domingo, 4 de agosto de 2019

UM LUGAR POR AÍ (125)


FERRÉZ, ESCRITOR DA LITERATURA MARGINAL BRASILEIRA E SUA PARTICIPAÇÃO NO DEBATE "PERIFERIA E MARGINALIDADE" DENTRO DA FED'19 - 8ª FERIA E EDITORXS - BUENOS AIRES - ARGENTINA



"Nós mesmo somos livreiros e distribuidores e participamos de feiras, onde nós mesmos vendemos nossos livros" - o espírito da coisa.

Quem gosta de ler e escrever, sabendo de algo dentro desta área, liga logo o radar e vai querer ver de perto o que está em curso. Comigo se deu exatamente isso quando tomei conhecimento de estar ocorrendo em Buenos Aires a 8ª Feira de Editores, a FED, evento abrigando as editoras e editores independentes de várias partes da América Latina, produtores de livros com tiragens reduzidas, de 30 a 100 exemplares no máximo, com textos insólitos desde poesia a pequenos romances, HQs e autores independentes. Só isso já seria mais que suficiente para estar no lugar e tomar contato com essa riqueza editorial, mas tinha mais, um brasileiro era a atração principal num debate na tarde de sábado, 03/agosto. Ferréz, conhecido do público brasileiro por ser um dos mais conhecidos representantes de uma literatura considerada marginal, pois vive à margem do grande mercado editorial foi convidado para para marcar presença sobre o tema "Periferia e Marginalidade", ao lado da entrevistadora argentina Lucía Tennina. Anotei o endereço, Sarmiento 3131, Ciudad Cultural Konex e para lá fui. Logo na chegada, no folheto entregue aos que adentravam a feira a frase: "Si leés, hay un livro para vos".


Mergulhei de cabeça na feira, percorri todos seus corredores e fui tentando conhecer mais e mais pessoas, pois em cada novo stand, livros com temas me chamando muito a atenção. Enfim, o que chama a atenção de um pequeno editor, quase sem recursos e o faz editar algo numa pequena tiragem? De cara ouço de um deles: "Somos uma via alternativa aos modos imperantes do mercado editorial. Desafiamos o comum, propomos o diferente, somos ousados. A proposta é a de resignificar o valor do livro artesanal, retomando também formas antigas de trabalho". Isso me encantou e passei a olhar para cada livro que conseguia botar olhos e mãos com mais apetite. Nítido um compromisso físico com os livros, mais até do que o intelectual, ou seja, algo arrebatador. Ouço de Werli, da editora Insula: "No momento de fazer um livro queremos eleger um texto, editar o livro, fazer o desenho, a composição e depois também a materialização, a impressão e a encadernação. Nos colocamos no lugar da tradição do livro que tem início com a invenção de Gutemberg". Esse o espírito da coisa, ou seja, encantadora.


Como não se apaixonar num ambiente desses? Fui arrebatado e percebo ter acertado na mosca e não ter acompanhando a esposa Ana em mais uma visita ao Museu Malba (seria minha 4ª visita). Algo mais me despertou deste acerto, quando ao andar pelos corredores, nas observações e anotações,a percepção de que a escolha do material a ser impresso foge de toda regra convencional, desde a concepção até a distribuição. A feira existe para propagar o trabalho deles todos, torná-los mais conhecidos, difundir essa ideia, espalhar essa semente com o vento e vê-la frutificar pela aí. Vendo editoras de vários países reunidos no mesmo espaço, a certeza de que juntos, cada um deles se fortalece, se multiplica e não só amplia seus horizontes, como renova esperanças. Um alento para aqueles apregoando a todo instante do fim do livro de papel. O folego talvez venha desses alternativos. A maioria deles está bem longe das estantes das livrarias e de um chileno ouço algo, me fazendo anotar a frase num guardanapo, o único papel disponível no momento: "Podemos dizer que as livrarias são o câncer da literatura e nós somos a cura". Eles inovam em tudo, inclusive no preço, daí entendo o que quis me dizer.


