segunda-feira, 10 de março de 2008

RECADO AOS NAVEGANTES

Estou de férias, fazendo a viagem dos meus sonhos, devendo retornar somente após dia 27 desse mes. Volto a postar aqui somente após essa data. Até lá...
HPA, muito longe do seu mafuá.

quinta-feira, 6 de março de 2008

UMA ALFINETADA (22)
Amanhã é o Dia delas, apesar de achar que todos os dias o são. Minha homenagem sai n'O ALFINETE e aqui, antes de lá, só no sábado.

AS MULHERES DA CULTURA DE BAURU

Josi Vicentin é uma jornalista que veio de fora, portanto, parcialmente forasteira no terreiro bauruense. Digo parcialmente, pois com alguns anos por aqui, já está mais do que enfronhada com tudo o que diz respeito a cultura local, seus personagens e acontecimentos. Moça perspicaz, fuçada e antenada, faz e acontece para manter o Caderno Viva, o cultural do jornal Bom Dia local. Cheio de novidades, a destreza daquelas páginas se deve as muitas habilidades de quem o produz. E aquilo tudo tem a cara dela.

Dito isso, vamos ao que interessa. Ela está produzindo uma matéria sobre as mulheres. O Dia delas está aí batendo na nossa porta. E quem seriam as tais mulheres fazedoras de cultura na cidade? Isso merece um parada para pensar, pois são tantas e nada deve ser feito meio atabalhoadamente. Os nomes foram surgindo e os que me vêem à mente vou colocando no papel. O primeiro deles é o de REGINA RAMOS, totalmente envolvida com o teatro e tudo o que a ele se refere. Vive 24h correndo atrás disso e fazendo disso sua vida. A SAC – Sociedade Amigos da Cultura anda com a agilidade atual, parte por causa dessa correria promovida por essa abnegada militante cultural. Também na área teatral, outro nome a ser lembrado é o de MADÊ CORREA, uma peso pesado do teatro bauruense, com seus textos sempre atuantes e performances desconcertantes. Bate cartão no negócio teatral desde que me conheço por gente e olha que não sou tão velho assim, mas que já faz um tempinho, isso faz.

Reverencio o claro e contundente posicionamento da jornalista MARIA DALVA, a mente mais lúcida do jornalismo falado de Bauru. Podem falar o que quiserem, mas quando essa mulher opina com a força do seu microfone, está dito e pronto. E ela tem um comedimento e ética de deixar babando muito marmanjo. Se querem uma mulher simples, mas que carrega consigo uma grande bagagem de leituras mil, essa pessoa é a professora aposentada ENIS ORTI. Ela lê de tudo e compra nos lugares mais inusitados. É lindo vê-la todo domingo na Feira do Rolo comprando livros e revistas velhas, com aquele seu chapéu de abas largas. Mais apaixonante é vê-la carregando aquele monte de papéis pelas ruas da cidade.

Quem gosta de música não pode se esquecer da coralista HILDA CAMPOS, que além de reger maravilhosamente é uma grande estudiosa no assunto. Uma abnegada, lutando contra os dragões todos que nos atormentam, continua abrindo caminho nesse mar revolto da cultura bauruense. Ainda no campo musical, algo divino baixou nos últimos tempos na terrinha, levando o nome de MANU, com uma proposta um tanto diferenciada de tudo o que tínhamos visto e ouvido. É daquelas que o encanto desponta logo nos primeiros acordes. E o mais importante, não é nem um pouco comportada, o que eleva seu conceito. No campo educacional, a professora e escritora LÍDIA POSSAS não pode e não deve ficar de fora, pois fez a cabeça de uma geração de historiadores na cidade e seus livros e textos continuam abrindo mentes e servindo de guia para outros tantos.
Não posso deixar de fora a MARISA BASSO, uma que também consegue sobreviver com esse negócio de viajar promovendo cultura. Uma loucura, onde poucos sobrevivem, pois isso tudo é muito mais sério do que pensamos.Por fim, quem não pode ficar de fora é dona ERCI MARIA FARIAS, a trovadora mór da cidade, atuante na UBT – União Bauruense de Trovadores, que nos abrilhanta com seus pensamentos românticos e cheios de fidalguia. Puxa, lembrando isso, acabamos nos esquecendo de outros tantos, como HILDA DELICATO RUGAI, JOSEFINA FRAGA, a pintora LAIRANA, JU MACHADO, DALVA ALEIXO, DORA GIRELE e a CIDINHA do AZULÃO DO MORRO. Saindo do campo cultural, surgem muitos nomes como ACYR SANTINHO, TATIANA CALMON, LU QUINEZI, RUTH DE SOUZA, ELISA CARULO, MARIA LUIZA CARVALHO, DARCI GASPARINI, vereadora MAJÔ, a MARIA LUZ do CPT e dos assentados, a IVY doVidágua, ROSA MORCELLI, a professora SALETINHA de Pedagogia da UNESP,TEREZINHA ZANLOQUI, VERA TAMIÃO e tantas outras que não consigo me lembrar nesse momento

