domingo, 14 de outubro de 2007



MEMÓRIA ORAL (6)

Comprei a revista Piauí nº 13 (edição de 1º aniversário) novamente contrariado, pois sei que o seu conteúdo é mais direitoso do que aparenta, verdadeiro lobo na pele de cordeiro. O faço para ver até que ponto chegam os disfarces. Essa edição não está das piores, pois já houveram piores. Algo se destaca logo de cara, um perfil do delegado Alexandre Neto, do DAS do Rio de Janeiro, o popular Siri na Lata (já viram siri na lata, faz um barulho do cacete), que conheci e do qual me tornei amigo. Gostei do que li e como havia feito o mesmo tempos atrás, ou melhor, logo após a tentativa frustrada de assassinato que sofreu por se insurgir contra os desmandos de uma polícia cada vez mais desviada do seu caminho. A matéria da Piauí está nas bancas e o meu texto do mês de Setembro, está publicado aí embaixo. Confiram:

UM DELEGADO NA LINHA DE TIRO

Em janeiro desse ano conheci Alexandre Neto, um dos delegados da DAS -Divisão Anti-Sequestro da Polícia Civil do Rio de Janeiro. Na verdade, já nos conhecíamos desde 2001, quando havia vendido a ele uma máquina de chancela, aquele aparelhinho que grava sua marca pessoal em alto relevo no papel, dificultando adulterações em documentos, etc e etc. Alexandre havia feito uma com um brasão familiar. Já nem lembrava dele direito, quando em janeiro desse ano toca o telefone lá de casa e do outro lado uma voz das mais jocosas e brincalhonas, me cobrando o sumiço e da dificuldade em me localizar. É que mudei de telefone e ele não tinha o novo. Acabou me localizando pelo endereço, com ajuda da companhia telefônica. Verdadeiro trabalho de quem trabalha na polícia. Foi pura coincidência, pois naquele mesmo mês estava saindo de férias no meu emprego público e de malas prontas para passar dez dias no Rio de Janeiro. Iria conciliar trabalho e lazer, levando junto comigo o filho, de 13 anos e me hospedando na casa de um velho amigo, o cantor e compositor Tito Madi.
Marcamos tudo, para quando lá chegasse. Adiei a viagem uma semana e Alexandre toca para cá: "E aí, vem ou não? Quero comprar seu produto. Que aconteceu?". Na semana seguinte fui e marcamos uma ida para a delegacia onde estava lotado, a do Leblon, bem defronte a famosa casa de espetáculos Scala, do empresário Chico Recarey.No horário marcado lá estávamos eu e o filho. Subimos no primeiro andar, onde uma simpática secretária, Heloisa já nos aguardava. Alexandre estava fora, mas não demoraria a chegar. Ficamos sentados ao lado de um mural, aonde os policiais vão fixando recortes variados, com fotos e textos escolhidos. Algo me chama a atenção desde o início, pois várias matérias de revistas estavam lá fixadas com um assunto em destaque: a atuação nem sempre dentro dos parâmetros legais do ex-homem forte da Polícia Civil carioca no governo Garotinho, delegadoÁlvaro Lins, que fora eleito deputado estadual pelo PMDB. Quase todas as matérias continham citações e grifos à mão, contendo algo depreciativo ou mesmo buscando as contradições de uma atuação, que deixou devesrasmente a desejar. Fiquei entretido com a leitura, pois de certa forma, havia acompanhado o desenlace do caso do delegado Álvaro Lins e tinha o mesmo entendimento do que lia ali no mural.

Fui interrompido pela chegada do Alexandre. O astral da delegacia mudou, pois o cara possui uma comunicação diferenciada. Cativa logo de cara. Foi híper simpático, fechamos à venda da chancela, logo indicando outro colega, também delegado, que assim como ele, comprou, com ambos pagando uma porcentagem adiantada. Nas entrelinhas notei estar do lado contrário aos desmandos todos e desvios ocorridos na administração passada da Polícia Civil carioca. Chegou a tocar no caso Lins e deixou claro o quanto aquilo tudo o incomodava. Com certeza, o mural tinha a cara dele. Falamos sobre Copacabana, Tito Madi e me encheu de indicações para futuras vendas. Sai de lá com uma certeza, o cara pertencia a linhagem da polícia que ainda se salva. Fiquei com uma ótima impressão.