No meio da balbúrdia encontro algo do Brasil. A única editora brasileira no vento era a Lote 42 (lote42.com.br) e no livreto distribuído para todos os presentes algo mais dela: "Lote 42 é uma editora brasileira que aposta em autores contemporâneos e propostas gráficas inusitadas, onde o formato é também um elemento narrativo. São livros para ler com as mãos". Bato um longo papo com uma das editoras, mas como sempre, emocionado pela conversa, não anoto seu nome e o esqueço antes de escrever este texto. Ele me mostrou o que havia trazido para a feira e um deles havia comprado ano passado numa feira alternativa de livros em Curitiba, ano passado, ou seja, já conhecia a Lote 42. Durante a conversa sou apresentado à Silvia Pergamo, tradutora de Português, Inglês e Espanho, argentina de nascimento, mas por causa da profissão falando fluentemente o português. Me apresenta algo pelo qual quero não só me inteirar, como participar, o "IES Lenguas Vivas". E me deu a dica par me inteirar mais: "Simples, aqui não tenho muito como te explicar, clique no google Línguas Vivas, anote nossos contatos e nos procure". É o que farei, já interessado em participar dos próximos eventos na Argentina.


Num outro stand, o da editora Marea Editorial, duas publicações com o tema Brasil. Num deles, Caetano Veloso em duas publicações, "El mundo no es chato - Antologia textual" e "Verdade Tropical", mas o que me interessou mesmo foi o livro "Bolsonaro - La regresión de la democracia en Brasil", do professor universitário e investigador político argentino Ariel Goldstein, explicando algo mais que recente da vida política brasileira: "explica o marco da história recente do Brasil e do cenário internacional dominado por Trump e outras expressões da extrema direita na Europa". O trabalho do argentino é surpreendente pela riqueza de detalhes para fatos tão recentes, tendo ele estudado tudo à distância, desde seu país, o que torna a pesquisa mais valiosa, pois desapaixonada. Deixei de trazê-lo na matula, o que quando me sento para escrever este texto é doloroso e quase me fez retornar lá na manhã de domingo. Perdi a rica oportunidade. Trouxe algumas ricas recordações, dessas que você guarda com todo o carinho pro resto da vida (como bom colecionador que sou).

E às 19h30, para minha surpresa vejo adentrando a feira a esposa Ana e a mana Helena, vindas do Malba e se juntando a mim para juntos sentarmos no lotado salão onde Ferréz iria falar. Gravei um trecho do começo: eis o link: 
https://www.facebook.com/henrique.perazzideaquino/videos/2821706424526015/. Ele poderia falar muito mais, mas a argentina que o entrevistava estava um tanto atada a perguntas pré-concebidas, mas mesmo assim quem o conhece, sabe que tira leite de pedra. Tirou. "Ser artista num ambiente como o do meu país com Bolsonaro presidente é tóxico". Na entrevista que deu para o diário Página 12 saco alguns trechos: "Los artistas en Brasil nos estamos volviendo literalmente locos porque todos los días sueltan algo nuevo; es una cortina de humo para tapar las luchas que estamos realizando. Nunca pensamos que íbamos a tener que defender cosas que se tenían como ciertas, como el medio ambiente, o por ejemplo que la tierra no es plana. Estamos viviendo un momento de destrucción de la cultura, de la educación, y ser artista en este ambiente es tóxico. Los artistas que no venden en la calle –como nosotros que vendemos nuestros libros-, que no son de la militancia, están perdidos".


