terça-feira, 2 de outubro de 2018

FRASES DE UM LIVRO LIDO (132)


AMENIDADES MACHADIANAS E A APLICAÇÃO DA “TEORIA DO MEDALHÃO” – DEDICADO PARA ZÉ CANELLA
Meu dileto amigo Zé Canella lança uma ideia para sobrevivência de tudo e todos nessa insólita semana pré-eleitoral: “Nunca desafio nada e ninguém, e nem gosto de desafios, mas essa semana que antecede uma decisão do nosso futuro me aponta para dias de calúnias, mentiras, desrespeitos, ódio e intolerância aflorada. Por isso tomei uma decisão, ignorar tudo isso, e faço uma proposta (ou desafio!) para todas as pessoas desprovidas de ódio e intolerância, para que postemos todo dia algo (frases, textos, poesias, poemas ou pensamentos próprios!) ligadas ao amor, pois é o que mais precisamos ultimamente, e talvez a maneira mais eficaz de neutralizar esse veneno!”.

Na qualidade de fiel soldado/escudeiro dessa Infantaria da qual fazemos parte, eu também como desiludido, descontente, descompromissado em apoiar o capiroto e conhecido destrambelhado, cumpro a minha parte e venho hoje com algo que nada tem a ver com o pleito nos nossos calcanhares, talvez com o futuro e como seria o melhor procedimento para a navegação sem turbulência. Para um momento como esse, nada melhor que MACHADO DE ASSIS e o destrinchar de um dos seus mais saborosos contos, ‘A TEORIA DO MEDALHÃO’. Eis o que entendo dela, até para tentar compreender de fato o que venha a ser esse brasileiro botando as manguinhas de fora nesse momento, um que até então se achava oculto, calado, contido, reservado e agora, diante do momento, se arvora em expor tudo o que tinha guardado dentro do peito.

Na minha modesta opinião e seguindo o que o conto prescreve, o Brasil está desde muito tempo a serviço do MEDALHÃO. Resumindo: um pai chama o filho num canto e explica a ele que, chegando aos 21 anos, já tem idade para se tornar medalhão. Segundo ele, a idade correta para se tornar medalhão é por volta de 40 anos, mas é bem possível já se tornar um bom medalhão com a tenra idade de uns 25 anos. E qual a receita que o pai lhe passa? Jjamais tenha ideias próprias. Repita exaustivamente as ideias colhidas dos homens de bem. Repita e trabalhe sobre elas fugindo da imaginação e nunca buscando a solidão, porque a solidão é muito propícia para reflexão. A reflexão é sempre muito perigosa, porque dela pode vir uma ideia e não se deve ter ideias próprias. Fuja sistematicamente da imaginação. Use o vocabulário simples, tíbio, acanhado, sem toques de clarim. Isso é fundamental. Agrade a todos sistematicamente e terás grande repercussão e respeito geral. Use as locuções mais triviais, lugares comuns, mais nefandos.

Tento ser fiel ao que escreve Machado. Num certo momento o filho pergunta: Pai, e o riso, posso rir nessas situações? Sim, claro, mas fuja sempre da ironia. A ironia é a feição própria dos séquitos e desabusados. Seja a favor da modernidade, mas nunca a aplique, outro sábio conselho do pai para o filho. Recomendo muito a leitura para quem ainda não a fez. Fui reler por esses dias após assistir uma antiga entrevista do jornalista Mino Carta para o Roda Viva (quando ainda era palatável, em 04/12/2000), onde ele a cita com inolvidável sapiência o conto e daí, me fez ir buscar imediatamente o original. Reli de uma só sentada. A EDUSC aqui de Bauru (ainda existe?) publicou em formato de bolso uma primorosa edição para brinde entre estudantes.
Ri sozinho (rir pra não chorar), pois vi naquilo a saída para meus problemas futuros e de todos nós (não cobrarei nada pela dica dada). Não só publicaremos diariamente poemas de amor, como na prática, no dia a dia profissional, ou seremos todos bons, hábeis e atentos medalhões ou seremos tragados pelo que está por vir, ávidos por nos engolir sem dó e piedade. Felizmente a publicação já é de domínio público e pode ser lida abrindo esse link: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bv000232.pdf.

O mundo de hoje é bem propício para a procriação de medalhões. Se o capiroto vingar seu maléfico plano de nos governar, creio todos os ainda com espíritos libertos terão que aplicar pessoalmente a tal teoria, até como meio de sobrevivência e "salvação da lavoura". Sendo medalhão diminuiriam grandiosamente as possibilidades de perseguição. Vivemos um período moralmente medíocre, mas a coisa pode piorar. E nada como navegar assim mesmo, fechando os olhos, seguir adiante e tocar o barco. O fecho do conto é o que todos devemos fazer ao colocar nossas ainda livres cabeças sob os travesseiros: “Entras nos teus vinte e dois anos, meu peralta; estás definitivamente maior. Vamos dormir, que é tarde. Rumina bem o que te disse, meu filho. Guardadas as proporções, a conversa desta noite vale o Príncipe de Machiavelli. Vamos dormir”.

Vamos todos dormir, enquanto isso ainda nos é possível de forma tranquila e sem percalços. Quer mais amor que isso, meu caro Canella, salvar a própria pele virando medalhão (ou camaleão).

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