Tive que voltar dois dias depois para fazer um reparo, numa outra peça que havia apresentado problemas. Novamente a espera, o mural e o papo com alguns colegas de trabalho. Quando chega, abre sua sala e o filho arregala uns olhos diante do que vê, um baita "trezoitão" colocado sob a mesa, bem defronte seus olhos. Ele me cutuca, Alexandre percebe e lhe falo que meu filho nunca havia pegado numa "coisa" desse tipo. Ele confere se está descarregada e deixa o garoto manusear o artefato, enquanto conversamos sobre as tais chancelas. Estava com pressa, quando saímos, eu e o filho ficamos proseando na calçada, enquanto ele atravessava a rua e sumia no shopping da esquina. Lembro-me de sairmos conversando sobre o Alexandre ser um cara boa praça.Não nos falamos mais, mas quando enviei o pedido pelo correio, recebo dias depois o complemento do pagamento, num cheque pré e um bilhete escrito à mão: "Prezado Henrique, Obrigado por tudo, forte abraço -Alexandre Neto - 05/02/2007".



De lá para cá, nenhuma notícia, mas acompanhava pelo noticiário as ações da DAS, sempre em evidência no noticiário, pois seqüestro é algo que não sai das manchetes dos jornais. Pois na semana passada a notícia veio pela TV, quando um delegado da DAS, o mesmo que no ano passado havia se indisposto com um policial nas ruas de Copacabana, numas cenas onde ambos se empurram mutuamente, acabara de ser baleado. Olhei melhor as cenas e lá estava o Alexandre, que havia levado seis tiros, numa emboscada, ao sair do seu apartamento na Rua Constante Ramos, em Copacabana, Zona Sul do Rio, a mesma onde mora o amigo Tito Madi. Neto estava investigando a máfia do IML, outra envolvendo um grupo de PMs lotados em Copacabana e a corrupção na banda podre da polícia, sendo também autor de um amplo dossiê sobre atividades ilegais de um grupo de policiais do Rio ligados ao ex-chefe da Polícia Civil, ÁlvaroLins e à máfia dos caça-níqueis. Era bastante conhecido por sua atuação contra a corrupção policial e o atentado foi atribuído aos interesses políticos que contrariou."Ver desembargadores presos e um delegado baleado são avanços. São atos que mostram como aqueles que querem mudar estão sofrendo atentados", desabafou Neto, ainda no hospital, para a imprensa que acompanhou tudo com o devido destaque.


Ele bem sabe estar no meio de uma guerra mais do que declarada, revolvendo um vespeiro, onde as conseqüências são bem desse tipo. Sabia muito bem de todos os riscos que correria e fez a opção por continuar as investigações, tanto da máfia do IML, como as demais. Também participou da denominada OperaçãoFuracão, onde a banda podre da Polícia Civil contava com proteção do Judiciário, recebendo informações sobre a tramitação de processos, e na própria Assembléia Legislativa. Um inquérito estava prestes a ser concluído e muita gente graúda estava sendo indiciada. O estopim estava mais do que aceso e Neto sabia bem disso.Dessa ele já escapou e a única perda aparente foi a amputação de um dedo. Quando li que já estava em casa não resisti e liguei para saber as novidades. Mal me identifiquei, foi logo falando: "Escapei. Tá tudo bem agora". Quando lhe disse, que a partir de agora teria que se cuidar ainda mais, ele foi rápido e rasteiro: "Eu já me cuidava, pois se não o fizesse, não estaria vivo agora". Diz já estar pronto para oretorno às atividades e no Jornal do Brasil declarou ter pena de quem tentou lhe matar: "Talvez eles nem estejam mais vivos porque, como não fizeram direito o trabalho, transformaram-se em arquivos valiosos, tanto à Justiça quanto para seus patrocinadores".

Neto diz não temer o que lhe aguarda no retorno e antes das despedidas, usa uma frase que lhe é peculiar: "Apareça e precisando de algo por aqui, disponha". Depois de tudo, gosto um pouco mais desse baixinho bravo e invocado. E acho que não estou nem um pouco enganado.


Henrique Perazzi de Aquino - Setembro de 2007.







Um comentário:

Anônimo disse...

Blog interessante hpa.
Parabens pelo evento do che, pena não ter tido espaço nos jornais, gostaria de ter ido. Esse rapaz que rasgou a veja eu o já tinha visto em uma manifestação no calçadão e tinha achado bem idealista e agora tenho certeza depois de ver a reportagem do bom dia e mostrar personalidade mesmo sendo parente de alguem que traiu os principios sociais. Parabens para todos voces e não deixe de postar futuros eventos, vou acompanhar seu blog e gostaria de saber mais desse movimento comunista e o que defendem. Abraço
Elson