Henrique Perazzi de Aquino, 47 anos de muito amor dedicado a todas elas eaté por causa disso, sózinho nessa data tão...tão... tão necessária.

quarta-feira, 5 de março de 2008

MEMÓRIA ORAL (27)
TITO, UM MADI SAINDO DO ESTALEIRO
Tito Madi completará 79 anos em junho próximo e nem bem o ano começa, um baque para todos os seus admiradores. A saúde debilitada acaba levando-o para o hospital. Apreensivos, os familiares o preservaram. As informações sobre o seu estado de saúde eram distribuidas em drops, pois todos temiam um alarde desnecessário. O fato é que o grande intérprete e compositor da MPB, depois de anos padecendo do controle diário de uma diabete e de uma vida solitária, num apartamento em Copacabana, no Rio de Janeiro, acompanhando da inseperável dálmata Amanda, baixa ao hospital. Que fazer diante de uma pessoa com a brilhante trajetória, sendo reverenciado pelos grandes nomes da nossa música, quando o corpo pede um tempo? Aguardar ansioso e com muita esperança pela breve recuperação. É o que todos fizeram naqueles dias. Muita expectativa e fé em seu retorno sem sequelas, pois quem vive da voz, não se imagina sem ela.
Ao saber da notícia, em primeiro lugar, bate a saudade e ao invés de ouvir sua voz, busquei um disco do Guinga, numa letra de Aldir Blanc, na voz de Leny Andrade, quando num trecho de "Nem cais nem barco", cheio de dor está lá o lamento: "A chuva dessa tarde trouxe o Tito Madi e apenas eu ouvia...". As lembranças de um ano atrás são inevitáveis, ficando hospedado em sua casa por nove dias, janeiro de 2007, junto com o filho, Henrique Aquino, 13 anos. Havia acabado de vender seu antigo apartamento na rua Constant Ramos, indo para um duas quadras adiante, na rua Cinco de Julho. Tito sempre foi muito doce com os amigos e quando combinamos tudo, seu único pedido foi claro: "Só não chegue cedo demais, velho não gosta de acordar cedo". Cheguei às 6h, mas bati em sua porta só por volta das 9h.

