terça-feira, 30 de outubro de 2007

MEMÓRIA ORAL (09)

TIROTEIO NA LAN-HOUSE
O jogo é uma realidade dentro do dia-a-dia de uma imensa legião de jovens e adolescentes. Não, não pensem que esse jogo é o futebol. Experimentem entrar numa lan-house, em qualquer horário e logo saberão a que estou me referindo. Eu frequento algumas aqui em Bauru e na grande maioria delas, a "molecada" faz parte daquela clientela considerada fiel, batendo cartão todo santo dia, com uma finalidade bem específica: os jogos no computador. E, na sua grande maioria, jogos onde o que predomina é a violência.
A febre foi começando aos poucos e hoje infesta esses estabelecimentos. No começo, levei um grande susto. Um barulho danado ao meu lado, com um deles gritando: "Matei, matei..." Do outro lado, a resposta era mais assustadora: "Acertei o coração, sangrei o desgraçado." Tudo num clima de muita algazarra, me fazendo levantar e espiar o que se passava nos computadores ao lado. Eles, simplemente comemoravam entre si a morte dos personagens dos jogos. É um verdadeiro clima de festa conseguir eliminar de vez, matar o perseguido. Braços erguidos, urros e mais urros, além da troca de abraços. Parei, olhei estupefato para os os lados e me achei um "estranho no ninho" naquele ambiente, pois logo a seguir descobri que até o dono do negócio participava dos jogos.
"Eu acabo entrando no clima. Quando o movimento está fraco, saio detrás do balcão e vou para a frente do computador. Só não grito igual a eles, mas que é bastante contagiante é, não tenho como negar. Não tem como não vibrar ao passar pelas etapas dos jogos", diz esse mesmo dono. Finjo estar compreendendo tudo e achando o que ouço a coisa mais normal do mundo. Essa mesma pessoa, que prefiro não identificar (não é essa a intenção do texto), me coloca observando a chegada dos frequentadores. São umas 16h de sábado e a grande maioria chega com o dinheiro contado. Ele me explica, que "com cinquenta centavos ficam quinze minutos jogando. Pagam antecipado, eu registro o tempo por aqui e quando dá o tempo, o sistema desliga sózinho. Quando eles percebem que o tempo está esgotando, gritam pedindo mais quinze minutos. Registro aqui e vou lá na máquina buscar a moeda."
São vários os jogos instalados nas máquinas e deve ser esse o carro-chefe das lan-houses de hoje, pois em algumas que frequento, a tela de apresentação tem estampado cenas desses jogos. Com o passar do tempo, após semanas naquele ambiente, o barulho já não te inquieta tanto e você acaba ficando isolado abrindo e-mails, entrando em sites e baixando documentos. Tudo isso, muito enfadonho para essa nova geração, em sua maioria constituída de meninos, mas também contando já com uns 20% de meninas. Alguns jogos podem até possuir boas narrativas, mas a grande maioria passa longe disso, sendo pura pancadaria e um cenário de caça, onde os pontos são acumulados com a morte. Um deles acaba me contando mais: "Se você não matar bem matado, não acertar no coração ou na cabeça, o cara mesmo ferido, ainda consegue te atingir." Se isso é só um jogo, acho que aquilo que praticava com a mesma idade, com pipas, botões e bodoques era história de carochinha.
As novidades se sucedem e a última foi que, ao pagar meu gasto, o dono me chama de lado, mostrando um rapaz e um senhor de idade deixando o local: "São pai e filho. O filho está quase todo dia aqui, hoje trouxe o pai. Eles baixaram por quase duas horas um monte desses jogos. Pagaram a gravação e levaram para jogar mais em casa. Não permito que baixem os que tenho gravado no sistema, mas os que conseguem gravar da internet eu não tenho como proibir. Faz parte do meu negócio." Tem disso também, a própria família incentiva isso dentro de casa. Vão sentar juntos diante do sofá e se esbaldarem com aquele "divertimento".
Não sei se estou vendo coisas, mas vejo isso como um prejuízo irreparável para toda uma geração, vivendo com os olhos grudadinhos nas telas de computadores, criando barriga e tendo suas mentes deformadas. Tem quem não pense assim e ouço algo diferente de um senhor de uns 50 anos, também frequentador de uma lan-house: "Eles estão apenas vivendo uma história de aventura, matando o tempo livre." Pra começo, prefiro matar meu tempo com coisa mais saudável e desqualifico essa incomensurada jogatina como algo que poderá lhes trazer algo de útil. De fútil, com certeza. E de aprendizado então, nem pensar, pois não vislumbro aprendizado nenhum ali. Fui mais longe e dei uma espiada no livro "Arte do videogame – Conceitos e Técnicas", do professor da USP, Jesus de Paula Assis (editôra Alameda, 96 páginas, R$ 24), lá enontrando: "O interesse não estaria na dificuldade de manipular a máquina ou na aquisição de pontos a cada fase, mas na fantasia que o jogo desperta ao ser manipulado." Uma fantasia e tanto, fico a divagar.
Percorro várias dessas casas e em quase todas o mesmo cenário. Não importa se o estabelecimento é mais luxuoso, com poltronas de couro e almofadadas, com divisórias separando os clientes ou se o acento é uma simples cadeira de madeira e as máquinas são dispostas lado a lado, nada impedindo um usuário de observar o que o outro faz ao seu lado. O som produzido é idêntico, tanto no ambiente mais abastado, como dentre os frequentadores que trazem o dinheiro contado. O intuito é o mesmo, jogar e ficar matando gente na telinha luminosa. A febre contagia todas as camadas sociais, produzindo estragos já sentidos no linguajar e na reação a certos acontecimentos ocorridos fora das salas de jogos, envolvendo a violênciado dia-a-dia.
Ousei abordar alguns desses garotos, não como se os estivessem entrevistando, mas num bate-papo, de quem estava interessado no que faziam. De um deles ouvi o seguinte: "Bandido tem mesmo é que morrer. Encurralo eles e passo fogo. Não tenho dó." Alongo a conversa e consigo transferi-la para a relação com o clima de violência de nossas ruas. Ele nem pensa muito para me responder: "É igualzinho aqui. Prender essa gente pra que? Mata logo, eles não prestam e se te pegam farão o mesmo." Estava diante de um meninão de uns 14 anos, de camiseta e bermudão largo, com chinelos havaianas nos pés. Não ousei perguntar o que havia achado do filme Tropa de Elite, pois acreditava já saber a resposta.
Por fim, encontro um local diferente, no centro da cidade, onde não vejo a meninada gritando e matando tudo o que encontra pela frente. Estranho o silêncio e abordo o dono, que me diz: "Não instalei jogos nesses computadores. Preferi atingir um outro público aqui no centro e me dou bem sem aquela barulheira." Também frequento esse, não tendo como deixar os demais, pois nesse as portas se fecham às 19h, quando a violência das ruas aumenta e o dono, com mêdo do que acontece com o deserto que fica o centro da cidade após o fechamento das lojas, prefere ir para casa mais cedo. Uma bela contradição, num a violência está instalada dentro do local e no outro, a violência de fora ameaça os que estão dentro. Pirei...
OBS.: As fotos são ilustrativas e não possuem a intenção de identificar locais, muito menos usuários. A última foto é desse escriba, sentado em uma lan-house, dentre as muitas de sua preferência.

Henrique Perazzi de Aquino, escrito em 30 de outubro de 2007.
UMA FRASE - GILETE PRESS (5)

"Não fiquem lendo muito. Vivam, namorem. A natureza nos deu órgãos maravilhosos para comer, cheirar, amar. É gostoso."

"Há muita gente especializada que, sem ser sábio, sabe alguma coisinha. O diabo é que, quanto mais aprofundam no saber do que sabem, mais ignorantes ficam do resto. E o resto é o mundo todo."

DARCY RIBEIRO, antropólogo, escritor, criador dos CIEPs, namorador inveterado, ex-senador e ex-vivo, no lançamento do livro "Noções das Coisas", numa celebração de sua molecagem (1995).

domingo, 28 de outubro de 2007

FRASES DE UM LIVRO (3)


"O MELHOR DAS COMÉDIA DA VIDA PRIVADA", DO LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO
Editora Objetiva RJ, edição de 2004


Hoje é domingo, o sol fervilha tudo aí fora. Eu aqui, recluso no meu mafuá, fervo por dentro e por fora e não quero nada com a seriedade. Posto aqui algumas poucas frases retiradas de mais um livro do Veríssimo, que li ano passado. Servem para as mais variadas reflexões:


-"...mulher que volta um dia antes está pedindo para encontrar o marido com uma Rosamaria. A segredo de um bom casamento é: nunca voltar um dia antes."

-"Nenhum homem com mais de 40 está livre de ver aparecer uma Regininha em sua vida".

-"A mentira é necessária. Sem a mentira, a vida social seria impossível. Sem a mentira, muitos casamentos não resistiriam duas semanas."

-"Nada que acontece ou deixa de acontecer numa viagem de núpcias é tão terrível que não possa ser resolvido com tempo, compreensão ou terapia."

-"É preciso dizer que estávamos naquela brumosa terra de ninguém, que fica depois do décimo ou décimo quinto chope. Tão brumosa que não dá mais para distinguir entre o décimo e o décimo quinto."

-"Quando alguém começa a frase com: 'Eu não sou racista, mas...', você pode estar certo de que o que segue será uma declaração racista que desmentirá espetacularmente o seu preâmbulo. Ninguém é mais racista do que quem começa dizendo que não é."

