quinta-feira, 16 de abril de 2020

BAURU POR AÍ (175)


O POVO DA PRAÇA E DAS RUAS DESTA INSÓLITA BAURU - TEMO PELO DESTINO DE TODOS ELES
Fuçando fotos antigas localizo estas e junto delas a história de quem a publicou na página do bloco carnavalesco: “O Bauru sem Tomate é MiXto se propõe a fazer do carnaval um momento de crítica com humor e tem cumprido esse objetivo há oito anos. Além disso, somos um bloco sem cordão de isolamento, que não impede que as pessoas cheguem e se divirtam. Esse ano, assim como nos demais, diversas pessoas que moram na praça ou no seu entorno, se aproximaram e foram acolhidos e desceram o Calçadão cantando e dançando. Alguns se maquiaram, amarraram fitas nos braços e na cabeça e brincaram também o carnaval. Carnaval é resistência e é acolhimento. O vendedor de bacias que fez com seus produtos um pouco da percussão. Garfei fotos do Jornal Dois, por que estão muito lindas!!!! Somos do povo”, Tatiana Calmon publica essas fotos em 26/02/2020.

As escolhi neste momento, movido pela angústia dentro do peito, algo incomodando a tudo e todos, pelo menos os que sabem o que de fato está em curso com os povos da rua. Somos muitas tribos neste momento. Eu vivencio uma, a dos que podem se isolar e assim permanecer seguros até o final da pandemia. Somos muitos nessa condição, mas não a maioria do país. A maioria padece. O trabalhador em sua maioria está também em casa, mas receoso do que pode lhe acontecer e sem saber se deve ou não aceitar esse quase convite para voltar a trabalhar. Uma sinuca de bico. Se ficar o bicho pega, se correr o bicho come. Mesmo ciente de que o melhor é preservar a sua vida e a dos seus, estando entre a cruz e a espada, quer permanecer em casa, mas a pressão para voltar ao trabalho é cada dia maior. Um dilema ainda em curso e a cada dia um novo capítulo. Além desses, os que estão trabalhando, os das tais atividades essenciais, imprescindíveis. Esse não pararam e continuam na lida, se expondo ou ao menos tentando se expor o mínimo possível. Paralelo a eles estão os que podem permanecer em casa, mas saem, na maioria das vezes insuflado pelas palavras do presidente ou quando não, pelo instinto de que nada lhe possa acontecer. Tem também os que não conseguem se segurar e saem, tentam até se cuidar, mas são vistos constantemente pela aí.

Na escala mais baixa da sociedade estão os que moram nas ruas, delas não saem, pois não tem para onde ir. Não existe na cidade abrigos suficiente para tantos e os existentes possuem regras rígidas de permanência. O Albergue Noturno, o mais famoso deles, não consegue abrigar tantos e tem limitação, hoje já acima do seu limite (tendo também que espaçar mais as camas umas das outras), além de sempre ter atuado com rodízio de pessoas, não aceitando os que em caráter permanente. O povo das ruas é constituído de variação enorme de pessoas. Muitos são obrigados a conviver com as ruas, delas tiram o provento para o dia e se não o fizerem não tem o que levar para dentro de duas casas. Vivem de biscates, pequenos serviços, gorjetas, bicos e afins. A penúria deve estar predominando junto a eles. Esses, mesmo tendo um lar são considerados invisíveis, mas existem os ainda mais fragilizados, os moradores de rua. Muitos dessas duas categorias se misturam e se completam. Esse povo da praça, o das fotos aqui expostas são dessa categoria mais baixa, os vivendo na rua, de esmola, favor, sem teto, sem eira nem beira. Esses continuam pela aí, frequentando os mesmos lugares de sempre. Por mais que o serviço assistencial da Prefeitura e de entidades particulares façam algo, não existe até agora nenhum abrigo específico para esses. Continuam ao deus dará, entregues a própria sorte.

Só não sei se a sorte (toc toc toc) continua ao lado deles (ela esteve algum dia?) e até quando isso ocorrerá, pois o vírus avança e atinge todas as camadas sociais. Essa a mais fragilizada. Quando algo acontecer a um desses, inevitavelmente se espalhará como poeira ao vento. Será algo catastrófico, dantesco e avassalador. Olho para as expressões de todos esses das fotos e imagino quantos ainda estarão pela praça, pelas ruas, perambulando pela cidade. Ao lado da praça, o restaurante Bom Prato lhes dá alguma guarida e na outra extremidade do Calçadão, na outra praça, a Machado de Mello, muitas entidades assistenciais e religiosas promovem diariamente, sempre no período noturno refeições coletivas. Tudo ótimo, mas na confluência dessas pessoas, todas muito juntas e próximas, o habitat preferido do Corona. Temo por todos esses, muitos conhecidos de longa data.

Numa das fotos, recordação no dia do desfile do bloco, quando o jovem homossexual se aproxima de mim e pergunta: “Lembra de mim?”. Claro que lembrava. Ele era garçom em um restaurante na cidade, ainda tinha onde morar. Hoje não mais, sujo, entregue às drogas, sem esperanças de sair da vida que leva e retornar com dignidade para o passado cada vez mais distante. Noutra, uma senhora, sempre se aproxima, conhecida da maioria pelas tantas vezes que ali estamos, não só para o Carnaval, mas também para os atos de protesto ou mesmo atividades com eles. Ela já me conhece e chega de abraços abertos. Como não abraçá-la? O faço sem nenhum resquício. Ela gosta da nossa presença e nós todos gostamos muito dela. Dançou o trajeto todo, feliz da vida. Ambos o fizeram. Outro tanto se juntaram ao longo do percurso. Como a Tatiana ressaltou no final do seu escrito: “Somos povo”. Temos orgulho disso, nascemos e permaneceremos assim enquanto o bloco perdurar.

