terça-feira, 18 de junho de 2019

MEMÓRIA ORAL (241)


RAUL LEVA LIVROS PELA AÍ – A HISTÓRIA DO LIVREIRO CAIXEIRO VIAJANTE E A FORMA ESCOLHIDA PARA GANHAR A VIDA
“Se a montanha não vai a Maomé, Maomé vai até a montanha”. A máxima cabe como uma luva para a atividade profissional desenvolvida pelo interior paulista pela firma livresca do seu Raul, a Raul Livros e Materiais Pedagógicos. Com sede em Santa Barbara d’Oeste ele descobriu um filão, propiciando a Raul Cespedes, 53 anos, dar início a algo hoje um tanto raro, a atividade de caixeiro viajante e com algo em baixa no dito mercado de comércio brasileiro, o de livros. Antigamente muito comum os livreiros irem de porta em porta oferecendo desde as famosas enciclopédias a enfeitarem estantes, como coleções infantis de temas variados. Fizeram história e deixaram de existir já faz um tempo. Alguns poucos resistem com alguma inovação na atividade. É o caso deste senhor, que 14 anos atrás, para ajudar o filho e o incentivá-lo a ingressar num ramo promissor, acata ideia da esposa, ela pedagoga e começam a comercializar livros. Exercia até então a profissão de borracheiro, numa grande indústria do ramo, mas em pouco tempo abandonou tudo e foi fazer algo completamente diferente.

Uma livraria num lugar fixo não o atrai, primeiro como negócio, ali parado, estático e aguardando os clientes. Foi quando teve a ideia de levar os livros até onde eles se encontravam e a partir daí tudo se transformou e hoje, roda parte do interior paulista com um caminhão baú, esse cheio das estantes e afins, junto de um vã, essa com a preciosa mercadoria, os livros. Essa semana está com seu aparato montado em Bariri, renovando convite feito pelo representante da Cultura local, Renato Dias dos Passos, que lhe abrigou no Clube Municipal e ajudou também na divulgação, parte feita pela Prefeitura. “Temos grande interesse em que ele sempre volte, pois não temos mais livrarias na cidade. Ele regularmente traz Cultura para Bariri e a preços módicos. Todos podem comprar. Tem livros desde R$ 1 real e ele não traz pouca coisa, ele monta uma exposição inteira, motiva a cidade e faz hoje algo a ser elogiado. Carrega com si a Cultura, só temos a agradecer por ele existir e vir nos solicitar espaço”.

Emocionado, seu Raul ouve Renato e agradece, contando já serem 14 anos de estrada. Ri quando lhe digo fazer parte de uma profissão em extinção, a de caixeiro viajante. “Hoje tenho um depósito ao lado de minha casa e ali vendo livros nos finais de semana, para quem já me conhece na cidade ou mesmo vem de fora, pois sabem que tenho muita coisa. Quase tudo o que tenho aqui são pontas de estoque de editoras e distribuidoras. Pessoas como eu, vamos atrás disso, compramos por preços bem baixos e revendemos também por preços baixos, porém, como viajo e faço feiras pelas cidades, ganho na quantidade vendida. Fiz disso meu negócio, o de minha família e deste senhor que comigo viaja, um ex-secretário de Cultura e também técnico de basquete feminino, ambos vamos de cidade em cidade montando esse aparato que você vê aqui e espalhando cultura por onde passamos”. Seu Raul não se envergonha de contar estar dormindo no próprio local da exposição, pois assim economiza e trabalha até altas horas preparando tudo para o dia seguinte.

O Clube Municipal de Bariri possui um amplo salão, onde muitos bailes e festas variadas ali já ocorreram, como também exposições, com concorrida agenda disputada durante o ano. Raul volta sempre para a cidade, pela hospitalidade com que é tratado e pelo espaço, raro em muitas localidades, como afirma. No salão principal, tendo do lado de fora a piscina municipal, ele monta seu aparato e seleciona tudo por temas, sendo os com mais variedades, o infantil, depois os escolares, porém sem nunca deixar de trazer livros procurados por ávidos por literatura. “Tenho para todos os gostos e bastante títulos. Ninguém que entra neste local pode reclamar de não ter visto algo que não fosse do seu interesse. Sempre tem algo, pois procuro trazer de tudo um pouco. Aprendi isto logo de cara nesse negócio. Não adianta querer agradar somente um tipo de leitor e para agradar a todos, tem que ter de tudo. E eu além de ter de tudo, vou onde está o cliente, trago tudo até bem perto dele”, conta.

A permanência dele em Bariri é de pouco mais de uma semana e deve se estender até a próxima sexta, feriado nacional de Corpus Christi, onde até lá conta com a vinda de todas as escolas da cidade. “O bacana nos estudantes é que todos vem com pouco dinheiro, acabam levando sempre mais de uma coisa mesmo com pouco dinheiro e são meus maiores divulgadores, pois ao comentarem com seus colegas, outros surgem do nada e assim, no boca a boca, meu negócio é divulgado e propalado. Outro dia um pai veio aqui e me contou ter dado R$ 20 reais para a filha e se espantou quando ela voltou com tantos livros. Quis vir conhecer de perto e veio ele com o restante da família”, conta. São muitos corredores, estandes por temas e vendidos, em qualquer valor a perder de vista, ou seja, muitas parcelas pelo cartão. Imagine uma venda de R$ 40 reais e em quatro parcelas pelo cartão, pois isso é possível no negócio criado pelo mambembe comerciante.