UMA DICA DE LEITURA (6)
Tem quem fique com a orelha em pé de ficar dando dicas argentinas por aqui. Para eles, um grande e sonoro Bah! O que é bem feito, de qualidade, com um texto primoroso tem que ser valorizado, esteje onde estiver. é o caso do jornal argentino Página 12, um diário que, circula com uma linha de pensamento bem dentro do que penso. Gosto de abrir o site deles diariamente e viajar por aqueles textos todos, principalmente dar uma olhada com mais carinho e atenção para as capas que eles fazem. São muito belas e poucos no Brasil produzem algo nesse sentido, principalmente no quesito imprensa diária. Acho que o Correio Braziliense faz algo nesse sentido no Brasil.
A dica tem hoje vários sentidos. Uma delas é enaltecer e salientar que, hoje lá para os hermanos é um dia muito especial, pois ocorre a eleição presidencial e como a capa de hoje deixa claro, é dia de "Perfume de mulher". Isso mesmo, a Argentina depois de anos e anos de muita bagunça, parece que com o último governo entrou nos eixos e o resultado está aí. A senadora e esposa do atual presidente está levando a eleição no primeiro turno, de lavada. Se estivesse lá, votaria nela, pois a Argentina, como o Brasil, quer queiram ou não os detratores de plantão, são outros países.
Quanto a dica, o site do jornal (http://www.pagina12.com.ar/), possibilita você acessar todas as suas edições anteriores e para quem tiver um pouquinho de tempo, vale muito a pena ir vendo a maravilha que eles produzem. Fica a dia para alguns jornais daqui, principalmente os pequenos (escrevo num deles, o Alfinete, de Pirajuí), que não fazem boas primeiras páginas. O Página 12 é um bom exemplo a ser seguido.






sábado, 27 de outubro de 2007

UMA MÚSICA (7)
Essa letra quilométrica fez a minha cabeça desde a primeira vez que a ouvi.
Fiquei maravilhado com a entonação da voz do Emilio Santiago cantando isso, de uma golfada só e logo após eu também estar completando os meus 40 anos. Depois ouvi com a bela voz (uma das mais lindas) da Leny Andrade e depois na própria do Altay Veloso, o autor, um músico maravilhoso lá de São Gonçalo e do Brasil. Tenho as três versões no meu mafuá. Resolvi colocar a letra aqui, pois quem irá completar 40 Anos é a dileta amiga Gisele Pertinhes (falo dela aqui em breve), que fez algo assim em sua festa. Colou na parede do salão fotos de todos os que viajaram com ela pelos 40 anos de sua vida. Não tinha como não se lembrar dessa letra maravilhosa.
40 Anos (Altay Veloso/Paulo César Feital)

São 40 anos de aventuras
Desde que mãe teve a doçura
De dar a luz pr'esse seu nego
E a vida cheia de candura
Botou canção nesses meus dedos
E me entregou uma partitura
Pra eu tocar o meu enredo
Sei que às vezes quase desatino
Mas esse é o meu jeito latino
Meio Zumbi, Peri, D. Pedro
Me emociona um violino
Mas também já chorei de medo
Como chorei ouvindo o Hino
Quando morreu Tancredo
Dos 40 anos de aventuras
Só 20 são de ditadura
E eu dormi, peguei no sono,
E acordei no abandono
meu país tava sem dono
E eu fora da lei
E me apaixonei por Che Guevara
Quase levei tapa na cara,
Melhor é mudar de assunto
"Vamo" enterrar esse defunto
Melhor lembrar de "Madalena"
De Glauber Rocha no cinema
Das cores desse mundo
Jimmy, Janis, Joplin e John Lennon
Meu Deus, o mundo era pequeno
E eu curtia no sereno Gonzaguinha e Nascimento
O novo renascimento
Que o galo cantava
"Ava Canoeiro", "Travessia"
Zumbi no "Opinião" sorria,
De Elis surgia uma estrela
Comprei ingressos só pra vê-la
Levei a minha namorada
Com quem casei na "Disparada"
Só para não perdê-la
Lavei com meus prantos os desatinos
Pra conversar com meus meninos
Sobre heróis da liberdade
De Agostinho de Luanda
A Buarque de Holanda
Foram sóis na tempestade
Mesmo escondendo tristes fatos
Curti o tricampeonato
Meu Deus, também sou batuqueiro
Pois eu nasci em fevereiro
E o carnaval tá no meu sangue
Sou dos palácios, sou do mangue,
Enfim sou brasileiro
Sou Ayrton Senna, eu sou Hortência
Dou de lambuja a minha vidência
Não conheço maior fé
Que a de Chico Xavier
Que para Deus já é Pelé
Que é o nosso rei da bola
Quem tem Raoni, tem Amazônia
Se está sofrendo de insônia
É por que tem cabeça fraca
Ou está deitado eternamente
Em berço esplêndido, ou é babaca,
Ou está mamando nessa vaca
O leite dos inocentes
Vamos ensaiar, oh... minha gente,
Botar nosso Brasil pra frente
Laia, laia, laia, laia, Laia, laia, laia, laia, Laia, laia, laia, laia..........................
Obs.: O Altay Veloso é um letrista e músico da pesada. Tem letras maravilhosas e produz coisas fantásticas, como a recente ópera "Abalê de Jerusalém", que faz o maior sucesso no Teatro Municipal do Rio de Janeiro. É uma das mais fascinantes obras da atualidade, com uma bela e inspirada construção musical. O negócio é o seguinte: É a história do africano Ogundana, que viveu há mais de 2000 anos atrás, contada em nossos dias por ele mesmo, que hoje é uma entidade espiritual chamada Abalê de Jerusalém, que num dia de festa, num templo de religião da matriz africana, retorna a terra para contar sua história. Vamos ouvir falar muito desse belo trabalho. Quem quiser conferir mais acesse: www.olabeloja.com

quinta-feira, 25 de outubro de 2007

UMA ALFINETADA (7)



ODE A AMIZADE
Amigo é algo mais sério do que imaginamos. Raridade pura. Dificilmente alguém hoje em dia os possua em quantidade maior do os dedos das mãos. Ou melhor, de uma delas. E quem tem cinco amigos verdadeiros, fiéis, paus para toda obra, podem se dar por satisfeito. Eu tenho alguns e faço de tudo para preservar esse relacionamento. Esses poucos sabem mais de mim do que meus próprios familiares, pois são meus confidentes, trocamos juntos figurinhas, idéias, planos e na grande maioria das vezes, comungamos da mesma linha de pensamento. Não consigo viver isolado e ter alguém ao meu lado, nos bons e maus momentos é algo primordial.

O mundo em que vivemos é muito cruel. Ele facilita o distanciamento entre as pessoas, favorece o isolamento e aumenta a tristeza coletiva. A disputa por uma fatia do mercado de trabalho e a luta pela sobrevivência é algo que já faz parte da rotina do nosso dia-a-dia e incentiva o individualismo. Parece até que não nos querem mais ver alegres, sorridentes e fraternos uns com o outro. A insensibilidade prevalece na maioria de nossas ações. Não temos mais tempo para os outros. Ou seja, o sistema de vida que estamos submetidos nos torna cada vez mais tristes, apáticos e sem forças para reagir. E assim “eles” nos fazem de “gato e sapato”.

Essa competição fratricida que estamos submetidos é altamente prejudicial para tudo, principalmente para nossa saúde. Perdi muitos amigos novos, que acabaram tendo um “periquipaco” antes da hora. Seus corpos foram acumulando o mal desses tempos; as derrotas, fracassos, insucessos, insegurança, inconstância e num dado momento explodiu tudo. Alguns morreram, pois eram caixas de acúmulo, não dividiam nada e o corpo não agüentou mais o tranco. Uns piraram e continuam vivendo num mundo totalmente à parte. Outros se entregaram à bebida e as drogas e acham que estão fugindo. Quando pinta o problema, correm para o copo. Tem aqueles que se deixaram levar por seitas de discursinhos “cerca Lourenço” e continuam penando no paraíso (que, com toda certeza, é aqui mesmo). Tem aqueles que foram cooptados pelo sistema, se deixaram levar, fecharam os olhos e vivem como gados, sem força e condição de reação.

Alguns mais fortes resistem, remam contra a maré, mas não entregam os pontos. Sofrem pra caramba, mas não se vergam diante das adversidades. Esses são imprescindíveis. É cada vez mais difícil manter essa postura nos dias de hoje, quando tudo conspira para sermos gado, seguir a cartilha do conformismo e da resignação. Tenho exemplo para todos esses segmentos e tive/tenho amigos em todas essas situações, porém, me identifico mais com os que resistem e pegam o “touro à unha e matam um leão por dia”. A esses minha admiração eterna. Viva a resistência.

Henrique Perazzi de Aquino, 47 anos, adepto de muita conversa pela Internet, mas não dispensando um papo olho-no-olho e uma relação cheia de muito contato físico.

ps.: O desenho lá de cima foi chupado do livro antológico do LAERTE, o "Ilustrações Sindicais", aquele que permite o Gilete Press.

