terça-feira, 12 de maio de 2020

COMENTÁRIO QUALQUER (202)


OS PERDIDOS E SEM OPÇÃO CONTINUAM PERAMBULANDO PELA AÍ - VOLTANDO NO TEMPO E ADIANTANDO O RELÓGIO
Ontem, enquanto passava o aspirador na casa - uma de minha tarefas durante a pandemia -, fiquei relembrando algo já quase esquecido na memória. Durante muito tempo isso não me saiu da memória, um homem, creio que por volta de uns quarenta e poucos anos, precocemente envelhecido, bem vestido, calça social, sapato puído, mas bem engraxado, camisa de manga comprida e bem passada. Ele ali na minha frente, era creio eu, por volta de umas 14h e seu semblante denotava cansaço. Estávamos num botequim, creio que estava terminando meu almoço, num rua no centro de Curitiba, ainda nos tempos quando viajava muito para vender minhas chancelas. De onde eu comia e bebia o fitava, pois me chamou a atenção desde a entrada no recinto e agora, ainda mais, pois hesitava entre alguns salgados na vitrine. Ele perguntava o preço de cada um deles, o quibe, o pastel, a coxinha, o rissoles, o pedaço de pizza. Demorou para se decidir e o fez pelo pedaço de pizza, que tomou com um suco desses de máquinas, servido num copo americano. Demorou para comer, o fez com zelo, mastigou bastante e ao terminar, tirou do bolso um pequeno amontoado de notas amarfanhadas, contou, pagou a conta e se foi na tarde curitibana. Eu terminei o meu almoço, bebi minha cerveja e estava ainda pensando nele, quando ao sair o vi sentado num banco na praça no quarteirão seguinte. A cena, essa não me sai mais da cabeça, estava com a cabeça abaixada, pernas um tanto abertas, como desolado, sem rumo, prumo, sentado à espera não se sabe do que, talvez alguma inspiração para poder pensar no que fazer dali por diante.

Eu não o abordei. Segui meu caminho, mas antes de seguir adiante, indo visitar clientes interessados nos que tinha a lhes oferecer, parei mais um pouco e fiquei a matutar, igualmente como o faço nesta manhã. Aquela é mais uma típica cena de humilhação e vergonha, repetida milhares de vezes nas grandes cidades. Basta prestar a atenção no que se passa ao seu redor para se deparar com tantos outros fragrantes cotidianos de doer a alma. Rotina neste país, que já tentou um dia ser nação, mas hoje voltou à sua rotina de ser o que sempre foi, um mero quintal de experimentações, provações e bestialidade de toda natureza. Aquele homem é um dos milhares de prisioneiros políticos deste país, vivendo o seu desencanto a cada saída pelas ruas e o fazendo para buscar não se sabe aonde algo que o estimule a continuar na lida, tentando se inserir no contexto, mas totalmente fora dele, marginalizado, oprimido, sem opções, renegado e desprezado. Um inútil aos olhos de muitos, desprezível e descartável.

Nas leituras que ando fazendo por esses tempos, muitas histórias como a deste senhor, impossível algo assim não me voltar à memória. São tantas as histórias muito parecidas: a garota que saiu de casa muito cedo pensando em vencer na cidade grande, mas acabou tendo que se prostituir; o velhinho que vive de favor na casa da nora e se cala diante de tudo o que vê ali acontecendo; o desempregado no avanço da idade e sem nenhuma opção do que fazer de sua vida dali por diante; o aidético que não encontra hospital para se medicar e ser tratado; o cara que não tendo outra opção se põe a guardar os carros estacionados enquanto fiéis vão e voltam na igreja; a comerciária que trabalhou, foi despedida e espera por anos a reparação pelo tempo trabalhado e postergado pelo ex-patrão; os que hoje se humilham nas filas em busca desse auxílio emergencial e o fazem diante de todos os riscos, sem outra opção no momento. São todos, prisioneiros políticos, reféns do sistema.

A única saída para esses todos é ganhar na mega-sena, faturar na loteria, assim deixarão essa vida dura e darão início a algo, onde imaginam, possam desfrutar das benesses desta vida. Falo de loteria, pois também outro dia, outra história, um senhor me dizia, quase sem dinheiro nos bolsos, dos motivos de continuar jogando toda semana, duas vezes por semana. “Deixo de comer, vou comer ali no restaurante de R$ 1 real, mas não deixo de jogar, pois essa minha única esperança de mudar de vida. Se perder essa esperança que tenho, a de ficar milionário, nada mais me restará”. Ouvi aquilo como um soco no estômago. Não existe outra saída para muitos, a loteria como a única e última alternativa. Não confiam em mais nada, cada vez menos no mundo criado e mantido pelos políticos, mas o que não sabe e talvez se o souber lhe tire a última esperança é a de que nem a loteria é assim tão confiável.

Eu me importo e estou muito atento a esses tantos pelas ruas. São todos, sem o saber, vítimas de um poder invisível, avassalador, condenados a viver como mortos-vivos, zumbis ofendidos e humilhados. Eles estão nas ruas, perdidos nos bancos das praças, perambulando pelas sarjetas e enquanto não se forem definitivamente, não se suicidarem, o mercado existente para eles é o dos restos desprezados pelos que ainda possuem algo, dos remédios que não curam, das roupas que encolhem, dos dízimos para os pastores vigaristas, dos casebres indignos, dos prazeres da televisão, das novelas, do futebol, dos programas de auditório, dos fake-news dos salvadores da pátria.