Conheci Tito pelos amigos em comum de Pirajuí, sua terra natal, em especial Marcelo Pavanato, lá d'O Alfinete, cujo lema é "pica mas não fere". Tito reverencia sua cidade natal por onde passa, eternizando esse amor num linda canção, "Nova canção para minha terra" (CD, Ilhas cristais,
Dubas, 2001), quando canta: "Ah, que saudade da minha terra/ Que tão distante está daqui!/ Eu me transporto em pensamento/ E de repente acordo em Pirajuí". Estive com ele em dois lindos show no Rio, um no teatro João Caetano, junto com a Cláudia Telles e outro no Municipal de Niterói, numa homenagem ao jogador Zizinho, depois ele veio em Bauru no SESC, logo a seguir veio em Pirajuí receber o título de cidadão de sua cidade, quando fez um show no Parque Clube. Escrevemos até hoje no jornal e já tínhamos uma certa proximidade, quando o convidamos para cantar por aqui no Automóvel Clube, tendo casa cheia e até um coral cantando uma de suasmúsicas. Virei amigo, de ir ao Rio visitá-lo e papearmos ao telefone. Suas crônicas no jornal são reminicências maravilhosas de sua vida e da cidade que escolheu para viver. Por fim, quando o Beff Strett, do Alameda inicia a série Grandes Nomes, traz Tito num domingo de eleição (segundo turno do segundo mandato de Lula), na hora do almoço. A casa lota e o público contagia, mesmo com Tito rouco. Comovente.
Fui conquistando uma amizade prazerosa, ele lá, eu aqui. De vez em quando uma ligação, uma carta, uma visita. Como naquele janeiro e no anterior, janeiro de 2006. Dessas visitas li para ele uma frase do Carlos Leonam, da coluna Cariocas da Carta Capital, quando diz: "Visita é que nem peixe. Depois de três dias começa a cheirar mal", num claro recado para os turistas que se hospedam na casa dos cariocas nos verões. Tito ri e fala: "Você vem aqui, me faz companhia, me ouve, conversamos até tarde, divide as despesas. Vá ficando". Fiquei e a convivência serviu para conhecê-lo melhor. Tito é uma pessoa reservada, contida, perdeu a esposa e não quis dividir seu espaço com mais ninguém. Optou por morar só, com suas coisas, recordações. Quem aplaca a solidão é Amanda, uma rechonchuda e carinhosa dálmata. "Odeio quando a levo para passear e ficam naquele: Como está gorda! Gorda ela não? Concordo com uma fisionomia de desagravo, pois me irrita", diz ele. Aprendeu a conviver com rotina diária de uma diabetes que lhe atazana a vida: "Não é fácil esse negócio de se furar todos os dias, mas acabei acostumando. Faço tudo, desde as aplicações, medições e tento seguir a dieta de boca. Levo a tralha toda em todas as viagens por aí".Em casa, faz de tudo um pouco. A doméstica e amiga de tantos anos vem três vezes por semana, "é como se fosse da família" e nos restantes ele mesmo cuida de tudo, ao seu modo, desde os dejetos da Amanda a todos os afazeres domésticos. Aliado a isso, compõe e toca regularmente num teclado instalado na sala, junto a janela. Não abre mão da leitura diária dojornal O Globo e justamente com o que ali lê, noto algo a lhe atormentar: "Nós, os artistas mais velhos estamos mais do que esquecidos, renegados. Ninguém nos procura para nada. Nada acontece antes do Carnaval. Tudo agora é Chico (Chico Buarque estava de CD novo), todos os dias ele está em todas as citações. Gosto dele, mas falam demais dele. Essas colunas de notinhas citam ele para tudo, tudo é opinião dele e nada para o resto". Abro o jornal e acompanho a verdade antes constatada por ele.
