quarta-feira, 24 de outubro de 2007

MEMÓRIA ORAL (8) A ALMA ENCANTADORA DAS RUAS
Esse título aí em cima é velho conhecido de quem gosta de crônicas sobre personagens populares de nossas ruas. Acabou dando nome a um dos livros mais famosos do cronista João do Rio (1881-1921), justamente o que fazia uma ligação, "uma janela através do qual contemplava as glórias e misérias do Brasil republicano" (prefácio do livro). São textos deliciosos, publicados na imprensa carioca entre 1904 e 1907, expondo a psicologia urbana de tipos até então meio que ocultos dentro da capital da República. São pura exaltação à rua e seus personagens, como o autor fez questão de deixar claro logo nas primeiras páginas, no texto A Rua: "Nós somos irmãos, nós nos sentimos parecidos e iguais; nas cidades, nas aldeias, nos povoados, não porque soframos, com a dor e os desprazeres, a lei e a polícia, mas porque nos une, nivela e agremia o amor da rua". O tempo passou e muita gente hoje em dia faz o mesmo, retrata os tipos que vivem no seu mundo, "na sua aldeia", querendo de uma certa forma que eles se eternizem. Livros e livros sobre o tema existem aos borbotões, além de teses e trabalhos particulares. Cada iniciativa é revestida de muita curiosidade e interesse, principalmente dentro da comunidade da qual sairam os personagens retratados.
O caso se repete aqui em Bauru e nome escolhido para um projeto na área é justamente, "A alma encantadora das ruas", numa clara e evidente remissão ao escritor João do Rio, uma espécie de patrono do projeto. Tudo por aqui nasceu da cabeça de alguns frequentadores do Cine Clube Aldire Pereira Guedes, que tinham em mente contar a história de personagens das ruas de Bauru e acabaram criando a Laboratório Filmes. O negócio vingou e Tiago Rezende de Toledo, 25 anos, recém formado em jornalismo pela UNESP, conseguiu emplacar o primeiro projeto, retratando uma das pessoas mais populares da cidade, o pregador evangélico Varme de Oliveira, 70 anos, muito conhecido por todos, pois está presente, com sua inseparável bíblia debaixo do braço, terno escuro e muita simpatia, na mais famosa praça da cidade, a Rui Barbosa, onde fez seu ponto maior de pregação e louvor. Não existe quem não o conheça.
"O documentário foi feito da forma mais improvisada possível. Foram dois dias acompanhando seu Varme, com uma câmera emprestada e os amigos na produção. A edição e finalização fiz em casa e arquei com todos os custos", conta o diretor Tiago. A escolha do personagem foi quase que automática, pois Tiago o via quase diariamente pelas ruas. Quando a idéia do Laboratório floresceu, tendo a rua como elo de ligação em todos os filmes, o pregador foi logo lembrado e todos concordaram. A constatação seguinte feita pelo diretor, foi a de que seu Varme não era um mero pregador, um louco, um fanático, como alguns o viam: "Descobri que ele é uma pessoa muito interessante. Ele tem plena consciência de tudo o que faz e após as conversas, conheci outra pessoa, alegre, comunicativa e com um vocabulário diferenciado".
O nome desse primeiro documentário, "O lobo não come capim" saiu de uma pregação ouvida, onde seu Varme afirma que o lobo, quando na espreita de sua vítima, finge comer capim, só para poder atacar e devorar seu alvo. E assim, ele diz, ocorre o mesmo na vida real. O Cine Clube tem sessões semanais no Automóvel Clube, um antigo clube da cidade, hoje ocupado pela Orquestra Municipal e com um auditório para até 300 pessoas, local também escolhido para o lançamento do documentário. Quinta-feira, 18/10, uma pequena festa foi montada e muita gente foi convidada. Por volta das 20ho salão já recebe um bom público e quem falta chegar é justamente o homenageado. Muitos evangélicos estão distribuidos entre os presentes, convidados pelo seu Varme, que havia feito um boca-a-boca sobre o filme. Silvio Luiz Vieira, presidente do Cine Clube estava radiante com a receptividade: "É um grande dia para o Cine Clube, que hoje já possibilita alternativas, além dos filmes semanais. Tenho certeza de que o projeto ganhará pernas próprias e patrocinadores. O Tiago acertou em cheio na escolha do primeiro homenageado."
Passando um pouco das 20h30, o horário previsto para início da exibição do filme, quando Tiago já tentava um contato, eis que desponta caminhando pela praça em frente, seu Varme. É recebido nas escadas de entrada e segue cumprimentando a todos. Circula esbanjando alegria entre as cadeiras, abraçando os mais próximos e com palavras efusivas aos conhecidos. PauloHenrique, o PH, mestre de cerimônia do evento, diante do atraso, agiliza a exibição do filme, anunciando um bate-papo no final. São aproximadamente 30 minutos, onde por iniciativa do diretor, quem se sobressai no trabalho é o personagem escolhido, sem interpretações outras, a não ser a atuação dele nas ruas e sua fala em uma entrevista feita em sua própria residência.
O resultado foram longas palmas ao final. Varme tem a palavra e o faz na forma de uma acalorada pregação, bem ao seu estilo, circulando com o microfone na mão: "Ninguém esperou tanto por esse momento como eu. Se nós contássemos com esse evento, como coisa certa, o nosso Deus não permitiria que ele acontecesse da forma como me propiciaram hoje." Ele estava radiante e o tão esperado momento estava acontecendo, bem ali diante dos olhos de todos os presentes. Tiago falou a seguir, respondeu perguntas, esclareceu sobre o projeto num todo e deixou novamente bem claro, que estavam todos diante de uma primeira etapa, onde "seriam retratados, não só os tipos populares, como também as pessoas desconhecidas, dependendo davisão e abordagem de cada diretor. Pelo menos mais seis projetos devem sair do forno, na sequência."
O contentamento estava estampado na face dos idealizadores e isso foi repassado para todos os presentes, numa confraternização feita num coquetel a seguir. O objetivo tinha sido alcançado e além de buscar a identidade das edificações, moradas, economia e planejamento de uma cidade, o que aconteceu foi muito além, retratando a vida de uma pessoa, sua história e diferenciados afazeres. A alma das pessoas, que vivem e habitam o centro urbano de Bauru estava ali estampada e exposta. Havia ainda muito para ser conversado naquela noite e o papo foi estendido para um bar, não tendo hora para acabar. Com certeza, os rumos edirecionamentos dos próximos passos foram ali alinhavados .

Obs.: as fotos são de autoria de Antonio Carlos Vieira

Henrique Perazzi de Aquino, escrito em 22/outubro/2007.

2 comentários:

Anônimo disse...

não sou evangélico, mas mesmno assim, gostei da escolha desse primeiro nome para o tal projeto.
Aguardo ansioso os outros, pois isso é fazer história.

Anônimo disse...

Estava lá e gostei da festa e do filme.