Estamos todos numa espiral de enlouquecimento quase sem volta. Tanto os nela envolvidos, como os tentando à sua volta, buscar soluções para esse mundo na beirada do precipício. É muito louco tentar refletir sobre isso dentro de uma pandemia, essa sendo devastada, consumida e dizimada pelos que apostam no enfrentamento do vírus de peito aberto, com a cara e a coragem, num jogo triste de vida e morte.

Obs.: Esse escrito precisa ser revisto, melhorado, melhor condensado, pois foi produzido ao estilo vapt-vupt, no calor do pensamento, sem tempo de revisão, algo que, penso eu, poderei ir refazendo ao longo dos dias. Nunca o consegui fazer a contento, mas não posso deixar de, ao menos, tentar. E continuo tentando o tempo todo, enquanto viver.

E DIZIAM QUE DE HOJE A NOITE ELE NÃO ESCAPARIA...
EU JÁ NÃO ACREDITO EM MAIS NADA...
Não nos esqueçamos, continuamos dentro da plena vigência de um golpe de estado, iniciado em 2016, com a queda da ex-presidenta Dilma. De lá para cá, um imenso CONLUIO em pleno funcionamento, como Jucá vaticinou, "com Supremo, com tudo". Desembocamos em Bolsonaro e nisso tudo que vemos hoje. Por sorte, os que nele votaram e caíram na labia e artimanhas da época, hoje estão no crescente grupo dos descontentes, um só aumentando. Já nas atitudes das ditas instituições, mesmo diante de tantas envidências, uma atrás de outra, pouca coisa de concreto. A cada semana um novo escândalo, um pior que o outro, com denúncia mais escabrosa, algo para derrubar qualquer presidente se estivessemos num regime democrático e no pleno estado de Direito. Nem uma coisa, nem outra. Estado de exceção declarado, atuando de forma disfarçada, tentando transparecer um "por aqui, tudo bem", mas numa breve olhadinha por debaixo deste tapete, algo nunca visto na história dessa República. Clima de "tudo dominado" tomando conta e se alastrando, pouca vergonha institucionalziada. Pelo que já vi de outros depoimentos, outros escândalos, quando se dizia, "dessa vez ele não escapa", o que se viu na sequência, passados poucos dias, tudo voltou à normalidade, ops, digo, anormalidade e foi como nada tivesse ocorrido.
Existe uma amarração muito consistente a entrelaçar o Senhor Inominável no poder. Elas ainda permanecem quase intocáveis, mesmo com as baixas já ocorridas. Li, ouvi e assisti aos noticiários desta noite e em todos, a comprovação, o presidente trocou os caras lá da Polícia Federal única e exclusivamente para proteger sua prole, toda comprometida com malversações. Disso, não existe a menor dúvida, mas como já vi coisas piores sendo feitas por esses hoje no desGoverno brasileiro, creio que, o que se viu hoje, representa só mais um capítulo no teatro de horror ainda em apresentação. Só acredito vendo. Nossas instituições erram há muito tempo. Desde quando permitiram a sacanagem com Dilma, a injusta e insana prisão de Lula, daí por diante, perdição total, descrédito no pé. Sem revolta popular, sem povo nas ruas, sem pressão exercida de forma consistente, por mim, tudo continuará como dantes. Adoraria estar errado, mas não acredito em mais nada. E por fim, não me venham dizer que, tirando o Bozo hoje, para lá na frente ver todo o esquema de mídia se movimentando em prol de Moro, seria salutar, pois entendo como troca de seis por meia dúzia. Tá faltando rua, gente, muita gente, multidão nas ruas, botando pra correr o fascismo e essa cambada toda. Nesse movimento eu quero ir junto.

3 comentários:

Garoeiro disse...

Parabéns!
Correto, verdadeiro, emocionante!
Escrever o que nos resta para resistir e sobreviver dignamente!
Salve, o Mafuá!
Ou, não?
Garoeiro

Mafuá do HPA disse...

Obrigado, meu caro, resistir e persistir é preciso.
Henrique - direto do Mafuá

Anônimo disse...

Sim. Também creio que jamais haverá felicidade completa para qualquer ser humano, enquanto outros seres humanos viverem na miséria, fome, abandono, desprezo, exclusão, indiferença, discriminação, dormindo ao relento em lugares sujos e perigosos, submetidos a todas as formas da violência que lhes são impostas. Quem escolhe viver assim? Há quem chame nossa sociedade de evoluída. Evoluída em quê, se não somos capazes de nos curar da ambição e do egoísmo que geram toda a miséria material e moral que assola o planeta e condena milhões de pessoas à degradação física e psicológica, à profunda tristeza e desesperança?? Incrível disso tudo é que, muitas vezes, em meio a esses desvalidos, há momentos em que o sorriso, a palavra, o olhar de um deles faz sentir que essa degradação também é minha, que o resto é tudo ilusão, que somos elos de uma mesma corrente. Sonho com um país e um mundo melhor, justo e pacífico, para todos, sem discriminação.
Heloísa Alves Ferreira Leal