Na primeira noite nos leva para jantar no Cirandinha, um restaurante na avenida Nossa Senhora de Copacabana. Ele reencontra velhos conhecidos, circula pelas mesas e chama os garçons pelo nome. No dia seguinte estávamos no Mala e Cuia, especialista em cozinha mineira: "Venho sempre nesses lugares, é tudo perto, tem variedade, não é caro e conheço todo mundo". Na segunda noite quem aparece é Haroldo Goldfarb, um pianista de mão cheia que o acompanha atualmente. Tito quebra a dieta, pedimos pizza e o melhor estava por vir, ele canta com Haroldo nos teclados. Repassam o repertório e algumas inéditas vão sendo ensaiadas. Nesses momentos as horas passam e ninguém percebe. Tito estava radiante e relembra o dia em que Guinga veio compor juntos: "Foi difícil, pois ele detesta cachorro e a Amanda não deixa ninguém quieto. Acabou se trancando no quarto e de lá não saia. Não conseguimos fazer nada juntos, a dupla não deu em nada e ele nunca mais voltou".
Ele não se arrisca a sair conosco pelas ruas, pois sabe que viemos com disposição para bater perna e foge disso. Reclama muito de dores nas caminhadas. Tem um medo imenso da diabetes provocar agravamento de problemas de saúde. Nossos papos são todos noturnos e num deles acaba me mostrando uma preciosidade, um caderno amarelado pelo tempo, com letras inéditas. Manuseio embevecido aquilo tudo e ouço a história de sua construção: "Aqui tem letras para vários discos. Tenho mais de vinte com o Paulo Sérgio Pinheiro e queria muito ver isso gravado, talvez pela Nana Caymmi. O projeto é barato, mas me cansa ir atrás disso". Ele se põe a
contar algumas delas e eu ali sem saber o que lhe dizer. Foi uma noite e tanto, ele tocando e cantando por muitas horas e eu, inebriado no sofá, tendo Amanda no meu colo. Me contou histórias bem pessoais, como a do sítio no interior do Rio que queria vender, pois os filhos já não tinham como dar atenção para aquilo: "Eu já não tenho forças para ir lá como antes, nem carro tenho mais. Cansei. Tudo um dia chega ao fim." Durante o ano vende o sítio.Numa manhã Tito atende o telefone e é surpreendido com uma ligação diferenciada. Era o tal do golpe do filho sequestrado. Fica nervoso, mas instantâneamente desliga o aparelho e liga para o filho. Quando percebe que ele está em casa, me pede para atender as ligações seguintes domeliante. Repetimos os diálogos trocados por muito tempo. Falamos muito de seu amigo paulistano, Francisco Bonadio, fã nº 1 dele, tendo todos os seus discos: "Ele sabe mais da minha vida do que eu próprio. Acompanha toda minha vida em São Paulo, shows e tudo. Tira cópias de músicas, grava, distribui, é meu anjo da guarda. Quando não me lembro de alguma coisa, ligo para ele. É uma enciclopédia". Nove dias passam muito rápido e quando percebemos já estamos nos despedindo. Mal havia voltado para Bauru, recebo uma boa notícia. A rede de supermercados carioca Zona Sul havia comprado os direitos da música Balanço Zona Sul, um dos seus maiores sucessos e lança um jingle na voz do Simoninha, permanecendo como hit daquele verão. Tito voltou a ser falado por um bom tempo.Hoje, passado o susto, Tito está se recuperando de um AVC, já em sua casa, ao lados dos dois filhos, numa fisioterapia lenta e gradual, porém cheio de esperanças: "Tem um monte de meninas bonitas ao meu lado me massageando e minha voz já está voltando ao normal. O maior sofrimento foi o passado no hospital, velho nenhum aguenta aquilo". Uma constatação, se está todo pimpão e reclamão é porque tudo caminha no sentido da recuperação. Torço muito por isso.
Henrique Perazzi de Aquino, escrito em 04/03/2008