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

MEMÓRIA ORAL (8) A ALMA ENCANTADORA DAS RUAS
Esse título aí em cima é velho conhecido de quem gosta de crônicas sobre personagens populares de nossas ruas. Acabou dando nome a um dos livros mais famosos do cronista João do Rio (1881-1921), justamente o que fazia uma ligação, "uma janela através do qual contemplava as glórias e misérias do Brasil republicano" (prefácio do livro). São textos deliciosos, publicados na imprensa carioca entre 1904 e 1907, expondo a psicologia urbana de tipos até então meio que ocultos dentro da capital da República. São pura exaltação à rua e seus personagens, como o autor fez questão de deixar claro logo nas primeiras páginas, no texto A Rua: "Nós somos irmãos, nós nos sentimos parecidos e iguais; nas cidades, nas aldeias, nos povoados, não porque soframos, com a dor e os desprazeres, a lei e a polícia, mas porque nos une, nivela e agremia o amor da rua". O tempo passou e muita gente hoje em dia faz o mesmo, retrata os tipos que vivem no seu mundo, "na sua aldeia", querendo de uma certa forma que eles se eternizem. Livros e livros sobre o tema existem aos borbotões, além de teses e trabalhos particulares. Cada iniciativa é revestida de muita curiosidade e interesse, principalmente dentro da comunidade da qual sairam os personagens retratados.
O caso se repete aqui em Bauru e nome escolhido para um projeto na área é justamente, "A alma encantadora das ruas", numa clara e evidente remissão ao escritor João do Rio, uma espécie de patrono do projeto. Tudo por aqui nasceu da cabeça de alguns frequentadores do Cine Clube Aldire Pereira Guedes, que tinham em mente contar a história de personagens das ruas de Bauru e acabaram criando a Laboratório Filmes. O negócio vingou e Tiago Rezende de Toledo, 25 anos, recém formado em jornalismo pela UNESP, conseguiu emplacar o primeiro projeto, retratando uma das pessoas mais populares da cidade, o pregador evangélico Varme de Oliveira, 70 anos, muito conhecido por todos, pois está presente, com sua inseparável bíblia debaixo do braço, terno escuro e muita simpatia, na mais famosa praça da cidade, a Rui Barbosa, onde fez seu ponto maior de pregação e louvor. Não existe quem não o conheça.
"O documentário foi feito da forma mais improvisada possível. Foram dois dias acompanhando seu Varme, com uma câmera emprestada e os amigos na produção. A edição e finalização fiz em casa e arquei com todos os custos", conta o diretor Tiago. A escolha do personagem foi quase que automática, pois Tiago o via quase diariamente pelas ruas. Quando a idéia do Laboratório floresceu, tendo a rua como elo de ligação em todos os filmes, o pregador foi logo lembrado e todos concordaram. A constatação seguinte feita pelo diretor, foi a de que seu Varme não era um mero pregador, um louco, um fanático, como alguns o viam: "Descobri que ele é uma pessoa muito interessante. Ele tem plena consciência de tudo o que faz e após as conversas, conheci outra pessoa, alegre, comunicativa e com um vocabulário diferenciado".
O nome desse primeiro documentário, "O lobo não come capim" saiu de uma pregação ouvida, onde seu Varme afirma que o lobo, quando na espreita de sua vítima, finge comer capim, só para poder atacar e devorar seu alvo. E assim, ele diz, ocorre o mesmo na vida real. O Cine Clube tem sessões semanais no Automóvel Clube, um antigo clube da cidade, hoje ocupado pela Orquestra Municipal e com um auditório para até 300 pessoas, local também escolhido para o lançamento do documentário. Quinta-feira, 18/10, uma pequena festa foi montada e muita gente foi convidada. Por volta das 20ho salão já recebe um bom público e quem falta chegar é justamente o homenageado. Muitos evangélicos estão distribuidos entre os presentes, convidados pelo seu Varme, que havia feito um boca-a-boca sobre o filme. Silvio Luiz Vieira, presidente do Cine Clube estava radiante com a receptividade: "É um grande dia para o Cine Clube, que hoje já possibilita alternativas, além dos filmes semanais. Tenho certeza de que o projeto ganhará pernas próprias e patrocinadores. O Tiago acertou em cheio na escolha do primeiro homenageado."
Passando um pouco das 20h30, o horário previsto para início da exibição do filme, quando Tiago já tentava um contato, eis que desponta caminhando pela praça em frente, seu Varme. É recebido nas escadas de entrada e segue cumprimentando a todos. Circula esbanjando alegria entre as cadeiras, abraçando os mais próximos e com palavras efusivas aos conhecidos. PauloHenrique, o PH, mestre de cerimônia do evento, diante do atraso, agiliza a exibição do filme, anunciando um bate-papo no final. São aproximadamente 30 minutos, onde por iniciativa do diretor, quem se sobressai no trabalho é o personagem escolhido, sem interpretações outras, a não ser a atuação dele nas ruas e sua fala em uma entrevista feita em sua própria residência.
O resultado foram longas palmas ao final. Varme tem a palavra e o faz na forma de uma acalorada pregação, bem ao seu estilo, circulando com o microfone na mão: "Ninguém esperou tanto por esse momento como eu. Se nós contássemos com esse evento, como coisa certa, o nosso Deus não permitiria que ele acontecesse da forma como me propiciaram hoje." Ele estava radiante e o tão esperado momento estava acontecendo, bem ali diante dos olhos de todos os presentes. Tiago falou a seguir, respondeu perguntas, esclareceu sobre o projeto num todo e deixou novamente bem claro, que estavam todos diante de uma primeira etapa, onde "seriam retratados, não só os tipos populares, como também as pessoas desconhecidas, dependendo davisão e abordagem de cada diretor. Pelo menos mais seis projetos devem sair do forno, na sequência."
O contentamento estava estampado na face dos idealizadores e isso foi repassado para todos os presentes, numa confraternização feita num coquetel a seguir. O objetivo tinha sido alcançado e além de buscar a identidade das edificações, moradas, economia e planejamento de uma cidade, o que aconteceu foi muito além, retratando a vida de uma pessoa, sua história e diferenciados afazeres. A alma das pessoas, que vivem e habitam o centro urbano de Bauru estava ali estampada e exposta. Havia ainda muito para ser conversado naquela noite e o papo foi estendido para um bar, não tendo hora para acabar. Com certeza, os rumos edirecionamentos dos próximos passos foram ali alinhavados .

Obs.: as fotos são de autoria de Antonio Carlos Vieira

Henrique Perazzi de Aquino, escrito em 22/outubro/2007.

segunda-feira, 22 de outubro de 2007

UMA MÚSICA (6) - "BUENOS DIAS, AMÉRICA", COM MIÚCHA


Essa sempre marcou presença no meu mafuá, desde aquele comemorado LP com, nada menos que, Vinicius de Moraes. Adoro ela cantando "Santo Amaro", que faz a trajetória do bucólico (sic) bairro carioca, com letra do Aldir Blanc. Como ela vai estar em Bauru amanhã, terça, 23/10, nada melhor do que escolher uma dentre todas as que ouço regularmente e publicar aqui. Nessa, escolhida a dedo, ela prega algo mais do que necessário nos dias atuais, a integração latino-americana, cantando juntamente com o cubano Pablo Milanés:


"Abri os olhos sussurrando uma nova canção/ Minha janela se banhou de sol/ E vou buscar lá fora uma razão/ Pra tanta emoção.
Siento que todo está cambiando al nuestro alrededor/ Respiro um aire cada vez mejor/ Que exalta el grito de mi corázon/ Hacia esta región.

Me he despertado susurrando una nueva canción/ Y mi ventana se lléno de sol/ Salgo a buscar el hecho y la rázon/ De tanta emocón.

América, despierta nuevamente/ Y no és que sea feliz su despertar/ Pero és que esta manãna se le advierte/ Su decición unida de la luchar/ No dejará al destino y a la suerte/ La deuda que le tienen que pagar/ Si enriqueció otras vidas com su muerte/ Hoy renace y al fin ha hechado a andar.

Buenas/ Buenos dias, America/ Como estas/ Muy buena.
Buenas dias, America/ Buenos dias, como esta usted.
Buenas dias, Brasil, mi gigante/ Cuanto tienpo si ti, adelante.
Buenas dias, amigos de Cuba/ Estamos juntos, hermanos yoruba.

Nicaragua sin Somoza/ Haiti, la negra llorando está.
Nicaragua sin Somoza/Sigue mas hermoza que ayer/ Colobia, Ecuador, Uruguay, Venezuela, Argentina/ Van creciendo para hacer lo mejor/ Buenas/ Buenos dias, America/ Como estás?/ Muy buena/ Una larga fila de arboles gigantes/ Contra el viento del norte brutal y arrogante/ Mientras le imploro y lo adulo/ Me ha de cojer por el cuello/ America mia, nos vas aqui la vida para crecer/ La inión de la dignadad genera la libertad/ De una vez.

Colombia, Ecuador, Uruguay, Venezuela, Argentina/ Van creciendo para hacer lo mejor/ Me he despertado susurrando uma nueva canción/ Y mi ventana se llenó de sol/ Salgo a buscar el hecho y la razón/ De tanta emoción/ Buenas/ Buenos dias, America/ Como estas/ Muy buena.


* a letra foi subtraída do LP, "Miúcha", da própria, Continental, 1988.

domingo, 21 de outubro de 2007

UMA FRASE - GILETE PRESS (4)

A LIBERDADE DE IMPRENSA
"Sim, uma das coisas que aprendera nesses anos todos é que a missão do jornal não era em nenhum momento dizer a verdade, mas sim fabricar um tipo de verdade que incluisse o pânico, o ódio, a frustração, ou a euforia, a ambição e a esperança, ou complicada mistura desses elementos, de acordo com a vontade dos proprietários do jornal ou da pátria. Cada frase, cada foto era arrumada nas páginas com uma determinada intenção: emocionar, fazer rir ou chorar, deixar trêmulos de mêdo e ansiedade os oprimidos, e informar aos privilegiados através de códigos cifrados e pessoais, sobre o que eles deviam temer, ou contra quem deviam lutar - sim, o jornal tinha apenas um objetivo: contribuir para que o mundo dos poderosos se firmasse, já que dependia exclusivamente deles, dos que podiam pagar e comprar. Toda uma intrincada relação de compra e venda, portanto, fazia com que o jornal chegasse diariamente às bancas. E aos inocentes restava somente acreditar, folhear uma a uma aquelas páginas ainda úmidas de tinta e acreditar que aquele, o das notícias, era realmente o mundo em que viviam." AGUINALDO SILVA (o mesmo da novela Duas Caras), pela voz de um dos personagens do livro A REPÚBLICA DOS ASSASSINOS, 1976.
UMA ALFINETADA (6)



A TROPA E A CPMF
Tudo de uma só vez deu uma embolada na minha cabeça. Depois de ter
digitado minha senha bancária no microondas, já estava mesmo acreditando
ser necessário dar um breque e ficar indiferente a alguns acontecimentos.
Porém, uma úlcera me dilacera por dentro e o incômodo continua, pois tudo
segue como “dantes no quartel de Abrantes”. A sobrevivência dentro da
insensatez (lembram-se do poeta?) humana é algo que beira às raias do
inconcebível.


