sexta-feira, 8 de maio de 2020

BEIRA DE ESTRADA (122)


COMO ESTARÁ NA PANDEMIA AQUELE TIPO POPULAR DAS RUAS? ALGUNS A GENTE DESCOBRE, NOUTROS A DÚVIDA PERSISTE, RESISTE E DÓI
Escrevo de tantos, conheci tanta gente ao longo desses anos e agora, diante dessa pandemia ocupando todos nossos espaços, eis uma cruel dúvida: Por onde andará tal pessoa? Como ela se safou? Terá conseguido suplantar sua situação? Sonho constantemente com isso. Dias atrás um desses fez contato. Falo daquele artista de rua de Bauru, que até bem pouco tempo se travestia de Chaplin ou de estátua viva nas feiras e assim ganhava sua vida, o querido Marcílio. Trabalhou por aqui também como servente de pedreiro, mas há meses sumiu, nada. Pois bem, escrevi algumas vezes dele e acabamos amigos pela internet. “Boa noite amigo como está vc?’, ele me perguntou. Ufa! Que ótimo, sinal de que estava por aí. Da última vez que o vi estava morando perto daquela agência da Caixa, ali na entrada dos trilhos, começo da rua Virgílio Malta. Pergunto: “Por aqui tudo bem e contigo, ainda morando aqui em Bauru e ali perto dos trilhos? Conte as novidades...”. Ele me responde: “No momento estou nas gerais montando o meu kege que inclui um apiário. Estamos plantando frutíferas hortaliças sem agrotóxicos, conseguimos um pequeno sitio cravado quase dentro de uma reserva permanente. Eu, o caçador de mim, como diz Bituca, o ser humano não pode perder a sua honra e o que acontece com oitenta por cento de nos brasileiros”. Baita alívio. Gosto demais deste, na internet identificado como Marnasci Gerais.

Com outros tantos nem tudo ocorre assim tão facilmente e a dúvida persiste. Dias atrás, como já escrevi aqui, liguei para o Carioca, o da banca de livros e discos da Feira do Rolo. Ele, segue sem poder trabalhar nas feiras, mas está bem, trancado em casa e vivendo da venda de alguns de seus itens para a Estante Virtual. Faço isso regularmente e assim vou desvendando os caminhos traçados por alguns dos personagens de meus escritos. Meu baita amigo, o Adilson da Banca, de sobrenome Chamorro fechou a sua ali na Treze com a Primeiro de Agosto, mas me diz continuar na ativa, modestamente, pelos meios modernos, vendendo pelo aplicativo e juntando forças com os ganhos da esposa. “Está dando para se garantir por esses dias, mas nada como a atividade na rua”, me disse. Passo lá pelo Confiança da vila Falcão dias atrás e ao espiar na rua lateral, não vejo o Adélio, ex-juiz de futebol amador e policial linha dura, hoje vendedor de salames. Cadê ele? Será que está tudo bem com ele? Na mesma situação, outros tantos. Quem eu vi hoje numa escapulida para ir aos bancos foi o vendedor de cartelas desse famoso bingo, Jurandir Elias. Ele tinha ponto defronte o Banco do Brasil da praça Rui Barbosa e hoje, na entrada e saída, olho e nada. Cadê ele? Ao ligar o carro, desço pela rua Primeiro e o vejo subindo a rua, mascarado e numa conversa animada com outro cidadão. Ele continua com a jaqueta da venda das cartelas, ou seja, na lida.

Pensei também naquele vendedor de amendoim e ratinhos de esponja, um senhor barbudo, sempre envergando a camisa do Corinthians. Calado, colocava seus ratinhos numa marquise de banco ou mesmo na beirada de alguma calçada e ali ficava. Desse eu não tenho notícias, como também não vi mais a Morena da praça, aquela esbelta moça que ali fazia ponto, junto de outros e outras, misturando-se aos habituês do lugar. Saio do banco, estico o pescoço para ver se reconheço alguém dentre os tantos sentados por ali, mas nada, nenhum conhecido. Como será estão se virando desde o começo disso tudo? Outro que gostava muito de cruzar era o senhor que vendia mapas. Ele envelheceu e não mais viajava com a sacola cheia de mapas. Começo do ano, o fotografei na Batista, fisionomia cansada, sentado defronte o Cisne Calçados, depois nada mais e olha que ele gostava de rua. Será que tem se dado bem com o confinamento? Outro sumido é o Raquele que se vestia de palhaço e ficava vendendo doces e revistas infantis no sinal do cruzamento da Nações com a Nuno de Assis? Da última vez, descrevi uma batida policial dentro do supermercado Confiança Rodoviária, denunciado por um policial a paisana, que o achou suspeito. Foi revistado, humilhado, nada encontraram e se dizia desgostoso de Bauru. Vendia o valor exato para pagar sua pensão e não pernoitar na rua. Sumiu.