O que todos tememos não perdurar são os tais das ruas, os da praça e ainda circulando pelas ruas de Bauru. Ontem um amigo me questionava: “Pode até ser neura minha, mas tem gente que vai ficar contente com essa limpeza das ruas. Assim como os velhos, essa geração ainda vibrante e de luta, como li estar indo embora, esses da rua com a mesma intensidade. Tem gente torcendo para tudo isso sumir definitivamente da vista”. Não creio que, pelo menos aqui em Bauru isso ocorra em escala pública, que sejam deixados à própria sorte para se esfalfarem. Seria muita crueldade. Quando vi o que o governador Dória fez dias atrás na Cracolândia pensei nisso. Mesmo que, o novo lugar possa ser mais aconchegante e abrangente, retirá-los de um local, todos amontoados, me pareceu cruel e insano. Se foi premeditado, seria caso de gente totalmente desqualificada, diria, criminosa. O fato é que, os daqui continuam nas ruas. Passo pela praça de carro (quando consigo escapulir de minha quarentena) e vejo suas cabecinhas. Não posso mais parar, faço parte do grupo de risco e nem sei o que fazer, daí não critico, só comento, vejo e me amedronto com o destino deles.

Eu sei, escrever é fácil, difícil é executar, colocar em prática o que se tem em mente. Mais difícil ainda quando não se está em nenhum cargo público com poder para tanto. Pode-se sugerir, oferecer apoio e voluntariado. Criticar é muito fácil e hoje, aqui do meu seguro local de isolamento elogio o que vem sendo feito de bom na cidade. Observo tudo com muita atenção e na comparação com outras cidades, noto avanços e em muito do que observo sendo feito, parabenizo e apoio. Gosto da atuação dos atuais Secretários de Saúde e Bem Estar Social. Fazem o que podem e mais alguma coisa. Acompanho à distância o que fazem com o povo das ruas e não tenho críticas a fazer. Gostaria muito de poder ajudar, estar junto, pegar na massa, mas sou impedido. Daí, não me vejo em condições de criticar quem faz. Observo e escrevo, isso dói muito. A vontade é outra. Gostaria de poder divulgar mais as ações realizadas junto as camadas mais debilitadas e desprovidas de condições. Chegando até mim, as farei com toda atenção. Quero muito reencontrar lá na frente essa população toda hoje nas ruas, mais feliz ainda, revendo-os em melhores situações. Torço muito para que sobrevivam a isso tudo.

OBS.: As fotos como dito no texto da Tati são do Jornal Dois, daí agradecimentos especiais ao Lucas Mendes e toda sua equipe. Eles também necessitando de ajuda para continuar, tocar em frente tão brilhante projeto.

O PENSAMENTO DA CLASSE EMPRESARIAL BAURUENSE, QUIÇÁ BRASILEIRA
Compartilho essa frase, publicada inicialmente na página de Cássio Nunes Carvalho, proprietário da Casa Carvalho, uma loja no Calçadão da Batista, outra no Bauru Shopping. O vejo totalmente favorável pela abertura do comércio, cobrando algo do prefeito e do governador. Nada do presidente, o Senhor Inominável, ou seja, presta reverência e segue o apoio a esse, incondicional, como se percebe nas entrelinhas. Conto minha historinha. Semana retrasada o SinComércio, na pessoa do seu presidente Walace Sampaio publicou no Jornal da Cidade, em forma de anúncio algo parecido, contestado por mim numa carta publicada na Tribuna do Leitor, onde dizia que a solução estava em seguirmos todos de quarentena e cobrar a quem de direito, do Governo Federal, com muita pressão e até confronto, esse sim, possui obrigação em garantir não só o povo sem condições de permanecer parado e recluso, como aos comerciantes, para que não quebrem, destruindo assim a economia. Ele respondeu, sem me citar, pois seria demais citar alguém propondo como solução o confronto de quem apóia. Na resposta reafirma cobranças para com o prefeito e o governador, nada de cobbrança para o Governo Federal. Ou seja, primeiro, me vi contemplado com sua resposta, pois vi até onde vai sua linha de pensamento e ação, depois deixa claro não estar buscando uma solução pelas vias mais naturais, a apertando o presidente, mas o fazendo para quem neste momento ainda luta pela vida, deixando em segundo plano a economia. Sampaio e Carvalho, além de Reinaldo Cafeo, emitindo opiniões parecidas pela 94FM e também pelo JC, são bolsonaristas e, dessa forma, não ousariam contestar o mandarim. A defesa do que fazem, como fazem, deixa claro não só a falência do modelo a que defendem, onde o ser humano vale nada, como demonstra que a única saída possível e louvável, a de confrontar com muita pressão quem detém a chave dos cofres públicos não será feita. Para mim é mais do que suficiente: entendi tudo. Ainda bem, pelo menos até agora, o prefeito age sensatamente e segura a porta com os pés, impedindo que seja aberta, escancarando a proliferação do vírus.

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