sexta-feira, 14 de janeiro de 2022

RETRATOS DE BAURU (260)


ALMIR RIBEIRO (1960/2022) – DEPOIMENTOS
- “Almir Ribeiro foi um dos melhores da minha geração. Com uma fina e irretocável ironia "desafinava o coro dos contentes"; com uma inteligência privilegiada encontrava soluções onde muitos já não viam caminho; com uma aparente frieza, era o exemplo maior de solidariedade e coerência. Conheci Almir ainda na década de 80 quando comecei, timidamente, a participar das reuniões do PT. Embora nossa diferença de idade seja pequena, ele já era um militante respeitado e radical e eu apenas um novato sonhador e reformista. Ficamos amigos aos poucos e juntos participamos da heroica campanha eleitoral de 1988, ele como candidato a vice prefeito e eu vereador. Os embates dentro e fora do partido nos aproximou, não somente na política, mas também pelas afinidades intelectuais, principalmente culturais. Com seu imenso conhecimento em história, música, cinema, entre tantas outras, me abriu caminhos e descobertas. Deixou de ser apenas um amigo para também ser um farol a iluminar meus passos políticos e intelectuais. Com ele conheci a obra literária de Italo Calvino e filmes como "O baile" de Ettore Scola. Nos últimos anos, embora afastado da militância partidária, jamais deixou de participar de todas as atividades políticas de rua que foram organizadas, ofertando um alento para velhos e novos militantes. Sua partida, assim como a do camarada Roque Ferreira, amigo em comum, nos deixa meio órfão, sem horizonte, com a preocupação de que de fato eles venceram. Finalizo com as palavras do camarada Tauan Matheus que muito me tocaram: “E lá se vai uma das últimas pessoas que me ligavam à algo que almeja ser ... lá se vai o último incansável e imprescindível combatente da classe trabalhadora. Não resta mais ninguém. Nem eu desejo ser mais nada.”. Almir, presente!”, advogado Arthur Monteiro Junior.

- “Há alguns dias, eu andava perplexo com as notícias sobre a saúde do Almir Ribeiro. Sabia que o quadro era muito delicado, mas imaginava que, por ele ser casca-grossa, derrotaria a visitante indesejada pelo cansaço. Hoje veio a notícia que acabou com nossos dias. Digo nós, por todos que tivemos o privilégio de tê-lo enquanto professor. Não foi qualquer professor. Foi alguém que nos abriu os olhos para a vida. Para as contradições da sociedade capitalista. Para nossos preconceitos. Para nossa visão mesquinha de mundo. Esta foto, que tomo emprestada de seu filho Henrique, conta muito dele: aquele sorriso sarcástico nos cantos dos lábios, os olhos meio espremidos, com um ar jocoso, sempre pronto a soltar uma tirada demolidora. Quanta falta vai fazer seu senso de humor, seu azedume, sua crítica ferina, sua luta... Na sala de aula, nos tratava como iguais, algo difícil de se ver, mesmo hoje, em nossas escolas. Ele nos mostrou livros, músicas, filmes. Algum tempo atrás, ele postou algo sobre o filme Radio Flyer. Então, lembrei que ele tinha nos mostrado esse filme durante uma aula. Almir achou engraçado e respondeu que estava tentando se recordar da justificativa que ele tinha usado para mostrar um filme daqueles a seus alunos do ensino médio. E precisava de justificativa? Na certa, ele apenas quis compartilhar conosco algo que o fez emocionar. Sim, porque ele era emotivo. Era inusitado ver aquele poço de ironias contando o modo com brincava com a filha Marina. Ou das horas que se dedicava ao seu jardim na frente de casa, ao lado do filho Henrique. Nunca perdeu a ternura. Nem o sarcasmo e a inteligência aguçada. Nem a disposição para lutar pelo socialismo. Neste dia tão sombrio, cheguei a pensar em escrever algo como: “O PT é a única alternativa para a classe trabalhadora no Brasil”, na esperança de que Almir viesse esculhambar comigo e me chamar de reformista. Mas ele não virá. Hoje, ficamos um pouco mais órfãos”, jornalista Rodrigo Ferrari.