Assisti, como quase todos, o filme Tropa de Elite. Em primeiro lugar, sem
hipocrisia, confirmo que comprei sim, de um camelô, um piratão. Repassei
para alguns amigos e acabei vendo mesmo foi no cinema. Não tenho traumas
dos piratas, pois essa é ainda uma das únicas formas de o filme ser visto
coletivamente pelos que não entram em shoppings. Por outro lado, não sou
daqueles que endeuzam o capitão Nascimento como Salvador da Pátria, longe
disso, pois o que ele faz é tão fora da lei como o que ele combate. Crime
por crime, ambos são predatórios e muito perigosos. Tenho receio é da
fascistização a que estamos sendo submetidos, cada vez mais, sendo o filme
um fio condutor de mais intolerância e distância entre as classes sociais.
Ficando quietos agora, logo adiante a classe média vai exigir nas ruas
mais Bope e cada vez menos direitos humanos. Milícia é algo perigoso
demais e inspirados nesses “heróis de preto”, caminhamos para um mundo de
muita insegurança e incertezas. Esse Bope, decididamente, não é a solução
que precisamos para nossa polícia.


Eu sou mesmo um assumido chato de galocha, daqueles que se metem em tudo,
principalmente onde não é chamado. Ando pela hora da morte com a
insensatez (olha ela aí de novo) dos que insistem em protestar contra a
CPMF. Lula pode ter todos os defeitos desse mundo, mas aprendeu para
caramba, assim como seu partido e nunca mais farão todas as besteiras que
fizeram no passado. Uma delas foi lutarem contra a CPMF, pois aprenderam
na porrada, na labuta diária e hoje sabem o quanto ela é necessária para o
Brasil continuar caminhando. Lutar contra a cobrança da CPMF não é, como
alguns pensam, lutar contra o Lula e os petistas, e sim, contra o país.
Esse imposto, se interrompido agora, fará o país parar e isso não será
nada bom, inclusive para quem bate na tecla do seu fim. Depois do Cansei,
movimento da elite protestando contra os impostos altíssimos que eles
mesmo sonegam e contra a corrupção que, segundo eles, existe no atual
governo mas jamais existiu antes, agora querem o fim da CPMF. Se não
sabem, ela tira mais dinheiro de quem mais tem, e menos de quem tem menos.
Lembro sempre que a elite que reclama da corrupção e da CPMF é a mesma que
financia a campanha dos corruptos, sonega impostos e elege governantes
para defender seus interesses. Eu Cansei da hipocrisia e de quem só se
mobiliza para defender os interesses de quem sempre mandou no Brasil. Eu
quero um Brasil melhor, com Lula ou sem Lula e por isso sou a favor sim,
da CPMF. E quem quiser discutir sobre isso, que venha preparado, pois se
tiver só um discursinho meia-boca, vai ser engolido rapidinho. Não discuto
mais com quem não tem argumentos convincentes.


ps.: A charge chupada num Gilete Press, é do jornal O Dia RJ é de autoria do AROEIRA, um traço brilhante, ao estilo do Chico Caruso.

sábado, 20 de outubro de 2007

FRASES DE UM LIVRO (2)

A REGRA DO JOGO, DE CLÁUDIO ABRAMO


O livro “A Regra do Jogo” (Cia das Letras, 1988, 1ª edição, 272 pgs), do jornalista Cláudio Abramo, é um dos mais belos textos que já li. Enfeita uma das estantes do meu mafuá com grande louvor. Cláudio já se foi, mas enquanto militou (isso mesmo) no jornalismo, foi considerado um exemplo, tanto como profissional, como figura humana. É daqueles poucos, que continuam sendo usados como exemplo de profissional digno e correto. Ético, acima de tudo, como não se conseguem manter mais hoje em dia a grande maioria dos profissionais, dentro desse neoliberal mundo, dito livre.


Circulou pelas mais diferentes redações e até hoje, recebe citações pelas participações decisivas na renovação das efetuadas na Folha de SP e no Estado de SP. Deixou muitas saudades, pois dentre os chefes de redação, editores e outros cargos de mando atuais, nenhum ousa hoje, defender e expor tanto suas idéias, de maneira tão sincera, como ele conseguiu fazer. Falou, escreveu e passou para frente o que sentia. Esse livro continua sendo um dos mais lidos dentro de todos os cursos de jornalismo, sendo considerado uma espécie de bíblia do jornalismo tupiniquim. Comprei em 1988 e terminei a primeira leitura em 23/02/1989. Daria para fazer várias seleções das frases anotadas.

Abaixo uma pequena amostra do que fui retirando de suas páginas. Voltarei a falar dele muito em breve.

- “O Brasil é um país canalha, colonial, dominado por uma burguesia canalha; se o sujeito não for hipócrita, não concordar, não der um jeito, está liquidado.”
- “Os operários, de modo geral, ao contrário do que pensam meus correligionários marxistas, são extremamente conservadores.”
- “Líderes revolucionários são levados, no fragor da luta, a dizer muitas besteiras.”
- “...o que falta ao Brasil é precisamente um momento sério; um momento no qual o brasileiro se mire no espelho e pergunte a si próprio: isto tudo está certo? Isto tudo tem sentido? Um momento, enfim, de crise incontrolável, de crise trágica, de abalo sísmico, acima dos homens e das coisas.”
- “A burguesia é muito atilada, não tem os preconceitos pueris da esquerda. Na hora H ela se une.”
- “...não é fácil conviver com um povo desinformado e explorado, e é ainda mais difícil tentar salvá-lo imitando os hábitos ocidentais.”
- “...operário é operário, patrão é patrão, patrão paga bem ao operário, operário colabora com o patrão, não faz greve.”- “O partido é uma legenda cartorial para o político se inscrever, concorrer as eleições e fazer suas sacanagens.”
- “Não há conquista popular com parlamentares conservadores.”
- “É o sistema capitalista que provoca as injustiças, as inadequações, as desigualdades, mas ninguém cobra do sistema e sim do seu semelhante.”
- “Se colocarem dois sujeitos de esquerda numa mesa, eles brigam; fora isso, é muito difícil identificá-los como de esquerda.”- “O desconhecimento faz parte do cotidiano dos brasileiros, que não sabem se defender do Estado ou da polícia.”
- “Como todos se convenceram de que Carlos Drummond é o maior poeta brasileiro de todos os tempos, todos acreditam que falar de qualquer outro poeta seria reduzir o vulto do primeiro.”
- “Os intelectuais se julgam, não sem nenhuma razão, superiores ao conjunto dos normais.”
MEMÓRIA ORAL (7)

Essa viagem é daquelas que ficam para a história e não saem nunca mais da memória. Foi a primeira feita nesse trecho num período de uns 20 anos. Muitas outras poderão acontecer. Leiam os motivos...

UM TREM, TRÊS CIDADES E UM SONHO EM COMUM

Eram 8h30 do dia 11/10, uma quinta-feira e o inusitado estava prestes a acontecer. Desde a privatização das ferrovias, que trens de passageiros não mais circulavam por essas bandas. Pois hoje, uma composição férrea, com uma locomotiva diesel da ALL – América Latina Logística e três carros de madeira, dois de passageiros e um administrativo, do Projeto Ferrovia para Todos, da Secretaria Municipal de Cultura de Bauru estavam posicionados e no aguardo da chegada dos passageiros, prontos para partirem numa nostálgica viagem, tendo como roteiro a ida-volta no trecho entre Bauru-Agudos-Lençóis Paulista. A movimentação era intensa defronte o prédio da Rotunda, junto às Oficinas da extinta RFFSA, hoje sede administrativa da ALL, detentora da concessão da malha ferroviária na região. Os carros devidamente enfeitados e provisionados com refrigerantes e guloseimas estavam prontos para a segunda viagem que a empresa faria dentro do seu programa de Educação Ambiental, voltado para a conscientização da questão do meio ambiente, aliado ao seu negócio, os trilhos. A primeira, nos mesmos moldes, havia ocorrido no mês anterior e a mesma composição foi até o distrito de Nogueira, na vizinha Avaí. "Dessa vez vamos para o lado oposto, levando principalmente estudantes e como hoje se comemora o Dia do Deficiente Físico, nosso público alvo serão eles, envolvendo algumas entidades assistenciais dessas três cidades, reunidas pelas respectivas Prefeituras", conta José Luiz Ximenes, Técnico em Segurança do Trabalho da ALL e idealizador do passeio.

O Programa precisa ter atividades anuais comprovadas nas unidades da empresa e nada melhor do que unir essa necessidade, com os carros restaurados do Projeto já existente em Bauru, que faz todos os meses passeios turísticos regulares dentro de área urbana da cidade, batalhando para que ocorra uma ampliação do trecho percorrido, que hoje compreende aproximadamente 2k, ida e volta. A preparação foi minuciosa, passando por autorização do órgão competente de Brasília, a ANTT – Agência Nacional de Transporte Terrestre e a conseqüente interrupção de todo tráfego de carga feito no trecho durante o período previsto para a viagem. Tudo isso sempre é recompensado tão logo se dá a chegada dos passageiros, no caso a garotada das entidades assistenciais. Suzana Libório, representante da Secretaria Municipal de Cultura no COMUDE – ConselhoMunicipal dos Portadores de Deficiência foi quem organizou a vinda das entidades e está apreensiva com o atraso para trazê-los até o local da partida: "Transportar crianças normais já traz preocupações, que no caso das especiais são redobrados. Percebo que tudo terá valido a pena só pelo pelo prazer de tê-los aqui". Por volta das 9h20 a composição inicia os movimentos para o início da viagem e no último carro, o administrativo, com sua varanda ocupada por convidados, todos são acomodados em cadeiras plásticas instaladas no local. Quando a buzina é fortemente acionada a emoção toma conta de todos. Serão aproximadamente 100 km, ida e volta, em algo que não acontecia no trecho há mais de vinte anos.
DJs, com um som do momento fazem a alegria nos dois primeiros carros e Ximenes se empenha para explicar os objetivos de tudo aquilo e os cuidados devidos: "Nada de cabeças para fora da janela, lixo nos trilhos e no chão. Além dos comes e bebes, como lembrança, vocês receberão um kit da empresacom uma bela camiseta e boa viagem a todos". No último carro o assunto entre os convidados são os projetos turísticos para a região, o futuro dos trens no país e o visual visto no entorno dos trilhos. Quem dela participa é Alcemir Godoy, representante regional da ALL, Ricardo Coube, ex presidente regional da FIESP e hoje presidente do CODER – Conselho de Desenvolvimento Econômico Regional, Sueli Lima, representando o secretáriodo Desenvolvimento Econômico de Bauru e o COMTUR, além de outros representantes da Prefeitura Municipal. Coube, convidado pela Prefeitura, está entusiasmado com a viagem, lembra uma feita num passado distante e diz: "As entidades que represento farão tudo o que estiverem ao nosso alcance na incrementação do turismo ferroviário". Sueli deixa claro que "a Prefeitura já possui os carros restaurados, a ALL está fazendo as melhorias na malha e as três cidades precisam sentar e ver o que cada uma pode fazer daqui para frente". Godoy enfatiza todo o investimento já feito pela empresa, que diz não ser pouco e tudo o que ainda será feito: "Vamos fazer muito mais, mas precisamos do apoio da Prefeitura para resolver alguns problemas sociais ao lado dos trilhos".

