domingo, 2 de setembro de 2018

MEMÓRIA ORAL (229)


COM MÁQUININHA DE CARTÃO E PENSAMENTOS DE ESQUERDA, EIS O LIVREIRO DA FEIRA DO LARGO DA ORDEM


                        Escrito em homenagem ao Carioca da Banca, Feira do Rolo - Bauru SP.


Visitar a cidade que for e nela tendo uma feira ao estilo Mercado das Pulgas, impossível não ir conhecê-la pessoalmente. Assim se dá a cada retorno à Curitiba e com a famosa feira do Largo da Ordem. Ali uma miscelânea, conjunto de artesãos de toda espécie. A variedade é imensa e tudo tem início bem lá embaixo, passa pelo largo propriamente dito, segue diante passando pela fonte do “Cavalo Babão” e toma conta dessa praça em todos os seus espaços vazios. Uma enormidade de variedade. Hoje tinha além do oferecido nas barracas, música em variadas manifestações e gêneros. O curitibano, mas principalmente os turistas batem cartão naquele quadrilátero e se esbaldam com o ali oferecido. Seus frequentadores brincam: “Ir a Roma e não ver o papa é quase a mesma coisa que vir à Curitiba e não passear pela feira do Largo da Ordem”.

A feira, como se vê, é isso tudo e muito mais. Escolho um dos seus personagens e desta forma reverencio tudo o que ali é possibilitado em matéria de arte e cultura. Bem no meio do largo central, o próprio Largo da Ordem, ladeado de igrejas, exposições variadas e lugares com séculos de existência, do lado do bebedouro de animais, mantido bem no centro como um marco do lugar está localizado numa montagem em forma de quadrado, sem cobertura e com bancas de madeira. É o livreiro mais famoso do lugar, o Ronaldo Livreiro, que gosta de ser lembrado somente pelo primeiro nome ou pelo de seu aparato ali disponibilizado a cada domingo, denominado de Folha Diferenciada, também um site de notícias e livraria (folhadiferenciada.blogspot.com.br).


Aquele aparato de livros, a maioria novos e conseguidos nas diversas pontas de estoque, Ronaldo traz todo domingo para o local e os espalha, quando consegue, separando-os por temas. Um sujeito de bem com a vida e com posicionamentos firmes, como se vê estampado na camiseta que usava neste domingo, “A casa-grande surta quando a senzala aprende a ler”. Brinco com ele: “Ufa! Que bom, enfim encontro um livreiro de esquerda”. Ele, ri e percebe que diante dele outro da mesma linhagem: “Posso fazer uma brincadeira contigo?”. Digo que sim e ele desfere: “O Brasil de hoje, quer queiram quer não só possui dois candidatos a presidente, Lula e Haddad”. Sim, concordo e a partir daí divagamos de tantos outros assuntos. Na sequência me espanta quando diz: “Você não sabe, mas prefiro Moro ao advogado Zantin”. “Mas como?”, lhe pergunto. Sempre rindo me responde: “Ele mantendo Lula preso agora, o candidato será Haddad e este será eleito, deixando Lula livre para atuar em toda América Latina, mais que um embaixador do Brasil que queremos e precisamos”.

Impossível não falar de política por esses dias, ainda mais com um sujeito tão antenado e vendedor de livros. Barbudo, chapéu quase da cor da barba, ele é conhecido por todos e nesta manhã chuvosa se desdobra para colocar e tirar um imenso plástico transparente sobre a preciosa mercadoria. “Livro não tem liga com água, ainda mais se for de chuva. Tenho que ficar atento e no começo de uma mera garoa já cubro logo e aparecem até amigos para ajudar”, me diz. Isso mesmo, os amigos o rodeiam e ele navega na turbulência da feira com muita maestria e sapiência. As ofertas são muitas e algo da maior importância é vê-lo discorrendo sobre a maioria das obras expostas. “Faz parte do meu negócio. Imagina eu revender algo e não conhecer nada a respeito? Passaria descrédito”. Um cliente levou um Plinio Marcos, outro um Ruy Castro, Saramago, Clarice Lispector e assim por diante.


Nenhuma feira de antiguidade, em qualquer do mundo, não é um lugar de valia reconhecida sem no meio de tudo ter lá um livreiro a revender essas preciosidades, livros. Ronaldo está encravado ali bem no coração da mais famosa feira de Curitiba, já possui algumas décadas de ininterrupta frequência e pelo visto não possui nenhuma intenção de abandonar o seu meio de vida. “Estar no meio desse burburinho e além de vender livros, conversar com quem gosta de ler, bater papo, ampliar conhecimentos é para lá de auspicioso”. Sim, ele na hora do cliente pagar a conta possui algo a diferenciar de outros tantos em feiras variadas. De uns tempos para cá, ajudado por um dileto amigo está fazendo uso de uma maquininha de cartão e qualquer valor, o cliente escolhe, pode ser na forma de débito ou crédito. É a forma dita por ele como a de ter ingressado na modernidade. No mais, continua tudo como dantes e apostando em dias melhores para o país, consequentemente para os adeptos da boa leitura.

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