sábado, 21 de novembro de 2020

REGISTROS LADO B (21) e MEMÓRIA ORAL (261)


REGIONALIZANDO O LADO B E NO 21º AO VIVO A PROFESSORA ANGELA ZANIRATO E A SUA HISTÓRIA DE COMO SE DÁ UMA ELEIÇÃO NUMA CIDADE DE PEQUENO PORTE

 
“Não se pergunte por que as pessoas enlouquecem. Se pergunte por que não enlouquecem. Diante do que podemos perder num dia, num instante. Se pergunte que diabos é isso que nos faz manter a razão”, Grey`s Anatomy.

Após 20 bate papos feitos com gente tendo por detrás algo desta insólita “Cidade Sem Limites”, dos que aqui lutam e tentam desbravar espaço, cavar oportunidades e seguem na lida, cada vez mais dura e implacável, eis que neste 21º LADO B – A IMPORTÂNCIA DOS DESIMPORTANTES, resolvo dar uma regionalizada e começo também a trazer registros de gente no entorno de Bauru e com ele suas histórias. Neste sábado, 21/11/2020, à partir das 18h quem aqui estará será a professora de Artes, aposentada da escola pública e também de algumas universidades privadas, militante de esquerda numa cidade de 50 mil habitantes do interior paulista, ANGELA ZANIRATO

Sua história ela vai nos contar no seu relato e vivência, tendo tido a oportunidade de construir o que é hoje em várias cidades, até pela atividade que seu pai possuía e nela embutido algo a se solidificar, a consistência de uma vida com olhos e ação voltados para algo pelo social. Ela se diz e não da boca pra fora, uma eterna militante de esquerda, sensível e atuante. Viajou, conheceu muitos lugares e foi, 30 anos atrás, aportar em Paraguaçu Paulista, cidade de 50 mil habitantes, 30 km de Marília SP, casada e ali fincou raízes, nasceram filhos e vive até hoje.

A sua história muito me interessa, pois retrata algo dos mais instigantes. Como uma professora de cunho esquerdista aporta numa cidade pequena e é recebida por essa cidade, como se dá a chegada de um pensamento diferente do que pensa a elite local. Como era, é e continuará sendo vista. “Henrique, nessa eleição muitas pessoas se afastaram de mim, pelo meu posicionamento, se desligaram de minha amizade pelo facebook e só agora, passada a eleição, alguns tentam retomar”, me diz quando a convidei. Contou mais e isso, o carro chefe do bate papo, ela foi mãe de um dos cinco candidatos à prefeito na cidade, justamente o que se opunha a estrutura vigente, conservadora e elitista, sem vínculos com essa e propondo algo novo, vínculos e propostas novos. Enquanto ali morou, atuou politicamente, mas ainda não tinha uma inserção de tentar substituir o que estava no poder, era tolerada, permitiam sem grandes arroubos, tida até como algo possível, um diálogo ainda tolerável. Mas seu filho e ela junto ousaram propor algo diferente, levar a cidade para outros destinos e isso incomodou demais da conta.

A história desse incômodo é a que quero contar, pois ela não ocorreu somente em Paraguaçu Paulista. Contando a história da Angela estarei também contando a de tantas outras, pois é mais do que sabido que, o que lá aconteceu, se repete em muitas outras localidades país afora. Em cada cidade – e nas menores isso é muito evidente -, o bicho pega e feio, de forma violenta, coercitiva e beirando as raias de cidades como a ficcional Macondo, onde vivia a família Buendia da obra imortal, Cem Anos de Solidão, do Gabriel Garcia Marquez. Essas cidades existem de fato, pois as histórias se repetem e o que ocorre em suas entranhas, o trabalho feito para a permanência do status quo vigente é algo mais que surreal. O ocorrido nesta eleição em Paraguaçu Paulista é uma pequena amostragem, cruel e insana e dando voz a ela, pois não encontrando ressonância por lá, quando tomei conhecimento da história, tive a certeza, quero conta-la. E cá estamos, eu e ela nesta conversa reveladora, instigante e emocionante, com ricos detalhes de como a coisa ferve demais da conta pelas entranhas deste país.

Eu junto isso tudo com a bela história da Angela, pois ela ousa demais da conta. Ousada, extrovertida, irreverente e criativa. Possui por lá um grupo só seu, gente que com ela convive e tentam ao seu modo ir modificando algo na estrutura da cidade. Ela é poeta, já tendo participado de vários livros de coletâneas e está com um no prelo, prontinho pra explodir e ganhar o mundo, o “Mulheres Desarrependidas”. Um livro com um título deste merece uma explicação, um detalhamento. A junção de tudo o que produziu está minuciosamente contado através de sua poesia e isso também ela nos conta. Fala também do filho candidato e do marido, radialista esportivo na cidade, cinco mandatos como vereador, fundador do antigo MDB por lá e de suas experiências na cidade. O bate papo será todo recheado de boas histórias. Conto uma só para apimentar o interesse para que assistam. Um padre católico da cidade, peruano de nascimento, tinha envolvimento com o grupo guerrilheiro de seu país, o Sendero Luminoso e atuava nas paróquias da cidade. Fazia e acontecia no lado social e é claro, foi denunciado ao bispo de Assis que o destituiu. Zanirato e outros tantos fizeram uma carreata até Assis, defronte o bispado, o que não resulta na volta do padre, mas demonstra algo do que pode ir sendo feito para não tornar a vida de ninguém em algo monótono. Tem outra, dentre tantas, a de um bairro popular que se chamava Feijão Queimado, numa denominação que ela vai explicar e por causa da atuação dela e de um grupo social da cidade, após intensa luta de conscientização junto à comunidade e ao poder público local, conseguiram mudar o nome para Nova Paraguaçu.