- “Adeus amigo culto! Sinto sua falta. Homem inteligentíssimo, crítico mordaz, de humor ácido, típico dos inteligentes. Um homem culto, letrado, um professor para todos os que o conheceram. Acompanhava suas postagens. Não o conheci pessoalmente, mas os diálogos que mantivemos ao longo da nossa curta amizade via facebook foram suficientes para fomentar a admiração que vou guardar no coração. Era, pra mim, a tradução do " endurecer sem perder a ternura" sendo que sua forma de endurecer foi seu ceticismo, sua ironia sarcástica que acompanhou até seu último post . Dava para ver, nas entrelinhas de suas críticas, nos poemas de domingo, nas saudades enviesadas de Olímpia, mas referências amorosas aos filhos, quão grande era seu coração. Almir, como eu gostaria de te lo conhecido melhor, fico imaginando como seria a sua voz. Tenho certeza de que passaria algumas horas numa mesa de buteco, diante de uma cerveja gelada, dividindo sua companhia com a Tatiana Calmon Karnaval , quiçá o Henrique Perazzi de Aquino e a Ana , escutando sua análise crítica, essa metralhadora giratória que não poupava ninguém, suas histórias de Olímpia. Seu orgulho dos filhos, a saudade da filha... Sei que você era cético com relação à espiritualidade, e por respeito não vou enveredar por aí. Creio que sua existência ficará marcada no coração de muitos, mesmo naqueles por quem você lutava e que não tiveram a capacidade de enxergar que sua luta era coletiva, tamanha a miopia da atualidade. Enfim, Adeus Amigo Culto e Não Oculto, nosso tempo foi curto, e o mundo se torna cada dia mais estranho. O sol, amanhã, levantará novamente sem nos pedir licença, e seguiremos nossa caminhada levando a saudade no coração. Valeu, Almir, ter te conhecido, mesmo tão pouco e por tão pouco tempo, eu o tinha como um amigo, palavra que não me é vã. Vá em paz!”, Márcia Nuriah.

- “- Bom dia, Almir! Como você está... Bom, isto não se pergunta por estes dias.
- Não, eu estou ótimo. Vivemos nossos melhores dias.
- Como assim Almir "melhores dias"? Estamos em pandemia, Bolsonaro no governo, esquerda perdida... Eu acho que vivemos os piores dias.
- É porque você está olhando para o passado, eu estou olhando para o futuro, por isto sei que estamos vivendo nossos melhores dias.
Assim era o Almir, de (mau)humor e inteligência inigualável. E tinha razão ”, Marcos Chagas, da Apeoesp.

- “Vai faltar/ Vai faltar nas nossas fileiras,/ Vai faltar nos nossos debates,/ Vai faltar nas ruas,/ Vai faltar nas poesias,/ Vai faltar nos nossos silêncios/ De hoje.../ Almir, você vai faltar/ porque faz falta.../ Pessoas como você: / faz falta.../ Mas estará tão presente quanto sua incansável presença e convicção de que só a luta permanente, sem reformas, sem eleições, que muda realmente as nossas vidas!/ Obrigada pelos ensinamentos, conversas, dicas, sugestões, solidariedade e cumplicidade... / Hoje estamos mais tristes. Você vai faltar!”, Franci Leme.