terça-feira, 4 de março de 2008

RETRATOS DE BAURU (15)

SEU GUILHERME, O DO AMENDOIM




Quem frequenta o estádio do Noroeste como eu, conhece seu Guilherme, o vendedor de amendoim, pois ele está lá, no mesmo lugar, todo jogo, de dia ou de noite, com sol ou chuva, há mais de vinte anos. Vem com a família toda, pára seu carrinho de amendoim atrás da arqibancada coberta, vendendo o produto já empacotado, no formato de um tubinho, como paçoquinha ou amendoim salgado sem casca. Não tem quem não frequente o campo e não o conheça. Hoje, são oito embalagens por R$ 2,00. Circula por tudo quanto é canto, com sua cestinha, protegida por um plástico. Figura das mais simpáticas, caladão e no alto dos seus 72 anos, um personagem marcante do Alfredo de Castlho.
UMA FRASE (14)
JOHN DONNE
Muita gente conhece esse curto texto, mas em certos momentos é sempre muito bom reler isso e mais que isso, colocar em prática.

"Quando um homem morre, seu capítulo não é rasgado do livro, mas traduzido em uma linguagem melhor. Vários tradutores são empregados: idade, doença, guerra, justiça, acaso. Mas a mão dele está em cada tradução. E a mão dele tornará a juntar as nossas folhas soltas numa biblioteca onde cada livro ficará para sempre aberto diante de outro. Desse modo, o sino que dobra não está chamando apenas o pregador, mas todos nós. Se nós entendermos a dignidade desse sino que toca de manhã, ficaremos felizes em transformá-lo em nosso sino. O sino toca por quem acredita que ele toca. E apesar de parar eventualmente - porque tocou - está unido a nós. Quem não olha para o sol quando ele nasce? Quem tira os olhos de um cometa quando ele aparece? Quem não procura escutar o sino toda vez que ele toca? Quem pode negar que, enquanto ele toca, um pouco dele e de nós mesmos passa inexoravelmente pelo mundo? Nenhum homem é uma ilha, completo em si mesmo. Cada homem é um pedaço do continente, parte da terra. Se um torrão é levado pelo mar, a Europa fica menor, como se fosse um promontório, como se fosse a casa de um amigo ou a nossa própria casa. A morte de qualquer homem me diminui porque sou parte da humanidade. Portanto, não procure saber por quem os sinos dobram. Eles dobram por ti."

segunda-feira, 3 de março de 2008

UMA CARTA (5)

Ontem, domingo, o Jornal da Cidade publicou algo entristecedor. O grupo Marca, o mesmo que havia feito a Prefeitura Municipal de Bauru desistir de desapropriar a Estação Central, não havia conseguido repassar o prédio para ser instalada a Justiça Federal. Volta-se à estaca zero. Aldo desistimulador para quem está envolvido com as questões de patrimônio cultural na cidade. Havia escrito um texto, repassado para o JC. Como o mesmo não saiu por lá até agora, sai hoje aqui, sem altração do que havia escrito lá atrás.

O ESCRITOR, A FERROVIA E AS ESTAÇÕES

Ignácio de Loyola Brandão é um escritor batuta, leitura feita com grande prazer e contentamento. Cronista de mão cheia, escreve gostoso, histórias que caem no gosto popular. Fala a linguagem do povo. Seus textos são daqueles, cada vez mais raros, onde após começar, deseja-se que não mais terminem. E quando terminam, fica-se com aquele gostinho chato de querer mais. Atualmente, toda sexta-feira, mantém uma crônica semanal no jornal Estadão, na última página do Caderno 2. Loyola fala muito de sua terra natal, Araraquara e da vida passada por aquelas paragens. Relembra velhas histórias, principalmente a vivida com os pais. Quando retorna no tempo, quase que automaticamente, fala muito das ferrovias. Seu pai foi ferroviário e inevitavelmente sua vida teve uma intensa ligação com as ferrovias paulistas. Descobri esse amor pelos trilhos e fui colecionando algumas de suas crônicas sobre o tema. Além dos trilhos araraquarenses, li muita coisa sobre Bauru. E disso tudo, fui juntando essas citações.

Em 30/09/2005, na crônica "Inundação em Bauru e uma tataravó", ele afirma categoricamente que a Noroeste do Brasil" tinha a mais bela estação de todo o interior paulista". Vejam a citação na íntegra: "Neno e Rita eram meus tios de Bauru, ela, irmã de meu pai. Neno trabalhava na Noroeste e tínhamos inveja porque aquela estrada de ferro tinha a mais bela estação de todo o interior paulista, nela se cruzavam três ferrovias: a Sorocabana, a Paulista e a própria Noroeste que ia até a Bolívia. O que terá sido feito daquele prédio incrível, sempre superlotado, com várias plataformas e milhares de pessoas fazendo baldeação?". Escrevemos (em nome da Secretaria Municipal de Cultura) para Loyola, em11/10/2005, dizendo-se sensibilizados: "Devemos muito a ferrovia e aos ferroviários. Por ser pólo administrativo, Bauru herdou um riquíssimo patrimônio de imóveis ferroviários. Parte desse patrimônio foi menosprezado com a privativação das ferrovias. Foram anos de abandono e isso tudo foi muito sentido em todo o interior brasileiro. Em Bauru, com maior intensidade, pois a quantidade de imóveis ferroviários é muito grande. A "mais bela" estação continua imponente, bem no centro da cidade. No entanto, hoje continua fechada e um tanto degradada. Essa estação foi repassada pelo governo FHC aos trabalhadores da RFFSA, numa antiga pendenga trabalhista, onde eles só veriam a cor do dinheiro quando conseguissem vender o prédio. Várias negociações foram iniciadas e nada foi concretizado".

