar leite de pedra”. Cristiane tirou leite de pedra e estava ali falando ao microfone de seu trabalho. Falou pouco e muito do que fez ainda não foi conhecido, mas em breve estará por aí e ela ingressando de vez o seleto grupo dos carnavalescos bauruenses”.

- Em 02/03/2017: “Ousada, estudou, pesquisou com afinco sobre os jogos no país e, pasmem, tudo com um celular de mão, pois não possui computador. Desenhou peça por peça a bico de uma BIC e dali foram sendo feitas uma a uma as fantasias. Conquistou a todos e o Azulão se empenhou. Por lá, não pensem existirem um batalhão de gente nos bastidores. Falam da integração comunidade escola, mas na hora do vamos ver, sobram sempre para uma meia dúzia de abnegados. Igual por “quase” todo lugar. E nesse ambiente restrito, surgem também problemas e o couro come. Comeu, mas a escola saiu altaneira na avenida e muito se deve a tudo o que idealizou Cristiane para a Azulão. Dentre as ditas em Bauru como de um segundo grupo, foi a melhor, tanto que foi a 3° lugar, com muita honra e qualificação”.

- Em 16/07/2015: “Cristiane Ludgerio, 32 anos é transexual. Conquistou seu nome feminino, de papel passado e tudo, mas não se vangloria da situação, como se isso fosse a salvação da lavoura. Moradora da vila Nova Esperança, essa cabelereira, já tendo atuado em diversos salões da cidade, hoje só atende em sua casa ou a domicílio. Seu diferencial, o de não gostar nem um pouco de viver acuada por causa de sua condição. Foi Rainha da Diversidade no Carnaval bauruense desse ano, a única eleita duas vezes e segundo ela, a primeira transexual que teve seu nome feminino registrado em Cartório em Bauru. Um luxo só. Samba no pé não lhe falta, muito menos profissionalismo na profissão escolhida, mas nos últimos tempos e diante de acontecimentos dentro do meio LGBT, marca um posicionamento pouco usual, portanto, de vital importância ser divulgado e discutido”.

- Em 19/11/2019 ela publicou em sua página no facebook: “SEJA PUTA! - Ela acorda às 6 da manhã pra trabalhar, ele também. Mas ela é puta! Ela mora sozinha, ele também mora sozinho. Mas ela é puta! Ela sai fim de semana com a galera, bebe, dança, ele também. Mas ela e puta! Ela trabalha e estuda, ele também. Mas ela é puta! Ela conheceu um cara bacana, ficou com ele e foi pra cama, ele faz isso toda vez. Mas ela é puta! Ela tem amigos do sexo oposto, ele também. Mas ela é puta! Ela sempre chega sorrindo, é simpática cumprimenta todo mundo, ele também. Mas ela é puta! Ela faz exatamente as mesmas coisas que ele faz. Mas ela, você sabe é PUTA! Se ser independente é ser puta, que sejamos todas PUTA, PUTA mulheres bem resolvidas!”.

Eis o link para ler alguns destes textos por inteiro: https://mafuadohpa.blogspot.com/search?q=cristiane+ludgero

Enfim, algo a mais para apimentar a refrega que terei com ela neste domingo, pouco antes do almoço, num papo que pode, dependendo da forma como foi conduzido, aumentar ou diminuir o apetite. Ela sabe a admiração que tenho por tudo o que representa de luta e de entraves nesta cidade, me pede para passar ao largo em questões políticas e o farei, não sem antes tocar de soslaio em algo que a todos acomete, agruras em tempo de pandemia e dificuldades destes tempos. Uma conversa proveitosa, cheia de imensas boas possibilidades e delas espero estar à altura para tornar possível que Bauru possa conhecer um pouco mais da história de uma digna representante de sua periferia, altaneira pessoa, com uma verve sempre muito afiada.

Fosse você, neste domingo, atrasaria o almoço, mas não perderia esse bate papo por nada...

Por fim, para apimentar uma polêmica, que não é polêmica, mas uma boa discussão, posto algo advindo de um baita amigo, o professor Jeferson Barbosa da Silva, o Garoeiro, hoje exilado em Natal RN:

“Pitaco de prosódia - Língua é este nosso amado mar português. Linguagem, nossas iniciativas de navegação. Os vocábulos, assim, hão de ser barquinhos surfando nas ondas de alguma época. Embarcar é atitude que admite algumas variações num vocábulo: culta, erudita, popular, gíria, etc. Gosto, muito, de lembrar-me da prosódia, quando me vou, diariamente, embarcando nesses saveiros de vocabulário. Porque na perspectiva da prosódia, Henrique, você opta, não pelo certo, pelo melhor, mas, pelo que é adequado. Quando a mídia golpista nos atacou com o adjetivo “sujos”, como o Serra dissera - “blogueiros sujos” - que fizemos? A partir do saudoso Paulo Henrique Amorim, em seu “Conversa Afiada”, “assumimos”, assim, entre aspas, esse barco para nós! Grande parte da blogosfera progressista usou e abusou da inadmissível caracterização, sugerindo nenhum incômodo com ser atacado a partir da direita, como sendo um “blogueiro sujo”. A escolha prosódica, quer dizer, pelo mais adequado, tanto deu certo para esvaziar o ataque, como para ampliar e juntar melhor embarcações em nosso campo. Se você for pesquisar, desde aqueles bons tempos do “Pasquim”, a história está cheia de exemplos. Como assíduo leitor de seu “Mafuá” tenho procurado uma leitura apropriada, quer dizer, mafuenta. “Desimportante”, “Lado B” são canoas do “Mafuá”. Na minha leitura prosódica as vejo como escolhas adequadas. Sempre será possível uma leitura hermenêutica, como é próprio da direita, garimpando aí algum ranço preconceituoso, no avesso da prosódia, não percebendo aquela enorme limpeza que se faz decorrente da assunção de se apresentar qual um “blogueiro sujo””.

Clicando a seguir, o link para assistir o Bate Papo, duração de 1h10: https://www.facebook.com/henrique.perazzideaquino/videos/3629448620418454/

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