Durante a primeira hora da viagem, até Agudos, sendo feita a 20 km por hora, esse foi o tema predominante. Em Agudos, Coube desce e volta de carro. Revezam-se os grupos de estudantes, descem uns e sobem outros, tudo como havia sido previamentecombinado, para privilegiar entidades das três cidades. A estação daquela cidade, que já abriga atividades múltiplas está em obras e a recepção é improvisada. Quem sobe é Leliane Vidotti, representante da Prefeitura e Flaviano Garcia, o presidente local do COMTUR – Conselho de Turismo. Ambos entusiasmados com o trem lotado, muita gente da comunidade na estação, logo estão sintonizados na conversa. Enquanto nos outros vagões a festa continua, no dos convidados o assunto é o mesmo do primeiro trecho.
Durante aproximadamente uma hora, até a chegada em Lençóis Paulista, não se falou de outra coisa, ou seja, a incrementação do turismo ferroviário na região.Uma surpresa ocorre quando se avista a estação de Lençóis, com uma agitação incomum preparada na plataforma. A recepção é das mais calorosas, com uma banda musical, palhaços e acrobacias variadas tomando conta do local. Ali o trem pára por mais de meia-hora, tempo suficiente para alocomotiva mudar de lado e ocorrer novamente a renovação dos passageiros. Quem sobe é Nilceu Bernardo, representando a Prefeitura e Márcio PaccolaLangoni, o presidente regional do COMTUR. "Lençóis é conhecida como acidade do livro e estamos entregando um livro infantil para cada criança. Queremos que esse trem faça parte de um grande roteiro envolvendo nossascidades", diz Nilceu, mais um entusiasta da concretização do trem turístico. Quem desce é Godoy, da ALL, que segue de carro para Tupã, onde outra missão o aguarda.A festa na estação tem seqüência no primeiro trecho da viagem de volta, com Sueli Lima, recebendo autorização para voltar junto aos maquinistas. Na descida fez questão de contar o que viu: "Deu para perceber que o trem de hoje possui mais tecnologia do que se imagina, tudo está interligado por GPS e dotado de muita tecnologia. Todo o trajeto já é monitorado via computador". O clima dentro da composição continuou o mesmo, mudando somente os personagens. O pessoal de Lençóis invade a varanda e entre um salgadinho e outro, lado a lado, os fotógrafos dos dois jornais rivais da cidade, esquecem os problemas diários e tiram até fotos juntos. Na parada de Agudos, quando é feita a última troca de passageiros, quem sobe são os alunos do Rafael Maurício, já o fazendo entoando em alto e bom som o nome da escola. A chegada em Bauru se dá com quase duas horas de atraso do previsto inicialmente, devido a uma série de fatores, que serão discutidos pelos organizadores, mas não servem de desestímulo para ninguém. O fato principal é que tudo correu bem, superando as expectativas. "Uma viagem como essa não sai nunca mais da nossa memória. Fica para sempre", faz questão de ressaltar Álvaro de Brito, radialista e ex-integrante da Defesa Civil do município, que ficou sabendo da viagem e veio conferir e matar saudades. O representante da Polícia Militar, cabo Alexsandro Pelegrino, que acompanhou essa e a viagem anterior, fez um comentário dos mais interessantes: "Nessa viagem, com crianças especiais, tudo ocorreu dentro do previsto. Na anterior, um carro era só com escolares de uma escola pública e tudo ficou impecável até o fim, já no outro, com os de uma escola particular, a bagunça foi geral, com todos os balões estourados e muito lixo no chão. O que presenciei pode gerar boas reflexões". Cada um a seu modo, sai da viagem prometendo empenho para que esse trem turístico se torne realidade, unindo novamente essas cidades, na causa em comum, a ferroviária, que tanto progresso trouxe para todas elas. Para os organizadores, o cansaço está estampado na fisionomia de toda a equipe, mas o grande alento é que a missão foi cumprida com grande galhardia e todos estão com a alma mais do que lavada. Pelo que se ouviu por lá, mês que vem a experiência será repetida novamente e todos esperam que isso possa gerar algo definitivo nesse sentido. Bater na madeira três vezes e fazer figa não faz mal a ninguém. E viva o trem!
Texto escrito em 15/10/2007.

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

UMA DICA DE LEITURA (5)


VALE A PENA LER DE NOVO, TODO SÁBADO NO BOM DIA


Todos os sábados, desde a criação do jornal BOM DIA BAURU, dentro do caderno Viva, são publicadas crônicas dos mais conceituados (as) escritores do genêro. Um verdadeiro deleite para todos que apreciam uma boa leitura, aliada às manchetes e matérias normais de um jornal diário. Só por manter uma seção semanal com esse teor o jornal é merecedor de uma efusiva "salva de palmas", pois as crônicas, num passado não tão distante eram muito mais comuns nos jornais brasileiros. Foram deixadas de lado e todos os que ainda o fazem são merecedores de rasgados elogios.


Eu coleciono todas, desde que o jornal publicou a primeira em 03/12/2005, com um texto inaugural de Vinicius de Moraes, até a última, na edição da semana passada, 13/10/2007, a de número 98, com Caio Fernando Abreu. Comprei um caderno e fui colando todas, peguei gosto e a coisa virou mania. Recorto, leio e colo no tal caderno, ficando tudo guardadinho numa estante no meu mafuá. Afinal, texto bom deve ser mesmo guardado e isso é o que faço.

Por lá já desfilaram os grandes nomes da escrita brasileira, monstros sagrados como José de Alencar, Machado de Assis, Lima Barreto, Rubem Braga, Manuel Bandeira, Aluízio Azevedo, Joel Silveira, Sérgio Porto, João do Rio e Nélson Rodrigues. Alguns nomes de uma geração mais recente também por lá estiveram, como Ivan Lessa, Tarso de Castro, Carlinhos Oliveira, Ana Miranda, Danuza leão, Paulo Francis, Luís Fernando Veríssimo, Paulo Mendes Campos, Ruy Castro, Sérgio Augusto e Xico Sá. Alguns internacionais, como George Orwell e Virginia Woolf também já marcaram presença.

Não sei quem faz a seleção e sem sei se a "Vale a pena ler de novo" é iniciativa só da edição de Bauru, mas sei que gostaria de citar alguns nomes que ainda não foram lembrados. Outra coisa é que eles estão prestes a comemorar a Centésima publicação, daqui a duas semanas e isso merece uma taça de champagne, como daquelas que são quebradas no casco de um navio na sua inauguração. E viva a crônica!

quarta-feira, 17 de outubro de 2007

UMA FRASE – GILETE PRESS (3)

Li muito sobre Paulo Freire. Seus ensinamentos servem para tocar minha vida nas mais variadas situações e nessa semana, mesmo com atraso de dois dias, quero homenagear os professores, pelo dia comemorado anteontem, com algumas coisas desse grande personagem humano, daqueles que são cada vez mais raros nos dias atuais. Quebro o protocolo e não cito somente uma frase, dele eu cito várias e mesmo assim é pouco. Vamos a elas:
-“Quando a gente diz: ‘a luta continua’, significa que não dá para parar. O problema que a provoca está aí presente. É possível e normal um desalento. O que não é possível é que o desalento vire um desencanto e passe a imobilizar.” Julho de 1991.

-“De anônimas gentes, sofridas gentes, exploradas gentes aprendi sobretudo que a paz é fundamental, indispensável, mas que a paz implica lutar por ela. A paz se cria, se constrói na e pela superação de realidades sociais perversas. A paz se cria, se constrói na construção incessante da justiça social. Por isso, não creio em nenhum esforço chamado de educação para a paz que, em lugar de desvelar o mundo das injustiças, o torna opaco e tenta miopisar as suas vítimas.” – ao receber o prêmio Educação para a Paz, da Unesco, Paris, 1986.

-“Não existe nada que me envergonhe de ser um professor. Eu sou um professor. Ensinar é absolutamente fundamental.”