Dissemos também que na época a Prefeitura Municipal, por intermédio de sua Secretaria de Educação tinha reais interesses no prédio, depois desconfirmada pela prioridade requerida pelo Grupo Marca.Fiz um convite para que viesse visitar a Estação, Bauru e nos brindar com uma palestra. Sua resposta, via e-mail foi rápida: "Adorei receber o e-mail e principalmente de saber que está havendo tentativas para se "ganhar" o prédio da estação, de tantas memórias. Se vocês leram a minha crônica de sexta passada e gostaria que lessem, verão como algumas cidades de Minas lutaram e ganharam suas estações. Terei prazer em ir a Bauru, só que esse ano a agenda fechou". As crônicas citadas foram publicadas em 7 e14/10/2005. Na de 7/10, "O cinema de Araguari", escreve: "Acabo de passar por sete cidades do Triângulo Mineiro(...). Em três, a cultura, tendo gente que se preocupa com ela, se estabeleceu em estações ferroviárias desativadas". Na de Monte Carmelo enfatiza: "a estação, pequena e ajeitadinha, teve o carinho da prefeitura que se empenhou e a recuperou, transformando-a em centro cultural, onde acontece de tudo, o tempo inteiro, para todas as idades. Modificou o cenário". Em Araguari viu mais realizações: "Uma Fundação mobilizou o povo, convenceu autoridades e todos botaram mãos à obra. Uns trabalharam no lado político, burocrático e administrativo para liberar o espaço. Outros arregimentaram voluntários, foram para o local e entraram em ação(...). Enquanto isso, arquitetos faziam o projeto de restauração.(...) Quando você chega na cidade contempla a estação, imponente, no espigão de uma colina. À noite, a iluminação a torna magnificente, um palácio. Assim acabou denominada: Palácio Ferroviário".

Em Bauru, no denominado complexo da antiga Estação da Paulista, em edificações já repassadas para a Prefeitura Municipal, atráves de convênio, um grupo abnegado de funcionários públicos faz o mesmo. Com recursos próprios, grande parte do material de construção já foi adquirido, faltando a mão de obra para iniciar um restauro. Mais verbas podem vir através de uma emenda do orçamento proposta pelo deputadoVicentinho (PT/SP) e com um grande projeto idealizado pela Secretaria deCultura, junto à leis de incentivo cultural, como o PAC e a Rouanett. E o sonho, também por aqui, vai, pouco a pouco se transformando em realidade. Um velho e antigo sonho de todo aquele que nutre um carinho especial pelas ferrovias, antes tão pujantes e hoje, menosprezadas e relegadas a um segundo plano.

