quarta-feira, 21 de novembro de 2018

UM LUGAR POR AÍ (114)


BOMBEIRO É UMA ESPÉCIE DE FAZ TUDO NO NOVA CANNÃ

A vida cotidiana de um morador do maior assentamento urbano da cidade Bauru serve para mostrar como é a rotina diária dos que lá encontraram um pedaço de chão para morar.

No Assentamento Urbano Nova Cannã, localizado do outro lado da rodovia Bauru/Jaú, imediações do IPMET, a Prefeitura de Bauru produziu um auspicioso acordo beneficiando milhares de pessoas. Eles estão residindo num local não mais irregular, pois com a anuência do atual prefeito de Bauru, Clodoaldo Gazzetta, mais do que um novo bairro nasce e se fortalece. Os moradores do lugar, ali removidos através do trabalho social do MTST – Movimento dos Trabalhadores Sem Teto estão tendo condições de ter aquilo que tanto almejavam em suas vidas, um pedaço de solo para chamar de seu e levantar a sua definitiva morada. A história desses moradores encanta, pois ao desvendar cada uma, a percepção do acerto ao resolver um grave problema social e da felicidade estampada nas faces. Conto uma delas, escolhida dentre tantos, exatamente pelo morador ter se diferenciado em algo que faz no seu dia-a-dia.

Ronaldo Wilson Hernandes, 47 anos, nasceu no Paraná, mas reside em Bauru desde criança e acompanha as idas e vindas do Cannã desde o início. Solteiro, muito conhecido por causa de sua ação de apoio à Defesa Civil, um apoio voluntário de grande valia para a comunidade onde reside. Quase ninguém o conhece pelo nome, mas se perguntarem pelo Bombeiro, impossível alguém não saber onde mora e indicar o caminho. Sua casa é bem diferente de todas as demais do lugar, não pelo fato de ter sido levantada com sobras e matérias descartado de lugares variados, mas pela forma como tudo foi sendo agrupado. “Aqui tudo o que tenho é fruto de doação. Peço, recolho e trago, recupero e instalo. Tenho um velho veículo Gol, hoje encostado aqui, quebrado, problemas na hemocinética, mas foi com ele que trouxe tudo para cá. Desde o piso, doação dos retalhos de marmoraria, até as paredes feitas com placas de forro em PVC. Eu mesmo instalei tudo e debaixo disso tudo montei minha casa e loja”, conta emocionado.

Ele é bastante comunicativo e para começar a contar tudo, basta ser incentivado e confiar na pessoa. Sai a me mostrar sua casa, toda parecendo uma colorida banca da conhecida feira do Rolo local. Trata-se de um amontoado organizado de tudo um pouco, desde o material utilizado na construção como o de seu trabalho diário, como conta a seguir: “Eu sobrevivo disso tudo que vê por aqui, com muita dificuldade e perseverança. Não tenho emprego, salário, tenho que fazer uma cirurgia de hérnia e vivo de bico. Vendo de tudo um pouco, desde essas plantas aqui na frente e no quintal, tudo em pequenos vasos, latas reaproveitadas. Minha história aqui se confunde com a desse assentamento, pois estou aqui há cinco anos, exatos 22 dias depois de sua criação”.

O provisório acaba encontrando um lugar e da junção de tudo um visual bonito. Para cada objeto existe uma explicação. Bem na frente da casa um retalho trabalhado de velho guarda-roupa. Fixou na entrada, como um portal. “Era do dono de uma marcenaria e seria enviado para lenha em uma padaria. Pedi e hoje enfeita a entrada da casa. A pia da cozinha está montada em cima de um pallet, como muitos móveis, para não ter contato com o chão. Meu telhado era de lona, fiquei um ano e meio sem porta na casa, nunca ninguém mexeu em nada. Aqui cada vizinho ajuda a cuidar. Fiquei quase dois anos com a casa aberta. Fui trazendo o material reciclado, pouco a pouco e assim toco minha vida”, continua sua fala. O que para muitos é lixo, algo descartável para gente como o Bombeiro, trata-se de uma riqueza. Ele fala e me mostra como recebe água, vinda através de dois grandes tanques, com caminhões pipas do DAE – Departamento de Água e Esgoto da Prefeitura. “Aqui ninguém faz uso desnecessário de água, tudo controlado, como a eletricidade. Ninguém desperdiça nada por aqui”.