Enfim, tudo faz parte da história, da sua história e trajetória de vida, desta professora militante, tendo muitos relatos também dos tempos quando esteve na linha de frente da Apeoesp, o sindicato dos professores da escola pública estadual. Poucos em Bauru a conhecem, mas ao tomar conhecimento de sua história, se reconhecerão nela e no seu relato, pois a mesma luta empreendida ali o é aqui e acolá. Recolhi de minhas leituras ontem, algo a merecer sua colocação junto a essa apresentação: “A elite brasileira parece viver em um mundo de fantasia. Quer a continuidade do projeto bolsonarista neoliberal, antipopular e antiesquerda, mas sem Bolsonaro. (...) O PT sofreu um ataque sem precedentes, foi vítima de uma articulação política, empresarial, judicial e midiática que pretendia sufoca-lo”. Junto isso na história que estarei contando.

Essa história é dessas necessitando, clamando ser contada, descrita e destrinchada em seus detalhes, pois é reveladora. A podridão dos fake-news se dá de variadas formas e no relato um deles, a demonstração da perdição se espalhando com o vento país afora. Muito já se ouviu sobre folhetos apócrifos que circulam nas vésperas de eleições, denegrindo a vida de opositores, tudo para arrebanhar votos de última hora e isso se repetiu mais uma vez, desta feita em Paraguaçu. Na véspera do pleito, acusações infundadas, histórias de arrepiar não só do jovem candidato, mas de sua mãe – no caso Angela – e de toda a família, os que ousaram enfrentar pelo voto o tradicional, o instituído por todo o sempre nestes lugares. “O que vocês pensam que são, não possuem um gato pra puxar pro rabo. Querem o que?”, lhe foi dito assim na lata na campanha. Angela é corajosa, pois querendo contar esse algo mais, buscou acolhida mas não encontra espaço na mídia local, na rádio, jornal impresso semanal e mesmo numa TV, que já lhe entrevistou no passado, mas não sobre esse assunto.

Angela sabe que, o neoliberalismo brasileiro consegue ser pior do que o da matriz, no caso o dos EUA, pois é mais doutrinário, resistente à mudança. Aqui as mudanças ocorrem muito mais lentamente, que o diga o país voltando para traz com Bolsonaro. Eu e ela sabemos que o momento atual reflete o esgotamento de uma era, resquícios obscurantistas bem presentes, como o racismo, homofobia e autoritarismo. Mudanças por aqui só mesmo a fórceps, pois quem detém o poder só o larga sob pressão ou algo pouco usual na política nacional, pela transformação e mudança de rumos na estrutura de poder vigente. O Lado B é exatamente isso, dar oportunidade a quem faz e produz histórias pelas vertentes das brechas disponíveis. Cá estou, um dos tais Historiadores das Insignificâncias, tentando ao seu modo e jeito mostrar e contar a história por outra vertente.

Ao final uma só consideração: Perceberam que não fiz questão de identificar a coligação partidária pela qual o filho disputou a eleição, nem os nomes das pessoas, pois - disse isso a ela -, isso pouco importa. Importa e muito tomar conhecimento da história, de como se dá, de fato e de direito, muitas histórias eleitorais pelos mais diferentes rincões deste país, todas com algo muito parecido. Essa a intenção do registro.


2 comentários:

Marcos disse...

É, não importa mesmo falar o partido e coligação. Porque se falar que é o Avante coligado com o PROS, o texto vira uma piada completa.

A "esquerda" de Paraguaçu a Bauru(que agora vota no Raul) depois não sabe o porque de pavimentar caminhos para novos Bolsonaros e ver igrejas ocupando os espaços vazios na política deixados pelos partidos e movimento sindical.

A "esquerda" que também é moralista e conservadora não percebe que no espectro político está muito, mas muito mais próxima do que diz combater do que do socialismo, aliás, nem sabe mais o que vem a ser socialismo.

Camarada Insurgente Marcos

Anônimo disse...

Henrique
Ela não te contou nem a metade do que aqui aconteceu.
Foi algo mais do que lamentável.
Uma perseguição que nunca havíamos visto.
Ela foi petista, seu filho teve uma campanha apoiando grupos comunitários e de identidade, visitava os bairros pobres e foi recebido de forma diferente do jeito como os outros fizeram. Só isso, por ousar propor estar ao lado destes sofreram bastante com muita mentira.
te agradeço por tê-la ouvido.
Tem muito mais coisa. Aqui a coisa foi realmente feia.
Se pudesse te escrever no reservado, te contaria mais coisas.
João Paulo