Loyola já havia anteriormente descrito todo esse fervor ferroviário, numa crônica antológica, de 26/08/2005, dedicada ao pai, intitulada "O homem que amava a ferrovia", quando relebrou: "Os filhos cresceram subindo e descendo de trens, madrugando em plataformas, viajando em todas as férias, sentindo o cheiro da lenha queimada nas fornalhas ou a dos vagões de passageiros impecavelmente limpos e encerados.(...) A ferrovia foi vida, coração e alma de Antônio Maria Brandão. (...) Meu personagem inesquecível". Todos que viveram intensamente a ferrovia, sentem o mesmo e lutam pelo seu ressurgimento ou pela simples restauração e reocupação das edificações de outrora. O escritor segue escrevendo muito sobre sua Araraquara, o interior todo e em algumas outras vezes, Bauru. Acompanhar seus textos é uma espécie de magia, contagiante e inebriante. O faço com o máximo de prazer. Volta e meia, lá está a citação de nossa cidade, como na crônica de 19/10/2007,"Cachoeira de manga rosinha", quando volta ao assunto: "Tenho visto por todo o país estações ferroviárias reativadas de outra maneira, já que os trens morreram. Lembrei-me de Araguari, de Araxá, pensei em Bauru, com aquele prédio que era dos mais belos. Como estará? A prefeitura tinha conseguido comprar.Fez alguma coisa? Teve verba? Cultura não tem verba, o dinheiro é para comprar deputados e senadores". Loyola ainda não sabe, mas a Prefeitura não conseguiu comprar aquela estação. O grupo Marca que havia iniciado as negociações com os trabalhadores, donos do imóvel, alegando prioridade inviabilizou sua desapropriação. Após quase virar um polêmico shopping, nova perspectiva desponta com a iniciativa de ser transformada na sede de Tribunais de Justiça, sendo mantidas todas suas características arquitetônicas. A cidade, por enquanto, continua aguardando pacientemente
pelo desdobramento final.

Se nessa, a Prefeitura pouco pode intervir, em outra já existe uma intervenção definida. Na Estação da Paulista, outra muito imponete, irá se repetir tudo aquilo que Loyola presenciou com as estações mineiras e hoje, com diferentes escalas, em várias cidades do interior paulista. Ambos os projetos, tanto o da estação Central, como o da Paulista, localizadas no coração da cidade, passam pelo da revitalização do centro da cidade e vão ajudar a dar uma cara nova para essa degradada região. Se o escritor ainda não sabe disso pessoalmente, em breve tomará conhecimento in loco, pois acaba de confirmar sua vinda para Bauru, em 16/04, quando ministrará palestra na Feira do Livro Infantil. Não escapará de percorrer todas essas edificações ferroviárias, matando assim, além da saudade, a curiosidade sobre o futuro de nossas "belas" edificações ferroviárias. Estaremos todos à sua espera.

HPA, escrito em 20/02/2008

domingo, 2 de março de 2008

UMA MÚSICA (18)
RODA MORTA - ZECA BALEIRO
Zeca nos faz pensar e escancara algumas verdades, daquelas que estão diante de nossos olhos, mas alguns insistem em não ver. Para quem está totalmente inserido nesse mundo onde o ter cada vez mais é o grande negócio, entender o que nos diz essa letra do CD "O Lado Z", 2007 é talvez uma tentativa de repensar um modo de vida, uma postura... A letra é de Sérgio Sampaio e Sérgio Natureza. Sintam o clima:

O triste disso tudo é tudo isso
Quer dizer tirando nada
Só me resta o compromisso
Com os dentes cariados da alegria
Com o desgosto e a agonia
Da manada dos normais
O triste em tudo isso é isso tudo
A sordidez no conteúdo
Desses dias maquinais
E as máquinas cavando um poço fundo
Entre os braçais eu mesmo e o mundo
Dos salões coloniais
Colônias de abutres colunáveis
Gaviões bem sociáveis
Vomitando entre os cristais
E as cristas desses galos de brinquedo
Cuja covardia e medo
Dão ao sol um tom lilás
Eu vejo o mofo verde no meu fraque
E as moscas no conhaque
Que eu herdei dos ancestrais
E as hordas de demônios quando eu durmo
Infestando o horror noturno
Dos meus sonhos infernais
Eu sei que quando acordo eu visto a cara
Falsa e infame como a tara
Do mais vil dentre os mortais
E morro quando adentro o gabinete
Onde o sócio e o alcagüete
Não me deixam nunca em paz
O triste em tudo isso é que eu sei disso
Eu vivo disso e além disso...
Eu quero sempre mais e mais