E assim são tantos outros. Dentre os catadores de reciclados do centro da cidade, dona Hilda, moradora lá do Fortunato Rocha Lima, ela sobe e desce a imensa ladeira, caminho de sua casa até o centro, juntando os papéis e retornando para casa já com a noite chegando. Com mais de 70 anos, nem gosto de imaginar em algo de pior para sua vida já cheia de atribulações. Ela sustenta toda uma família, fortaleza viva. Sei nada dela por esses dias. E aquele senhor que ficava na esquina da Primeiro de Agosto, ali na frente do bar do chinês distribuindo folhetinhos com os serviços de dentistas da região. Já com certa idade. Espiei hoje ao passar defronte o lugar, mas nada dele. Suas dificuldades devem ter aumentado muito, pois o que ganhava ali na rua ajudava em muito nas despesas de sua casa. São tantos. E o rapaz no cruzamento da Antonio Alves com a Rodrigues, um que me pediu uma camiseta do bloco carnavalesco do Tomate, a dei e ele não mais a tirava do corpo. Ele não estava lá hoje no seu lugar habitual. E o filho da Madê Correa, que ficava vendendo carvão na esquina na Quinze de novembro, perto de sua casa. Será que anda se cuidando e alguém cuidando dele? E aquela senhora que ficava nos sinais ali também na Quinze, com aparência lembrando nossas mães?

A maioria faz parte do cenário habitual do centro da cidade bauruense e na ausência, falta irreparável, diria, insubstituível. A cidade hoje, movimentada mesmo em plena pandemia, dia de pagamento bancário, quinto dia útil e, tomara estejam em lugares seguros, também se protegendo. Espero reencontrá-los a todos e todas. Claro que, os queria todos os tipos das ruas em situações melhores, dando a volta por cima e o que menos queria era reencontrá-los em pior situação do que a da última vez. Prometo que irei contando mais e mais algo deles todos, tão logo os reveja pela aí. Torço para que isso volte a ocorrer no mais curto espaço de tempo possível. Muita gente se preocupa com eles, eu um desses.


O PRESIDENTE PRESSIONA O STF PELA ABERTURA, ENQUANTO AUMENTA A QUANTIDADE DOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE DE BAURU CONTAMINADOS E AFASTADOS
No exato momento em que o presidente, o Senhor Inominável vai até o STF - Supremo Tribunal Federal, na companhia de empresários, claramente pressionando-o para decidir pela abertura de tudo, sem restrições, mesmo com o número de mortes no país tendo alcançado sua maior cifra, mais de 600 mortos por dia, fica claro outra evidência. Não existe nenhum plano salvador para a Economia brasileira, nada do lado governamental. A proposta é somente uma, forçar a abertura das portas. Garantir que as empresas, ali representadas por alguns expoentes empresários, tenham ajuda governamental, algo normal em tempos de pandemia, isso não existe. Assim caminha o país, insensível para o lado do ser humano, principalmente o do pobre que se infesta a olhos vistos, enquanto seu lado comercial, se mostra cada dia mais com seus olhos voltados somente para seus negócios e nada mais. Não queiram me dizer que fazem algum movimento para defender o trabalhador, pois não o fazem, ainda mais cientes de que, se esperassem mais, no máximo, um mês, talvez tivessemos em condições de voltar a abrir gradativamente. O Dia das Mães fala mais forte, enfim, seus cofres...

Reflito sobre isso e bato um longo papo com enfermeiro do Hospital da Unimed de Bauru. O conhecia assim de longe, pouco contato e ao saber que queria falar, ligo, me apresento e ele diz me conhecer, quer falar. Me diz que, só lá onde trabalha, dois profissionais de saúde, que trabalham tanto lá, como no Hospital Estadual estão internados, infectados pelo coronavírus. Informa algo mais, que 12 profissionais lá do Estadual estão afastados pelos mesmo motivo e se tratando em suas casas. E na cidade, num todo o número já chega a 40 profissionais afastados. Se isso não é assustador, me digam o que é? Não se faz necessário se estender muito. Não quiz entrar em detalhes, até para não possibilitar meios de identificá-lo. Seu sentimento é de receio, mas ciente de não poder parar e assim continua. Ao menos afirma, em ambos os lugares onde trabalha, o fazem em boas condições, com toda a segurança e artefatos para tal. Assim mesmo, com essa quantidade de gente infectada, uma certeza, o vírus circula, atravessa barreiras e meros panos fixados no rosto. 

Que essas informações sirvam de alerta para tudo o mais que está em curso. Junto as duas informações, a do Governo Federal desconsiderar as medidas de segurança e propor a flexibilização imediata e do outro lado, como anda a situação dos profissionais envolvidos com o atendimento aos doentes. Minha conclusão: continuo devidamente trancado, pisando na rua por algo estritamente necessário. Antes tívessemos um Governo que pensasse antes no seu povo e só depois, no que lhe dita as leis de mercado. Não temos, daí o salve-se quem puder presenciado hoje. Qual a pior morte, a de CPF ou CNPJ ?

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