- “Eu era bem jovem. A professora Saletinha, que de antropologia e vida entende tudo, falou em uma aula que um tal de Almir achava o seguinte: "pode ser até que Deus exista, mas eu tenho outras coisas para me preocupar agora". A aula estava acontecendo nos jardins do Sagrado Coração, a faculdade que já foi Fafil, Fasc, USC e nem sei que nome chamar hoje. Me interessei.
Um dia, nos anos 80, passeando pela Batista, em Bauru, encontrei o professor Odil José de Oliveira Filho, que trabalhava na livraria da Tilibra. Odil, grande poeta, falou algo como: tô saindo da livraria, mas vai entrar um cara melhor, o Almir. Era a segunda vez que ouvia falar bem de um tal de Almir.
Até que um dia, sei lá como e quando, me vi na rua Sete de Setembro, num predinho perto do BTC e conheci pessoalmente o tal de Almir, que ganhou um "sobrenome". Era o Almir da Bia. Acho que eu estava com o Serginho Ribeiro e o Zé Vinagre. Depois que a gente passa dos 30, esquecemos uma porção de coisas. Ou damos um jeito de esquecer.
Tempos depois, Almir, que agora já era Ribeiro, me indicava livros, falava suas ideias, sua visão de mundo: trotskista. Eu, igual o Arthur Monteiro, tinha quase a mesma idade que Almir. Mas o camarada era bem mais experiente, com posições firmes, muito conteúdo. Parecia que tinha uns dez anos a mais.
Nada disso. Almir se enfiava em livros. Cara inteligente, dono de ótimas ironias. Um pensador. Mais que isso: um cara preocupado com um mundo melhor, defendendo sempre aquele que fosse o oprimido. Resumindo, o cara era foda. Perdia o amigo, mas não perdia o posicionamento político.
Com isso, Almir nunca perdeu um amigo. Até Roque Ferreira, que era tal qual Almir, tinha posições políticas contrárias. Porém, todos sempre com o mesmo ideal: combater o fascismo e defender o oprimido.
E agora estamos aqui, pasmos, tristes. Não haverá o bom dia aos amigos cultos e ocultos. Aquele "parabéns" no dia do aniversário, a partir de hoje, não acontecerá. E hoje é o meu aniversário. Almir foi embora hoje.
Me visitou em Santa Maria da Serra. Do nada. Estava passeando com o filho, Henrique, que vai ser um dos maiores juristas desse Brasil. Almir andava orgulhoso: Henrique tá nas Arcadas. Largo de São Francisco. Outro dia mesmo eu passei lá em frente e lembrei do Almir e do Henrique.
Mas não é dia de despedida. É dia de amigos cultos e ocultos. É dia de combinar que a luta não acaba aqui. Os ensinamentos, a amizade e as preocupações de Almir precisam ser uma de nossas bandeiras. Almir: presente!”, professor Reginaldo Tech.

- “Morreu meu amigo Almir Ribeiro. Mais uma vítima do Genocida. Transcrevo abaixo um poema que fiz na morte de outro amigo querido. Tudo o que se possa dizer nessa hora é muito difícil, porque nada substituirá a presença de nossos queridos. Fique o poema como uma homenagem. É sim por advogada sorte nossa passagem pelas Horas ao lado do Amigo que nos acolheu e deu-nos seus ouvidos. É pelo diapasão de Sua voz, que nenhum canário imita, que por momentos esquecemos a derradeira escala de nossa humana condição. É pelo constitutivo raciocínio Dele que nos tornamos sábios para entre nós e mais não importa, porque sentimos a rosa duradoura, as três estrelas retilíneas e os batimentos que vêm do vácuo primordial. É por agosto e os demais dias inacabados que devemos honrar o Amigo. Não deixarmos que a pequena Memória de nossa areia vida apague Suas pegadas quando juntos caminhamos, sem nenhum propósito além da mútua Afeição”, professor Geraldo Bérgamo

- “O Almir sempre me impressionou. Seja com seu humor, seu sarcasmo, sua inteligência ou sua sensibilidade. Sempre conversávamos muito durante os atos e manifestações.No primeiro ato Fora Bolsonaro de 2021 ele me viu com a camisa do PCB e perguntou:
- Ué? Como assim?
Ficamos conversando por uns 20 minutos sobre isso. Obrigado Almir Ribeiro, por tanto! Se pudesse defini-lo, utilizaria a célebre frase de Guevara: “Hay que endurecerse, pero sin perder la ternura jamás” Almir Ribeiro, PRESENTE”, Leandro Siqueira.