Ainda da entrevista: "La izquierda fracasó porque abandonó la periferia. La izquierda perdió la conexión con el pueblo y nos quedamos huérfanos de representantes legítimos. El nivel de ceguera es tan grande que personas que fueron contempladas por becas de estudio, que pudieron tener un lugar donde vivir o comprar un auto, hablan mal de la izquierda. “El PT robó”, repiten; es una locura. Me preocupa no lo que ya pasó, sino lo que está pasando ahora y lo que va a suceder. Bolsonaro dijo que él sabía cómo desapareció un militante político durante la dictadura (Fernando Augusto Santa Cruz de Oliveira) para ofender al hijo (Felipe), que preside la Orden de Abogados del Brasil (OAB). Bolsonaro posteó un video en el que hablaba sobre el militante político desparecido –dijo que lo asesinaron sus compañeros de militancia y no los militares- mientras un peluquero le cortaba el pelo. En un recital de BNegão el público empezó a gritar “¡Fuera Bolsonaro!”, entonces la policía terminó con el show. (...) Me duele querer escribir una historia y no tener para quién escribirla. Acá en Argentina pronto vamos a llegar a seis libros publicados que se consiguen en las librerías. En Brasil no hay ningún libro mío en las librerías. Mi carrera en mi país está viva porque yo hago mis propios libros y los publico en mi propia editorial, Selo Povo. Estoy muy feliz porque sé exactamente dónde quiero estar y a quiénes quiero llegar. Mis libros no están en las librerías, pero estoy en un lugarcito que queda al costado de un show. Como comenzó todo".

Quando perguntado o que caracteriza a voz da periferia é enfático: "La palabra precisa sería indignación; no hay persona que no venga de la periferia que no esté indignada. Hay un autor que lo publicó una de las grandes editoriales de Brasil, Companhia das Letras, un autor que vivía en la favela, con buen aspecto, cabello rubio, con rulitos y mucho marketing. Geovani Martins dijo en un programa de televisión que no habla de violencia. ¿Cómo podés vivir en una favela y no hablar de violencia? La editorial consiguió un representante de la periferia al estilo Elvis Presley (risas). En un artículo de un diario se llegó a decir que él inventó el estilo literario de la periferia. ¡Nosotros somos fantasmas! Me siento como Fats Domino, un músico que tocaba el piano y quedó eclipsado por Elvis. La elite literaria de Brasil habla bien de mí, pero no me pagan el café. (...) La construcción de la narrativa de derecha es brillante porque Marx en el último capítulo de El capital habla del capitalismo auto comiéndose y entonces ves a la víctima defendiendo al verdugo. A veces me encuentro discutiendo con un hombre negro que defiende a Bolsonaro, como si discutiera con mi papá, y yo le muestro un video en el que Bolsonaro denigra a los negros y los compara con el ganado. Cuando se lo mostré a mi papá, que nunca estudió en la vida, me pidió que lo filmara porque quería hacer un discurso contra Bolsonaro. Pero otras personas no ven lo que pudo ver mi padre porque ellos dicen que Bolsonaro va a arreglar la economía y que va a poner un límite a los homosexuales. En plena campaña de Bolsonaro, cuando con otros amigos desesperados pedíamos que no lo votaran, unos bolsonaristas cercaron a una mujer trans en pleno centro de San Pablo y la mataron en el medio de la calle. “Bolsonaro, sí”, gritaban mientras la apuñalaban. La violencia empieza en la palabra; la Biblia incluso dice que lo primero que existió es la palabra. Si el gobierno dice que podés agarrar a alguien y pegarle, el policía va y lo ejecuta. Muchos policías se acercaron a mí y me dijeron: “ya te va a llegar el momento porque ahora tenemos el gobierno de nuestro lado”.

Na FED tive o prazer de reencontrar Ferréz, de conhecer o rico trabalho desses editores de livros que não se vendem em livrarias, mas são distribuídos de mão em mão e de estar junto de alguns desses desbravadores e abnegados, esses que não se movem como os elefantes, muito lentas para se mover. Os vejo como algo mais lépido e faceiro, rápidos, eficazes e tentar burlar o sistema, indo pelas vicinais, arestas e frestas. O trabalho deles todos é chegar e os vejo chegando, assim como Ferréz mostrou em sua fala e seu modo de tocar sua vida. Foi praticamente obrigado a se reinventar, primeiro para sobreviver, depois para vender seus livros. Essa reinvenção é o que me interessa, portanto quando se deparar com algum escritor vendendo seus livros numa banca, como fazia tempos atrás o magistral Plínio Marcos, parem tudo e dê toda atenção do mundo, pode ser um Ferréz ou mesmo alguém com uma proposta mais do que auspiciosa. Adorei estar por lá e isso que aqui conta é só um bocadinho de tudo o que tive o prazer de presenciar.

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