Depois de alguns dias na prisão, Paulo Freire foi procurado por um oficial que disse a ele haver muitos recrutas analfabetos no quartel e, sendo ele um professor, se poderia alfabetizá-los. Resposta óbvia de Paulo Freire:
-“Mas, meu filho, é exatamente por fazer isso que estou preso!”

domingo, 14 de outubro de 2007



MEMÓRIA ORAL (6)

Comprei a revista Piauí nº 13 (edição de 1º aniversário) novamente contrariado, pois sei que o seu conteúdo é mais direitoso do que aparenta, verdadeiro lobo na pele de cordeiro. O faço para ver até que ponto chegam os disfarces. Essa edição não está das piores, pois já houveram piores. Algo se destaca logo de cara, um perfil do delegado Alexandre Neto, do DAS do Rio de Janeiro, o popular Siri na Lata (já viram siri na lata, faz um barulho do cacete), que conheci e do qual me tornei amigo. Gostei do que li e como havia feito o mesmo tempos atrás, ou melhor, logo após a tentativa frustrada de assassinato que sofreu por se insurgir contra os desmandos de uma polícia cada vez mais desviada do seu caminho. A matéria da Piauí está nas bancas e o meu texto do mês de Setembro, está publicado aí embaixo. Confiram:

UM DELEGADO NA LINHA DE TIRO

Em janeiro desse ano conheci Alexandre Neto, um dos delegados da DAS -Divisão Anti-Sequestro da Polícia Civil do Rio de Janeiro. Na verdade, já nos conhecíamos desde 2001, quando havia vendido a ele uma máquina de chancela, aquele aparelhinho que grava sua marca pessoal em alto relevo no papel, dificultando adulterações em documentos, etc e etc. Alexandre havia feito uma com um brasão familiar. Já nem lembrava dele direito, quando em janeiro desse ano toca o telefone lá de casa e do outro lado uma voz das mais jocosas e brincalhonas, me cobrando o sumiço e da dificuldade em me localizar. É que mudei de telefone e ele não tinha o novo. Acabou me localizando pelo endereço, com ajuda da companhia telefônica. Verdadeiro trabalho de quem trabalha na polícia. Foi pura coincidência, pois naquele mesmo mês estava saindo de férias no meu emprego público e de malas prontas para passar dez dias no Rio de Janeiro. Iria conciliar trabalho e lazer, levando junto comigo o filho, de 13 anos e me hospedando na casa de um velho amigo, o cantor e compositor Tito Madi.
Marcamos tudo, para quando lá chegasse. Adiei a viagem uma semana e Alexandre toca para cá: "E aí, vem ou não? Quero comprar seu produto. Que aconteceu?". Na semana seguinte fui e marcamos uma ida para a delegacia onde estava lotado, a do Leblon, bem defronte a famosa casa de espetáculos Scala, do empresário Chico Recarey.No horário marcado lá estávamos eu e o filho. Subimos no primeiro andar, onde uma simpática secretária, Heloisa já nos aguardava. Alexandre estava fora, mas não demoraria a chegar. Ficamos sentados ao lado de um mural, aonde os policiais vão fixando recortes variados, com fotos e textos escolhidos. Algo me chama a atenção desde o início, pois várias matérias de revistas estavam lá fixadas com um assunto em destaque: a atuação nem sempre dentro dos parâmetros legais do ex-homem forte da Polícia Civil carioca no governo Garotinho, delegadoÁlvaro Lins, que fora eleito deputado estadual pelo PMDB. Quase todas as matérias continham citações e grifos à mão, contendo algo depreciativo ou mesmo buscando as contradições de uma atuação, que deixou devesrasmente a desejar. Fiquei entretido com a leitura, pois de certa forma, havia acompanhado o desenlace do caso do delegado Álvaro Lins e tinha o mesmo entendimento do que lia ali no mural.

Fui interrompido pela chegada do Alexandre. O astral da delegacia mudou, pois o cara possui uma comunicação diferenciada. Cativa logo de cara. Foi híper simpático, fechamos à venda da chancela, logo indicando outro colega, também delegado, que assim como ele, comprou, com ambos pagando uma porcentagem adiantada. Nas entrelinhas notei estar do lado contrário aos desmandos todos e desvios ocorridos na administração passada da Polícia Civil carioca. Chegou a tocar no caso Lins e deixou claro o quanto aquilo tudo o incomodava. Com certeza, o mural tinha a cara dele. Falamos sobre Copacabana, Tito Madi e me encheu de indicações para futuras vendas. Sai de lá com uma certeza, o cara pertencia a linhagem da polícia que ainda se salva. Fiquei com uma ótima impressão.

Tive que voltar dois dias depois para fazer um reparo, numa outra peça que havia apresentado problemas. Novamente a espera, o mural e o papo com alguns colegas de trabalho. Quando chega, abre sua sala e o filho arregala uns olhos diante do que vê, um baita "trezoitão" colocado sob a mesa, bem defronte seus olhos. Ele me cutuca, Alexandre percebe e lhe falo que meu filho nunca havia pegado numa "coisa" desse tipo. Ele confere se está descarregada e deixa o garoto manusear o artefato, enquanto conversamos sobre as tais chancelas. Estava com pressa, quando saímos, eu e o filho ficamos proseando na calçada, enquanto ele atravessava a rua e sumia no shopping da esquina. Lembro-me de sairmos conversando sobre o Alexandre ser um cara boa praça.Não nos falamos mais, mas quando enviei o pedido pelo correio, recebo dias depois o complemento do pagamento, num cheque pré e um bilhete escrito à mão: "Prezado Henrique, Obrigado por tudo, forte abraço -Alexandre Neto - 05/02/2007".



De lá para cá, nenhuma notícia, mas acompanhava pelo noticiário as ações da DAS, sempre em evidência no noticiário, pois seqüestro é algo que não sai das manchetes dos jornais. Pois na semana passada a notícia veio pela TV, quando um delegado da DAS, o mesmo que no ano passado havia se indisposto com um policial nas ruas de Copacabana, numas cenas onde ambos se empurram mutuamente, acabara de ser baleado. Olhei melhor as cenas e lá estava o Alexandre, que havia levado seis tiros, numa emboscada, ao sair do seu apartamento na Rua Constante Ramos, em Copacabana, Zona Sul do Rio, a mesma onde mora o amigo Tito Madi. Neto estava investigando a máfia do IML, outra envolvendo um grupo de PMs lotados em Copacabana e a corrupção na banda podre da polícia, sendo também autor de um amplo dossiê sobre atividades ilegais de um grupo de policiais do Rio ligados ao ex-chefe da Polícia Civil, ÁlvaroLins e à máfia dos caça-níqueis. Era bastante conhecido por sua atuação contra a corrupção policial e o atentado foi atribuído aos interesses políticos que contrariou."Ver desembargadores presos e um delegado baleado são avanços. São atos que mostram como aqueles que querem mudar estão sofrendo atentados", desabafou Neto, ainda no hospital, para a imprensa que acompanhou tudo com o devido destaque.


Ele bem sabe estar no meio de uma guerra mais do que declarada, revolvendo um vespeiro, onde as conseqüências são bem desse tipo. Sabia muito bem de todos os riscos que correria e fez a opção por continuar as investigações, tanto da máfia do IML, como as demais. Também participou da denominada OperaçãoFuracão, onde a banda podre da Polícia Civil contava com proteção do Judiciário, recebendo informações sobre a tramitação de processos, e na própria Assembléia Legislativa. Um inquérito estava prestes a ser concluído e muita gente graúda estava sendo indiciada. O estopim estava mais do que aceso e Neto sabia bem disso.Dessa ele já escapou e a única perda aparente foi a amputação de um dedo. Quando li que já estava em casa não resisti e liguei para saber as novidades. Mal me identifiquei, foi logo falando: "Escapei. Tá tudo bem agora". Quando lhe disse, que a partir de agora teria que se cuidar ainda mais, ele foi rápido e rasteiro: "Eu já me cuidava, pois se não o fizesse, não estaria vivo agora". Diz já estar pronto para oretorno às atividades e no Jornal do Brasil declarou ter pena de quem tentou lhe matar: "Talvez eles nem estejam mais vivos porque, como não fizeram direito o trabalho, transformaram-se em arquivos valiosos, tanto à Justiça quanto para seus patrocinadores".

Neto diz não temer o que lhe aguarda no retorno e antes das despedidas, usa uma frase que lhe é peculiar: "Apareça e precisando de algo por aqui, disponha". Depois de tudo, gosto um pouco mais desse baixinho bravo e invocado. E acho que não estou nem um pouco enganado.


Henrique Perazzi de Aquino - Setembro de 2007.







sábado, 13 de outubro de 2007

MAFUÁ É ZONA
Não consigo arrumar meu mafuá. Tudo continua em total desalinho, feito desconcerto intestinal. A cada dia chegam mais e mais adereços, penduricalhos, livros, CDs, revistas, jornais, papéis, muitos papéis. Uma imensidão de idéias a serem executadas e implementadas, a cabeça fervilha, mas com pouco tempo para colocar tudo em prática. Verdadeira loucura. Não dou conta. Na verdade, acho que nem quero dar conta, pois é tão bom essa expecativa de sempre ter coisas para se fazer.

Quando fui ao Rio da penúltima vez, estive na sala do delegado da DAS, Alexandre Neto, o famoso Siri na Lata, meu chapa e lá estava em sua sala de trabalho (outro mafuá), no meio daquela organizada bagunça, que só o dono entende, uma frase impressa em papel de computador: "Não façam zona!?!". Trouxe-a para a minha eterna bagunça. Ela, a frase e o local, são a própria zona institucionalizada.