Pergunto sobre a situação das terras onde está localizado o assentamento e mesmo sem saber detalhes ele conta algo: “Ninguém aqui invade nada. Lá atrás foi feito uma pesquisa, isso aqui era terra abandonada, sem documentação e agora com o acordo com a Prefeitura estamos garantidos. Eles sabem o quanto sofremos e precisamos de um pedaço de terra para viver. O Cannã é hoje mais um bairro de Bauru. Eu acredito no meu Deus, ele sabe de minha necessidade e de todos aqui precisarem de um terreno para morar. Ele não vai deixar a gente na mão e morando na rua”. Sua casa é também um ponto comercial, pois além de prestar serviço comunitário, fazendo de tudo um pouco para resolver pequenos problemas dos moradores, quando juntou tudo o que tinha debaixo de um teto, colocou em prática algo do que sabia fazer, a facilidade em consertar as coisas e abriu as portas para viver disso.

Seu pequeno comércio não tem nome e nele o ajuntamento de objetos que os moradores trazem até ali para os devidos reparos. Enquanto conversamos uma moça passa lhe pagar por um celular que ele conseguiu fazer voltar a funcionar e outro veio em busca de fios para terminar uma instalação elétrica. Cobra pouco e com isso, seu negócio gira. No último final de semana, conseguiu comprar alguns fardinhos de cerveja e fez um churrasco, revendendo espetinhos. Disse ter funcionado naquela noite até as 3h da manhã, ou seja, um sucesso. “Tudo o que tenho aqui eu tenho uma prova de que recebi em doação. A gente tem que ter cuidado em tudo, para não ser confundido. Eu ganho coisas usadas como essas tomadas de casas e as distribuo quase de graça”, prossegue me contando.

A sua loja de variedades é cheia de novidades e segundo um vizinho, seu Domingos, acompanhando nossa conversa, esse confirma algo mais: “Quando falta algo, antes de ir ver na cidade, a gente já sabe, procura primeiro com o Bombeiro. Se ele tiver, tudo mais fácil, pois ajuda também na instalação”. Nas improvisadas prateleiras se vê desde aparelhos de TV, rádio, computadores e também geladeiras, fogões e máquinas de lavar roupa. Ele é uma espécie de shopping center pra gente”. Bombeiro interrompe e diz ser sua especialidade a informática e mesmo sem sinal de internet, faz misérias tirando peças de um e colocando outro tanto para funcionar.

Quando se empolga diz com uma entonação de voz cheia de orgulho: “Eu criei o meu lugar. Montei a casa do jeito que sempre sonhei, com essa organização que está vendo. Muitos chamam isso de lixo, mas sei da utilidade disso tudo. Eu não perturbo ninguém, trabalho muito, não paro e em cada momento estou fazendo algo, veja essas plantas, aqui tem desde uva, rubi, limão galego, acerola, pitanga e lá no fundo no quintal, galinhas e um viveiro. Eu procuro distribuir tudo de um jeito a facilitar o manuseio de tudo". Ele não vive só, pois além das galinhas, tem uma tartaruga e uma maritaca, o Quico, tratado com frutos silvestres e muito carinho. O bicho não sai do seu ombro, voa e volta para seu poleiro, trazendo alegria para os frequentadores.

Antes de partir me mostra um quadro com a explicação heráldica do seu sobrenome e uma caixinha de música, herança de sua mãe, encontrada num viaduto quando ele tinha sete anos e desde então nunca deixou de funcionar. Bombeiro é feliz no seu pedaço de chão, assim como tantos outros no Nova Cannã. Eles todos confiam no trabalho e atuação do prefeito em lhes garantir o chão, pois o resto, como repete a todo instante, eles se viram. “Muitos daqui trabalham fora e alguns como eu, sem conseguir emprego, acabamos nos virando pro aqui mesmo. O Cannã é uma grande família e quem fala mal da gente é por desconhecer como vivemos e o que somos. Quem vem aqui, como o senhor, acaba entendendo e falando bem da gente. Eu agradeço muito a visita e desde já o convido para vir no próximo churrasco ou trazer algo para mim consertar. Posso contar com sua presença?”.

2 comentários:

Ronaldo Hernandes disse...

Após tanto tempo somente hj vi esta matéria sobre minha vida estive excluso digitalmente por falta de um aparelho celular.
Realmente fiquei surpreso e muito feliz. Sem palavras meu irmão. Cel 981231097 por gentileza desejo revelo em breve.tenho muito a agradecer

Anônimo disse...

Grande bombeiro... E amigo Hernandes abraço Deus abençoe sempre você