sábado, 8 de junho de 2019

MEMÓRIA ORAL (240)


STRIP SEM SEXO – Diversão na Sunset, boate londrina*
* Esboço de uma história sendo pensada para uma publicação mensal impressa e aqui publicada antes dos ajustes finais.

Dificilmente alguém vai num “inferninho” sem receber um convite. Pode ser desta forma ou para conferir uma indicação. Fomos pelo segundo motivo. Estivemos em Londres, Inglaterra, no final de janeiro e começo de fevereiro deste ano, eu e a esposa Ana Bia Andrade, seguindo um roteiro de andanças pela capital londrina, ditado por alguém que lá morou por mais de dez anos, a bauruense Luciana Franzolin. Havíamos pedido a ela algo inusitado, bem underground, ou melhor, queríamos conhecer as quebradas da cidade. Ela nos apresentou e encaminhou à distância por lugares, roteiro pensado nos mínimos detalhes, que sozinhos não iriamos, ainda mais por nossa estadia ter ocorrido em apenas seis dias. Um desses lugares faço questão de descrever em detalhes como se deu a visita, íntima (nem tanto), informal e tendo brasileiros dos dois lados.

No roteiro para 31 de janeiro, uma quinta, lá estava: “Uma vez no Photographers Gallery vocês estão no Soho e aí, meu bem, era nosso território rsrsrsrs, logo abaixo da gallery vocês vão ver os sex/book shops, entrem! Então eu recomendo o Sunset Strip na 30 dean Street (http://www.sunsetstrip.co.uk/theclub.htm). Se derem sorte encontram Vânia ou Helena no bar. Tony é o dono do local. Lá me conhecem como Luciana (italianado), amiga do Antônio (fotógrafo). Depois, vocês podem comer algo por ali (Soho), tem muitas opções”. Confesso, estávamos ansiosos para conhecer o lugar e dentre todas as indicações, nessa fervilhava dentro de nós a mais absoluta curiosidade, enfim, a rara oportunidade de conhecer um inferninho londrino.

Demos sorte, pois quem nos recebe é Vânia (não cito seu nome completo para não identificá-la junto a seus parentes brasileiros), 21 anos de Londres e 16 no Sunset Bar & Striptease, ou seja, mais calejada impossível. Primeiro ela atravessa rua a me ver fotografando a fachada. Queria saber dos motivos. Ao nos descobrir brasileiros e estarmos justamente à sua procura, somos convidados a entrar. Sentamos no balcão, movimento ainda fraco, perto das 17h e enquanto atendia as mulheres e clientes chegando para a noite, foi descrevendo como se constitui a rotina por ali. O local não é luxuoso, com um salão para recepção, onde todos se aglomeram, depois descem para a pista, onde ocorrem strips e muita conversa, mas só conversa, nada de sexo por ali, algo proibido de ocorrer em boates na Inglaterra.

Na conversa com Vânia vou entendendo como tudo ocorre. Primeiro, um tanto desconfiada, depois, como toda boa brasileira, nos revelando detalhes da casa. Conta que a casa ficou famosa no Brasil por causa de uma matéria na TV Record, uma ex-miss brasileira, reaparecendo após sete anos desaparecida e trabalhando ali no período, como todas as demais que ia nos apresentando. “Aqui não tem prostituição, aqui tem diversão. Cada uma paga 20 libras para passar algumas horas conosco. Os homens chegam, elas os incentivam a ir pra pista, dançam, conversam e, é claro, consomem muito. São aproximadamente umas 50 mulheres previamente cadastradas e selecionadas por mim. Não são obrigadas a vir, vem quando querem. São de todas as nacionalidades, desde brasileiras, como polonesas, romenas, thecas, muitas latinas... A casa não é exclusividade para mulheres, já tivemos muitas travestis. Somos ecléticos e modernos”, conta.

Vânia é a gerente e espécie de faz de tudo por detrás do balcão. Esse toma toda a extensão lateral do ambiente, onde ocorrem os primeiros contatos. Conhece todas pela fisionomia e na chegada recebe o dinheiro e as liberam para a diversão. Controla a entrada e diz: “Aqui não existe tempo de permanência, a casa funciona de segunda a sábado, das 12h à 1h da manhã. Tudo é pago, cabines exclusivas para dança são 20 libras. Elas ganham para dançar com exclusividade e assim por diante. A casa começa a bombar depois das 18h, os homens chegam, pagam a bebida, escolhem a sua preferida, ali já combinam alguma coisa”. Não resisto e pergunto se existe algum problema com a polícia. “Sem nenhum problema. Todos estão aqui para se divertir, somente isso, para se divertir, se encontrar, bater papo, dançar e tentar ser feliz”.

A experiência londrina de Vânia antes do Sunset foi com trabalhos em restaurantes, até dominar o inglês, daí conheceu o esquema do bar, caiu nas graças do Tony e dali não mais se afastou. Conta que o bar tem 70 anos de existência, 25 no formato atual e Toni tem 30 na direção. As mulheres vão chegando e além do dinheiro adiantado, tem seus nomes marcados numa lista, num clima dos mais amistosos, onde segundo ela, não existe motivo para nenhum tipo de indisposição, pois todos ganham e saem satisfeitos. “Aqui você trabalha e vê a coisa render, lá no Brasil não. Lá é tudo muito sofrido. Eu não vim pra cá só por dinheiro, mas hoje sei, tudo o que consegui, se ainda estivesse no Brasil, dificilmente teria tido as mesmas oportunidades”. Com o passar das horas, conta também sua idade, 50 anos, filho com 24, casada, morando nos arredores de Londres e lá outra vida. No Sunset a necessária transformação, de alguém resolvendo tudo, desde a mulher interessada em fazer parte do time, como ter que desligar uma por ter sido inconveniente ou mesmo, ter fugido das regras previamente conversadas e não respeitadas. Tudo é com ela e Tony a deixa bem à vontade, liberdade total, pois sabe, mesmo sem conhecer o ditado brasileiro, mas das regras de um bom negócio, onde se apregoa que, “em time que está ganhando, não se mexe”.

Na Inglaterra é proibida a prostituição de rua e quem for pego com a prática nas esquinas, paga pesadas multas, tanto um como o outro. Nisso são rigorosos, assim como a informação também me passada por Vânia, a da não existência de motéis no país. A velada prostituição se dá abertamente via sites, com cada profissional tendo seu próprio local para atendimento dos ditos clientes. No Sunset, como me foi dito por ela, não acreditei e só vim a entender depois, realmente não rola prostituição, não tem sexo na parada, nem no local, nem longe dela. A casa promove diversão, alguém chega com essa finalidade, encontra uma parceira para tanto, gasta e sai de lá plenamente satisfeito, bem ao estilo londrino. Algo impensável no Brasil, onde já estaria naturalmente misturada a diversão com sexo, não havendo outra possibilidade. Em Londres, ao menos aparentemente, tudo é velado, encoberto por névoas e pitadas de um refinado puritanismo. Ou seria conservadorismo, preservado ao longo dos séculos?

OBS.: Todas as fotos são ilustrativas e foram retiradas do site da Sunset.

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