Em tempo: Para quem não está conseguindo responder aqui nos Comentários, o façam também pelo emeleio mafuadohpa@gmail.com
UMA MÚSICA (5)

O Gonzaguinha sempre fez a minha cabeça. Tenho todos os seus LPs no meu mafuá e os ouço regularmente. Nessa semana quando vi que a TV Globo havia colocado a "E vamos à luta", na abertura da nova novela, a Duas Caras, com uma imagens de favelas e favelados, vi que isso só poderia ser coisa do Aguinaldo Silva, o autor da trama, que está lá no topo, mas continua antenadíssimo com o lado de cá. Do Gonzaguinha eu gosto de tudo, mas uma delas me toca um pouco mais, é a RECADO, do LP de 1978. A letra continua mais atual do que nunca:
RECADO, DO GONZAGUINHA

Se me der um beijo eu gosto
Se me der um tapa eu brigo
Se me der um grito não calo
Se mandar calar mais eu falo
Mas se me der a mão
Claro, aperto
Se for franco
Direto e aberto
Tô contigo amigo e não abro
Vamos ver o diabo de perto
Mas preste bem atenção, seu moço
Não engulo a fruta e o caroço
Minha vida é tutano é osso
Liberdade virou prisão
Se é mordeu e recebeu
Se é suor só o meu e o teu
Verbo eu pra mim já morreu
Quem mandava em mim nem nasceu
É viver e aprender
Vá viver e entender, malandro
Vai compreender
Vá tratar de viver
E se tentar me tolher é igual
Ao fulano de tal que taí
Se é pra ir vamos juntos
Se não é já não tô mais nem aqui
UMA DICA DE LEITURA (4)VIVA A ZÉ PEREIRA!
Alguém aí já ouviu falar na Zé Pereira. No Zé Pereira, com certeza. Foi um folclórico carnavalesco carioca, que saia às ruas do Rio de Janeiro, em meados do século XIX, pulando e cantando com seu bumbo. Em 2007 chega às bancas a Zé Pereira, uma revista carioca, fazendo barulho e convidando a todos para discutir assuntos mil, na sua maioria cariocas, mas com ligação mais do que direta com os do resto do país. Com tiragem de 10.000 exemplares, textos bem apurados e um projeto gráfico atraente e informativo, aliado a boas reportagens, ela me pegou logo de cara. O charme de uma publicação toda em preto-e-branco, com algo que sempre adorei em publicações alternativas, o uso do papel-jornal, ela sai recheada de textos investigativos, crônicas, contos, quadrinhos, folhetim e poesia. Um verdadeiro almanaque, como aqueles dos velhos tempos. Foi o que bastou para, quando de minha última ida ao Rio, em agosto, trazer a edição nº 1 na minha bagagem.
Agora sai a nº 2. Ligo, escrevo, emeleio e acabo recebendo-a pelo Correio, graças à gentileza de Eduardo Souza Lima, o editor. Estamos até confabulando sobre a possibilidade dela ser distribuida aqui em Bauru, numa banca onde o bom astral paire no ar. Quase ia me esquecendo do preço, ela custa somente R$ 2 reais. Para quem quizer ir antecipando uma leitura antes da vinda da versão impressa para cá, fica a dica para uma navegada no site: www.revistazepereira.com.br
Publicações assim sempre marcaram presença dentro do meu mafuá. Devoro todas as que encontro pela frente.



quinta-feira, 11 de outubro de 2007

FRASES DE UM LIVRO (1)


Eu sempre li muito e de tudo um pouco. Li coisas ótimas e um monte de porcaria. Quero aqui ir colocando frases de livros que já li, fui anotando o que gostei num dos tantos cadernos espalhados pelo meu mafuá e agora repasso para apreciação dos que estão do outro lado da telinha. O primeiro é um livro, mais um, nem o melhor, nem o pior, mas com um tema bem sui generis, Bauru. Quando Mauro Rasi fala de Bauru ele usa de muito sarcasmo e isso é altamente positivo, devendo gerar reflexões mil, principalmente na cabeça dos moralistas de plantão. Vamos ao que ele não fez questão nenhuma de esconder:


EU, MINHAS TIAS, MEUS GATOS E MEU CACHORRO - MAURO RASI

-"Na semana passada, na ponte aérea, estava como sempre sentado na janelinha, porque eu sou de Bauru e mesmo de noite eu gosto de sentar na janelinha do avião pra ver...".

-"É verdade. Todo mundo me faz de besta. Deve ser porque sou caipira, de Bauru".

-"...Bauru era useiro e vezeiro em tricas e futricas".

-"Eu não via qualquer diferença entre Bauru e o Gueto de Varsóvia e isso interferia no meu raciocínio".

-"Papai quando era vereador conseguiu impedir que a Prefeitura cedesse um terreno para que as freiras do Sagrado Coração de Jesus pudessem ampliar o colégio. Papai achava que elas deveriam pagar pelo terreno".

-"Logo eu que sai de Bauru porque ninguém me levava a sério..."

-"Para quem sobreviveu em Bauru...De tédio é que ele não vai morrer..."

-"...numa outra encarnação, por isso estava agora lá em Bauru, pagando o karma..."

-"Eu sou de Bauru, não posso ouvir uma sirene que logo corro para ver o que é".


O livro eu terminei de ler em julho de 2006, contando 105 citações de Bauru. Tem mais, mas algumas talvez me criassem um certo problema. Ele cutuca a todos com a vara curta. Nem precisa dizer, que adorei. Esse eu não tenho no meu mafuá. Emprestei lá da Biblioteca Municipal, que tem coisas muito boas.

UMA ALFINETADA (5)

Esse texto acabou de sair do forno e sai aqui já, enquanto será publicado n'O ALFINETE só sábado. Vejam se tenho ou não razão de ter medo desses salafras...
FUNDAMENTALISMO DÁ MEDO


O mundo de hoje me bota medo. Vivi quase um cinqüentenário e estou começando a ficar deverasmente preocupado com o futuro da humanidade. Faço o que posso para combater os fundamentalistas, que na base do medo e da falsidade tentam impor à sua vontade como a única correta forma de viver. Quem me aponta ser o seu o único caminho da salvação, faço questão de seguir o oposto. O jogo político, que move o tabuleiro dessa vida, em alguns momentos faz com que nos curvemos e o pensamento mais conservador vai ocupando os espaços. Isso acontece no mundo todo e é um grande retrocesso. Em muitos momentos vemos a hipocrisia e a falsidade prosperar e pouco podemos fazer para mudar esse estado de coisas. A não ser que você acabe dando um belo de um pontapé em tudo, mas todos temos amarras, que nos seguram por todos os lados. Na maioria das vezes, mesmo contrariado, permanecemos calados. E sofremos muito. Eu mesmo já ando dando sinais deque uma úlcera me invadiu e eu bem sei os motivos.



Tenho medo de certos segmentos reacionários, pregadores convictos de uma santidade, que só existe da boca para fora. Eles fazem e acontecem por debaixo dos panos. Não consigo entender como alguém pode se dizer devoto de algum Deus (seja ele qual for) e continuar enriquecendo em cima da miséria do semelhante, explorando as relações comerciais e tendo como guia-mestra o dinheiro. Será que dormem quando colocam a santa cabecinha no travesseiro? Eu não sou e nunca fui comunista, mas os respeito profundamente, pois o verdadeiro, menospreza o Deus Grana, pregando uma igualdade divinal, só vista mesmo numa espécie de paraíso.

Quando ligo minha TV e vou vendo a repetição da fala empoada de certos pastores de ovelhas, sinto ânsia de vômitos, pois está lá, estampado na face daqueles abutres a falsidade. Isso me torna cada vez mais descrente e incrédulo. E hoje, está cada vez mais difícil alguém querer se posicionar contrário a fé. Nos EUA de Bush Jr deve ser abominável alguém declarar-se ateu, ainda mais depois dessa messiânica figura haver declarado: "Não sei se ateus deveriam ser considerados cidadãos. Essa é uma nação sob Deus". Que raio de Deus pode ser esse que acoberta as falcatruas, negociatas e insanidades desse declarado fundamentalista? Transfira isso para o Brasil, para o nosso mundinho e observe como isso se repete exatamente igual por aqui. Eles estão por todos os lados e enganam a todos, sem dó e piedade, tudo para fazer prevalecer os seus interesses.



A fé de ontem e de hoje é uma barbárie escancarada, cruel jogo de interesses, um comércio deslavado. Tenho medo de quem professa ela e o faz de forma homofóbica. Sei do que são capazes. Nem gosto de imaginar esse pessoal com algum poder, pois irão passar uma borracha no passado que não lhes interessa. O que será da geração futura depois deles? O caos total. Vivo a vida com muita galhardia, de forma diferente, com um sentimento de alegria e deslumbramento. Jamais me autocensuro, pois sei que os moralistas de plantão são muito piores do que tudo o que consigo fazer (e olha que não é pouco). A mim eles nunca enganaram. Leitura, estudo, continua sendo a melhor saída, pois você passa a entender como é enganado. O triste é viver num mundo onde ninguém lê mais nada e quando o faz, acredita em tudo, sem contestar. Desse jeito, eles vão acabar nos derrotando.



Henrique Perazzi de Aquino 47 anos de devoção a um ensinamento de Millôr Fernandes: "Sou crente porque creio na descrença".

Obs.: a ilustração do texto é antológica e foi feita pelo Nani, extraída do livro "O Humor do Pasquim", de 1977, estando lá guardadinha na estante do meu mafuá.

terça-feira, 9 de outubro de 2007



UM AMIGO DO PEITO (2)


FAUSTO BERGOCCE, O TAMBÉM CARTUNISTA



Quando o que mais se ouve por aí é o sobre o fim do cartum, eis que ele ressurge num livro ricamente elaborado, por nada menos que um dos cobras do traço tupiniquim, Fausto Bergocce, ou simplesmente Fausto, que é como uma imensa legião de fãs e admiradores se acostumou a vê-lo nas mais diferentes publicações brasileiras.

O livro chama-se "Viva Cartum..." e essa remada contra a maré demonstra, mais uma vez, que as expressões culturais não costumam desaparecer enquanto existirem pessoas como Fausto. E olhem que o que ele fez não á algo tão inusitado assim (talvez um pouco ousado), porque enquanto seus colegas de ofício seguem um caminho oposto, publicando livros de charges, caricaturas, ilustrações, HQs e tiras, com esse lançamento observamos a reunião de trabalhos mais amenos, suaves, naquela linguagem de ainda querer fazer graça com qualquer situação, onde ela estiver.

"Viva Cartum..." são 96 páginas de um humor descompromissado, como só esse segmento é capaz, mas não desengajado. Fausto sabe escolher muito bem os temas e deles extrai verdadeiras preciosidades. O livro é isso, jóia rara, que só saiu do prelo devido à sua dedicação pessoal, empenho de amigos e um outro tanto de apoiadores, que acabaram comprando a idéia e bancaram a impressão. A distribuição fica por conta do próprio autor, naquilo que denominamos de "ossos do ofício", afinal a cria é dele.