Gostoso também é ir saboreando as histórias de estrada, acumuladas nas tantas idas e vindas. Conta em detalhes a de duas cidades, muito pequenas do nosso interior. “Duas delas eu tenho muito apreço, são Marapoama, 4 mil habitantes e Embaúba, essa com 2500 habitantes e com algo inesquecível, pois o prefeito além de nos convidar fica boa parte do tempo ali junto de nós, como se fosse um vendedor de luxo. Ele sente orgulho em ver a população da cidade administrada por ele ali comprando livros. Indica para os em dúvida e nos tornamos amigos, pois me quer sempre por lá”. Na verdade, seu Raul é um estradeiro e de início trouxe para junto de si o filho, hoje trabalhando numa grande rede de eletrodomésticos, mas já me dizendo estar querendo voltar. “Ele aprendeu novas técnicas por lá e disse estar propenso a voltar a atuarmos juntos, pois assim fico mais perto dele e ele me ensina o que trouxe de novo, enfim, quando criei isso pensei mais nele e hoje, quem ainda toca sou eu, mas no futuro ele é quem estará a frente disso tudo”.

Quando muitos já mudaram de ramo e enxergam no ramo livreiro algo difícil, esse comerciante buscou um nicho um pouco diferenciado e conseguiu encontrar outra possibilidade, aliada da criatividade. “Eu conheci um sujeito que tinha uma perua e enchia ela de livros, saindo de casa em casa como os vendedores de pamonha, oferecendo livros no alto falante. Vi aquilo e falei, por que não? Faço o mesmo, mas com alguma mudança. Vou de cidade em cidade, contato antes as Prefeituras locais, essas me cedem um espaço, ali monto a livraria e faço uma propaganda nas escolas, convido os estudantes, eles divulgam e assim a cidade inteira fica sabendo. Na maioria das cidades que vou não existe mais nenhum livraria aberta e a única opção de livros é a Biblioteca Municipal. Descobri ainda existir muita gente interessada em leitura, principalmente os mais jovens, mas também entre a terceira idade. “Entristece, por exemplo, algo que presencio muito. Ocorreu numa outra cidade e cito como exemplo. Veio a família inteira, pai, mãe e dois filhos. O pai ficou sentado do lado de fora só olhando, incomodado pela demora dos demais, sem nenhum interesse, mas os outros três, inclusive a mãe, vasculharam tudo e depois quando foram buscar o dinheiro para pagar a compra, ele fez aquela cara de dinheiro mal gasto, mas foi convencido pelos demais. Eram três contra um e, por fim, teve que se dar por vencido”, relata.

Esse sim, um corajoso empreendedor desses bicudos tempos. Vislumbrou algo novo, foi atrás, descobriu o filão e dele bebe água límpida. Diz gostar muito do que faz, não trocando pelo que antes fazia ou por qualquer outra profissão. Sua única deficiência no ramo, confessada por ele é a de não conseguir ler como gostaria. Mesmo com o exemplo caseiro, da esposa que sempre o incentiva, do filho e do acompanhante nas viagens, não superou a deficiência de décadas longe das letrinhas. No mais, cuida com muito esmero do produto, consegue indicar muita coisa, defende com unhas e dentes quem faz o opção pela leitura como saída para esse país pelo viés da Educação e assim segue pelas estradas, ora aqui, ora acolá, levando e trazendo uma carga pesada, dita a mim por ele, que além do lucro obtido no negócio, o que mais lhe traz alegria é ver que aquilo que traz como novidade para muitos é de “grande aproveitamento, na maioria das vezes para o resto da vida das pessoas”. Seu Raul é feliz no que faz, hoje em Bariri, amanhã nem ele sabe ao certo. A única certeza é a de que estará por aí, rodando por alguma estrada, carregando sua carga, ele e seus livros, um negócio que tem dado muito certo e é tocado adiante.

OBS.: Qualquer contato com Raul Cespedes pode ser feito através do fone (19) 992509658 Tim, pelo site www.raullivros.com.br ou pelo e-mail contato@raullivros.com.br.

Um comentário:

Mafuá do HPA disse...

COMENTÁRIOS VIA FACEBOOK
Rose Flag - Que delícia! Projeto Maomé que possibilita sobreviver!

Patricia Caju - O projeto eh lindo!

Rodolfo Manhani - Parabéns aos envolvidos

Helena Aquino - Excelente. Livros ótimos aí com ele. Iria me deliciar

Luciana Corradini Olha Eliana Zamboni Alessandro Collete Olinda Lopes Ruiz Joice Serra Crespilho Gislaine Simoes para o Circuito literário em setembro!!!!

Henrique Perazzi de Aquino - O CONTATEM, ele topa qualquer parada literária por esse mundão sem fronteiras.

Renato Dias Passos - Bom dia, Mestre! Henrique...SENSACIONAL o seu texto! Arrepiou.Parabéns.