segunda-feira, 5 de agosto de 2019

DROPS - HISTÓRIAS REALMENTE ACONTECIDAS (170)


FRAGMENTOS RECOLHIDOS NAS "CALLES" DE BUENOS AIRES

Miguel Oziel é proprietário junto com o filho Gabriel de uma pequena loja de chapéus, o La Sombra del Arrabal, em San Telmo, me vendo adentrar sua loja em busca de algo para proteger minha cabeça da intempéries climáticas e portando um botton do Lula Livre na lapela, espera os demais clientes saírem do estabelecimento, diz do apreço que tem pelo ex-presidente brasileiro e me vendo fazer o símbolo característico, me ensina o representando a Nestor e Cristina Kirchner. Diz morar numa pequena cidade vizinha e lá os políticos locais, ligados a Macri pedem para os comerciantes locais fixarem cartazes de apoio a ele e que, um amigo rasgou esses cartazes e no dia seguinte foi denunciado pelas câmeras de gravação das lojas, foi quando concluiu: "Estamos vivendo exatamente igual ao previsto no 1984 de George Orwell, eles enxergam tudo e já exigem obediência absoluta e quem se nega é perseguido e prejudicado. Por isso esperei outros clientes saírem da loja para te contar isso, mas não votamos de jeito nenhum em quem age assim".

Pablo é artesão na famosa Feira de San Telmo e hoje ocupa um espaço numa rua lateral da principal e quando me vê com o botton de Lula Livre abre um sorriso e diz ter ele feito muito pelo povo brasileiro, igual ao casal Kirchner em seu país. O presenteio com um e ele o fixa na lapela de sua camiseta. Pergunto se não tem medo de perder clientes. "Medo nenhum, meu país está um tanto embaraçado, mas ainda somos livres e tenho todo o direito de mostrar de qual lado me encontro. Quem não gostar que vá comprar em outro lugar. O que não posso é esconder minhas preferências e ficar bajulando os que não estão do nosso lado", diz. E assim permanece até o final daquele domingo, fazendo questão de, aos resmungando ainda propor abrir um diálogo e se não conseguir o seu intento, prefere mesmo virar as costas e perder o cliente, nunca a dignidade.

Norberto é garçom num restaurante de origem chilena na calle Suipacha e mesmo muito reservado, após minha insistência, trava uma calorosa conversa sobre suas origens. Trabalha há 26 anos num restaurante com cozinha de um país vizinho, mas é argentino, tendo saído de uma pequena vila no interior do país com 13 anos, nunca tendo trabalhado em outro lugar e nem em outro ofício. Ao me ver com o botton do Lula Livre, diz ver pouca TV e não ler 'jornais, mas sabe ser muito injusto ao que fazem hoje com o presidente que mais ajudou o povo pobre brasileiro. "Só lhe digo isso porque percebo ser a favor do Lula, pois não teria coragem de dizer nada sem que o soubesse, pois as pessoas estão hoje muito raivosas umas com as outras, bem diferente das do meu tempo e povoado de onde venho", diz. Por fim, todos se encantam com sua simplicidade e para quebrar o gelo, ao seu modo consegue nos dizer: "Sou Norberto para os homens, mas para as senhoras permito que me chamem de Norbertito". E saiu todo faceiro atender outras mesas.

Jorge tem fisionomia indígena e vende pequenos quadros com mensagens diversas numa rua do lado da famosa feira dominical de San Telmo. Puxa conversa comigo ao me ver com o botton do Lula Livre e faz questão de contar várias histórias das agruras de gente simples como ele quando nas mãos de gente inescrupulosa, os tais que mandam no seu país atualmente. "São todos cruéis conosco, não tem dó de pobres. Vou te contar uma história do cruel ditador Videla, o mais implacável de todos, duro e austero. No seu período a tortura era prática usual na Argentina. Sabe como Morreu? Preso em sua residência e numa noite, quase imóvel na cama, se cagou todo, virava de um lado para outro e se lambuzava mais e mais. Foi mais do que merecido, a vingança de todos os por ele maltratados". Coloca do peito o botton de Lula e diz estar ciente de que, todos os que defendem o povo são perseguidos pelos que o oprimem. é como se fossemos amigos de longa data. Antes da despedida me aponta um cartaz no alto de sua banca e mostra a foto de Gustavo Maldonado, o jovem morte pelas forças policiais argentina: "Esse defendia meu povo, os mapuches e hoje é herói nacional".

Natye Menstrual é uma mulher trans, ativista dos direitos LGBT, periodista num jornal local e artista plástica. Todo domingo está numa banca na lateral da Feira de San Telmo expondo camisetas pintadas à mão, com desenhos irônicos, traço bem peculiar e chamativos. Muito famosa no local, sabe mais do que ninguém das perseguições que os neoliberais travam contrários aos direitos da minorias, portanto quando esses no poder, me diz, nós temos que estar contrários a eles. "A minha resistência se faz através do meu trabalho, minha voz é meu traço, nele está bem claro o que penso e como é minha vida. Só quem sofre preconceitos diários sabe do que falo, pois vivencio essas perseguições. Eu não falo nada da boca pra fora, eu sinto na pele as injustiças e assim tive que inventar o meu trabalho. Ainda bem que sou artista, desenho e pinto, faço das pinturas em roupas o meu ganha pão, meu sustento", diz. Está na feira há mais de dez anos e fez do seu espaço um local de resistência, onde expõe seus trabalhos e pela aceitação popular sabe estar no caminho certo. Natye não brinca em serviço, para quem lhe trata bem, todo carinho, para quem lhe trata mal, sua cara fechada é o início de um tormento pela frente.

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