sábado, 1 de março de 2008

RETRATOS DE BAURU (14)
PH, O HOMEM CINEMA

PH é essa figura boníssima aí das fotos. Ninguém, ou quase ninguém, o conhece pelo nome de batismo, Paulo Henrique. Já, PH é demais conhecido por todas as galeras e thurmas da cidade. Circula em todas e se faz ver e ouvir. Quando o assunto é cinema, lá está o vibrante e entusiasta PH (sócio fundador e primeiro presidente da refundação do Cine Clube de Bauru), quando o tema é gibis, catedrático no assunto, marca presença (trabalha hoje na Gibiteca, junto a Biblioteca Pública Municipal), quando o tema da rodinha é música, ele dá seus pitacos certeiros e decisivos. Não existe outro igual, um grilo falante do bem, daquele tipo que todos gostam de ter como amigo, pois sinceridade é como ele mesmo. Outra coisa, não tentem alterar o ritmo do Ph, ele tem o seu e não adianta vir com pressa, agitos, desespero. O melhor mesmo é acabar se enquadrando no dele. Se querem saber a idade do gajo, nem eu não sei, mas sei que ele continua com essa carinha desde que conheço por gente.
UMA ALFINETADA (21)
Escrevi o meu último Memória Oral e logo a seguir ouço a história de L. Percebo que uma tem muita liga com a outra e que precisam ser lidas juntas. Tentem fazer isso, depois me contem...
A HISTÓRIA DE L.
Gosto demais da trajetória de vida do ex-assessor de imprensa daPresidência da República, o jornalista Ricardo Kotscho. Vida profissional brilhante e pautada sempre pela ética. Num certo momento de sua vida decidiu dar um basta na correria e seguir adiante com novo direcionamento.Lançou ano passado o livro “Uma vida nova e feliz... sem poder, sem cargo, sem carteira-assinada, sem crachá, sem secretária e sem sair do Brasil”(Ediouro, 2007), demonstrando como foi o novo direcionamento de sua vida, pautada no “é possível ser feliz vivendo com muito menos, sem o stress diário e com maior dedicação à família, amigos e a simplicidade do dia adia”.

Por outro lado, acompanhei essa semana o desenlace de uma outra história, a de um amigo dos tempos de universidade, o L. A lembrança que tinha dele era a de um estudante envolvido com as causas sociais mais avançadas, ditas de esquerda. Depois da universidade, cada um seguiu seu caminho e perdi o contato. De vez em quando o reencontrava, era um simples cumprimento, um alô, nada mais. Agora ouço algo a respeito desse período sem notícias. L. havia conhecido uma garota burguesa, da sociedade de uma cidade vizinha. A família só fazia gosto de ver a filha casada com alguém cheio de grana. Não era o caso dele, porém conquistou a moça e acabou no altar, integrando-se de corpo e alma ao espírito do que recomendava a família dela. Mudou de vida e estilo. A noiva chegou na igreja de limousine e o casal passou a acumular capital. Chegaram a ter várias escolas particulares, viviam nas rodas sociais e prosperaram dentro dos padrões da elite nacional.

Como quem tem muito, sempre quer ter mais, surge um novo sócio e investem mais. A trajetória traçada não deu lá muito certo e a sociedade acabou desfeita. Cada um para o seu lado, tendo L., com os bolsos cheios voltando para Bauru. Por aqui, loca um ponto comercial, constrói ali um grande empreendimento, investindo uma grana preta. O retorno não veio e passado alguns meses as portas se fecharam drasticamente.Bancarrota financeira, investimento perdido, problemas mil, cabeça em parafuso, o refúgio encontrado foi numa igreja evangélica. A que lhes deu abrigo é daquelas onde as mulheres ficam de um lado e os homens de outro. Mudança radical de vida e de postura. Aquele ex-jovem revolucionário agora estava em outra. A cabeça é outra. Ele tenta se reerguer, segue o que lhe dita a tal igreja, num caminho diferente do proposto por Kotscho, que diminuiu o ritmo, porém continuando em ação. No seu caso, arriscou cada vez mais, queria mais, lutou por mais, achando que ter cada vez mais era a grande coisa de sua vida. Prefiro, cada vez mais, agir como Kotscho e viver.

Henrique Perazzi de Aquino, 47 anos, um que nunca teve nada na vida e que não busca ter. Quer apenas e tão somente tocar a vida sem sobressaltos, fazendo e acontecendo.