- “Hoje a noite nos deixa Almir Ribeiro, grande e imprescindível militante Trotskista. Um homem genial e coerente, considerado por muitos um dos maiores intelectuais de Bauru. Almir Foi meu primeiro professor Socialista, ele morava perto da escola, chegava de chinelo e cigarro no bolso da camisa, dominava seu conteúdo e acima de tudo era crítico a ele, uma postura segura de suas posições e extremamente embasado. Minhas primeiras aulas no estado foram entregues por ele, por coincidência ou não. Mas jornadas de julho em 2013 quando cercamos a câmara, ele me disse, que devíamos "meter o pé na porta e tacar fogo em tudo", ele falava sério, mas nós recuamos. Ao longo desses anos ele veio sempre nos chamando atenção, e se encontrando com nós em cada protesto, sem arredar o pé. Um ancião, de uma geração de militantes que formou gigantes como seu companheiro e também grande mestre Roque Ferreira. Almir sempre chamou minha atenção para meus erros de português aqui no face, até hoje eu resisto com eles...As vezes ia consultá-lo, assim que estávamos fundando a CAL, eu fui até ele, e ele me disse, e bateu na tecla, de que " a prática tem que estar alinhada com teoria e a teoria tem que estar lado a lado com a prática, só assim formaríamos militantes Revolucionários". No começo do ano passado quando a CAL já estava caminhando, ele me chamou para almoçar com sua família, e lá ele chamou mais vezes minha atenção para alguns aspectos, eu estava preocupado com alguns setores e ele me deu mais algumas orientações, que pretendo levar comigo para sempre. Almir estava acostumado ser um amigo briguento, ele brigava e debatia com todos amigos, ele lutou muito, e seguiu coerente até seus últimos momentos.Essa luz que esses anciões vãos nos deixando, estes que pavimentaram o caminho para nós, tem que ser honrada por nós que viemos depois. O que nos deixa a vida de um homem que lutou a vida inteira acreditando em um sonho? Um homem que lutou até seus últimos momentos com coerência por seus ideias? Quantos que estavam do lado dele e do Roque foram cedendo, abandonando suas convicções, desacreditando no mundo, perdendo o brilho por um sonho por um futuro melhor? Quantos mais vão lutar a vida inteira por um ideal, e dedicar ela por isso, e nos deixar sem ver a sociedade pelo qual lutaram a vida toda? Roque e Almir partem em meio a pandemia, em meio ao governo Bolsonaro, em meio a maior crise econômica e climática que já vimos, com seus sonhos tão distantes. Mas que todos que vivem até o final lutando por suas convicções socialistas e justas saibam, que eles nós fortalece. Muitos da minha geração vão viver até o final de suas vidas lutando, não sabemos se veremos a aurora do socialismo, mas sem sombra de dúvida no mínimo manteremos a esperança acesa, assim como estes grandes mestres manterão para nós. Eu não aceito nada menos do que revolução, e lutaremos arduamente por isso. Para você Almir, Gratidão, que nos que ficamos honremos e não se vendemos em memória a sua luta. Ao amigo culto e oculto”, Matheus Versatti.

- “QUE MERDA, QUE MERDA, QUE MERDA! - Almir Ribeiro, 62, amigo desde 1977, que veio de Olímpia para Bauru trabalhar e estudar, militante da Convergência Socialista e por algum tempo do PSTU, morreu nesta noite. Era duro, leal, corajoso e dono de vasta cultura e humor implacável. Tinha uma cardiopatia que mantinha controlada. Uma súbita arritmia o levou ao hospital, há alguns dias. Logo, foi diagnosticado com covid e entubado. Não resistiu. Vá em paz, camarada, vá em paz. Seguiremos na batalha com você na memória...”, professor Gilberto Maringoni.

- “Eu caminhei entre gigantes... Eu estive com seres de visão de tão longo alcance que enxergavam além da curva do rio. Eu estive com pessoas que conseguiam ler as entrelinhas e até mesmo entender o que não estava escrito. Em suas veias corriam a solidariedade em sua mais rubra cor. Eu conheci vários dos imprescindíveis do poema de Brecht. O prof. Almir Ribeiro era um deles... Um abraço cheio de saudades, vá em paz, companheiro...”, Silvio Durante.

ALGO FINAL DESTE HPA
– Queria também poder escrever algo sobre o Almir, mas não consegui. Ando um tanto triste, desanimado por estes dias e sua morte, com a mesma idade que a minha, acelerou esse processo. Juntei texto de conhecidos amigos, todos sentidos relatos e preenchem muito bem o sentimento e algo do que também penso e sinto neste momento.

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