A vitória de Fausto é ter conseguido imprimir mais um livro, ainda mais de cartum, quando todos ficam nesse falatório de que isso é coisa para uns poucos abnegados ou verdadeiros "heróis da resistência". Fausto não desiste nunca de suas idéias e o livro está aí. O autor, mesmo sendo velho conhecido da imprensa brasileira, é merecedor de algumas linhas a mais. Foram anos de muita luta, desenhando desde a adolescência, quando sai de sua Reginópolis, no interior de São Paulo e ganha o mundo. Publicou em vários órgãos da nossa imprensa e é possuidor de um nome dos mais respeitáveis no quesito traço. Hoje, continua em plena atividade, no jornal Olho Vivo, de Guarulhos e n'O Alfinete, de Pirajuí, além de muito trabalho como ilustrador. Recentemente descobriu um novo filão, o de desenhar caricaturas para clientes em eventos e dele extrai o melhor de si, como sempre fez tudo em sua vida.

O livro é uma viagem feita com muito esmero, onde o leitor faz um passeio, página por página, contemplando o visual e imaginando as situações, sempre muito sutis. Fausto quando não inova, faz questão de insistir e mostrar a todos, que a esperança é a última que morre. Esse livro é fruto de seu esforço, numa espécie de "sangue, suor e lágrimas", bem dentro do espírito do artista brasileiro. Aproveitem o máximo, pois não existe nada igual similar circulando por aí no momento. Sendo assim, tenham bom proveito.

SERVIÇO:
Fausto Bergocce - fones 11.99487538
e-mail - faube@uol.com.br
site - http://www.faustocartoon.com.br/
Livro: Viva Cartum..., 96 pgs, capa dura, 110 cartuns, impressão 4 cores sobre papel couchê, preço médio de R$ 30,00.
Lançamento oficial dia 26/10 no HQ Mix Livraria, Praça Roosevelt 142 - Consolação - São Paulo, a partir das 17h. Eu só não irei, se não pintar carona ou se o mês terminar antes do previsto.
MEMÓRIA ORAL Nº 5

Esse evento ocorreu ontem a noite em Bauru e hoje já está saindo por aqui.
UMA NOITE COM CHE
Entidades bauruenses reunidas fizeram com que os 40 anos do assassinato do líder revolucionário latino-americano Che Guevara não passassem em branco na cidade. Juntas solicitaram um espaço público para a realização de um evento que marcasse a data, onde pudessem se reunir, debater idéias e assistir a filmes alusivos a Che. O espaço cedido foi o auditório do Museu Ferroviário e as entidades são o FNDC – Fórum Nacional de Democratização das Comunicações – Comitê Bauru, Cine Clube Aldire Pereira Guedes, Instituto Acesso Popular, Movimento Comunismo em Ação e Núcleo Juventude do PT. Ernesto "Che" Guevara, o personagem central, motivador do encontro, que com a revolução cubana consolidada, entrega seu cargo de ministro de estado e cai no mundo em busca do seu ideário de vida, que foi o de derrubar governos despóticos, fazer a revolução e ver o povo conquistar o poder. O sonho concretizado em Cuba, pelo menos para ele termina em 09/10/2007, quando cai assassinado no interior da Bolívia. Foi-se o homem, permanece o mito, vivo para muitos ao longo desses 40 anos.

Em Bauru, não fosse o evento realizado na noite de segunda, 08/10, a data teria passado em branco. Um jornal local, na única notícia feita antes da data da morte, fala em comemorações, mas na Bolívia e Venezuela, fazendo questão de citar que "revelam o momento político desses países", como se por terem dirigentes socialistas, só eles ainda seriam possuidores da ousadia de comemorar tal data. O grupo daqui distribuiu um pequeno release sobre o evento, nada saindo nos jornais e na TV. As rádios noticiaram no dia, mas se isso foi pouco, não impediu que tudo acontecesse. O boca-a-boca e o e-mail para amigos sempre valem muito nessa hora.

O museu já estava aberto às 18h, quando chega a aparelhagem para a exibição da grande atração da noite, o filme "Che, el hombre, compañero, amigo...", uma produção ítalo cubana de 1996, sob direção de Roberto Massari, que somente Marcos Resende, da organização do evento conhecia: "Trouxe o filme do Brás, do famoso pirata-Brás. Quando vi a fita numa banca, não pensei duas vezes e comprei na hora. Acertei em cheio. São quase duas horas de imagens inesquecíveis". Tanto que, além de juntá-la ao seu acervo, acabou por socializar a exibição naquela noite. Paulo Henrique, o conhecido PH, entendido de sétima arte chega cedo. Monta tudo e diz estar com grande expectativa, pois nada sabe sobre o filme. De cabeça relaciona uns quatros, tendo Che como personagem. Marcos e sua inseparável coleção de camisetas vermelhas coloca a fita no aparelho e antes mesmo do horário previsto os presentes começam a assistir uma gravação de 12 minutos, com trecho de uma fala do Che ministro em Cuba, de uma entrevista de Fidel ao programa de TV do Maradona, quando o tema era Che e por fim o Hino do Guerrilheiro, com cenas do levante cubano. A primeira expectadora a chegar é Damaris Ribeiro da Silva, que reclama do horário: "Muito cedo, não deu nem tempo de passar em casa. Mas quando fiquei sabendo disso aqui, lá na banca do camelô Fabrício, não acreditei, desmarquei tudo e vim correndo".
Das 19 às 19h30 são repetidas por três vezes os trechos gravados, sendo que o que mais chama a atenção é quando Maradona exibe a perna para Fidel, mostrando que o tem tatuado numa delas. Enquanto a fala de Che ecoa na sala, outros vão chegando, como o ex-guerrilheiro Darcy Rodrigues, que morou dez anos em Cuba e se diz amigo de uma das filhas de Che. Quando questionado de só ter ficado sabendo porque foi convidado e de que quase nada sai na mídia local, que parece ter receio de tocar no nome Che, saiu com essa: "Como não falam de Che, e a capa da última Veja?". Na seqüência não perde a oportunidade: "Viram a entrevista do Chávez no programa do Paulo Henrique Amorim. Foi um baile. Quando nos deixam falar não tem pra mais ninguém". Com umas vinte pessoas na sala, o evento tem início e após uma breve abertura, quem pede a palavra é o Marcos, que emocionado, falando várias vezes em nome dos "camaradas", rasga a Veja que faz ironias a figura do Che, provocando aplausos e risos gerais.

Com o filme rolando chegam mais pessoas, como o casal de militantes da esquerda Arthur Monteiro Jr e Lílian, o Jorge Moura e dois colegas do Acesso Popular e alguns casais. São duas horas de algo indescritível. Quase ninguém levantou das cadeiras, pois a grande maioria dos presentes eram militantes e pessoas que vivenciaram a luta pela libertação dos povos latinos e da consolidação cubana no continente. Percebe-se um remexer nas cadeiras quando Che exaltado proclama num dos seus discursos: "Temos três frentes permanentes de luta: estudo, trabalho e fuzil, esse obviamente para defender a Revolução".

Por volta das 22 horas, quando a sessão tem fim, Darcy é convidado e falar de Cuba, Che e sua experiência no exílio. Emociona os presentes e o casal Maria Orlene Daré e Alberto Pereira Luz, não se contentam em ouvi-lo, o questionam sobre a saúde e a educação ministrada na ilha. Ela, que esteve em Cuba há três anos, diz que hoje "existe uma geração mais velha, que apóia a Revolução e uma mais nova, influenciada pelos turistas, que quer consumir, ter os apetrechos que vêem com os visitantes". Darcy diz ser esse um dos males da abertura, que pode ser rebatido com "a pequena liberdade existente do lado de cá e o pouco poder que temos, de consumir tudo o que nos é oferecido. Temos menos liberdades que eles, mesmo sem perceber isso".

Um grupo se forma ainda dentro da sala e dele quem se destaca é a professora de matemática, Matilde, que traz o filho e um amigo. Ficou sabendo sem querer, ao ouvir a rádio Véritas FM e arrebanhou a prole para comparecer: "Se perdesse isso aqui, acho que não teria uma segunda chance". Por fim, acerta com PH trazer seus alunos numa sessão do Cine Clube e sobre o filho é enfática: "Cresceu ouvindo, lendo e vendo minhas ações e hoje ele é que acaba me convidando para um monte de coisas desse tipo". Surge a idéia de se fazer cópias da fita e uma lista com uns dez nomes são relacionados. Um doa R$ 10 reais e outro a seguir, faz o mesmo, bancando todo o custo das reproduções. Num canto PH tenta argumentar com o Marcos sobre ao papel da revista Veja e da imagem do Che: "Acho até bom tocar em pontos negativos. Ninguém é perfeito. Vamos então discutir, não só os pontos positivos, mas os que eles dizem serem negativos. Isso é salutar".

Quase 22h30 todos vão para a calçada e quem surge de última hora é o professor da UNESP, Laranjeira, que saiu de uma aula naquele momento e com um vistoso chapéu panamá e uma camiseta vermelha, com a famosa foto do Che estampada ainda ficou para as discussões finais. Todos foram para a padaria na praça Machado de Mello e mais um acordo foi selado de última hora: Laranjeira requisitaria uma sala na universidade e a noite com Che provavelmente terá continuidade. Com os devidos pães comprados para o dia seguinte, os últimos presentes, em três carros se vão e com eles algo que permanece para sempre no imaginário de toda uma geração: Noites assim são imperdíveis e fazem um bem danado para quem delas participa. De alma lavada, cada um segue seu caminho.

LEGENDA DAS FOTOS, NA SEQUÊNCIA DA PUBLICAÇÃO:
PH ajustando o filme
Damaris foi a primeira a chegar e ao fundo, a professora Matilde e o filho
Marcos rasgando a revista Veja
Darcy fala de Cuba e de Che
Alberto segura a capa do DVD
Laranjeira chega quando tudo já tinha terminado

Henrique Perazzi de Aquino, 09 de outubro de 2007.