segunda-feira, 3 de março de 2008

UMA CARTA (5)

Ontem, domingo, o Jornal da Cidade publicou algo entristecedor. O grupo Marca, o mesmo que havia feito a Prefeitura Municipal de Bauru desistir de desapropriar a Estação Central, não havia conseguido repassar o prédio para ser instalada a Justiça Federal. Volta-se à estaca zero. Aldo desistimulador para quem está envolvido com as questões de patrimônio cultural na cidade. Havia escrito um texto, repassado para o JC. Como o mesmo não saiu por lá até agora, sai hoje aqui, sem altração do que havia escrito lá atrás.

O ESCRITOR, A FERROVIA E AS ESTAÇÕES

Ignácio de Loyola Brandão é um escritor batuta, leitura feita com grande prazer e contentamento. Cronista de mão cheia, escreve gostoso, histórias que caem no gosto popular. Fala a linguagem do povo. Seus textos são daqueles, cada vez mais raros, onde após começar, deseja-se que não mais terminem. E quando terminam, fica-se com aquele gostinho chato de querer mais. Atualmente, toda sexta-feira, mantém uma crônica semanal no jornal Estadão, na última página do Caderno 2. Loyola fala muito de sua terra natal, Araraquara e da vida passada por aquelas paragens. Relembra velhas histórias, principalmente a vivida com os pais. Quando retorna no tempo, quase que automaticamente, fala muito das ferrovias. Seu pai foi ferroviário e inevitavelmente sua vida teve uma intensa ligação com as ferrovias paulistas. Descobri esse amor pelos trilhos e fui colecionando algumas de suas crônicas sobre o tema. Além dos trilhos araraquarenses, li muita coisa sobre Bauru. E disso tudo, fui juntando essas citações.

Em 30/09/2005, na crônica "Inundação em Bauru e uma tataravó", ele afirma categoricamente que a Noroeste do Brasil" tinha a mais bela estação de todo o interior paulista". Vejam a citação na íntegra: "Neno e Rita eram meus tios de Bauru, ela, irmã de meu pai. Neno trabalhava na Noroeste e tínhamos inveja porque aquela estrada de ferro tinha a mais bela estação de todo o interior paulista, nela se cruzavam três ferrovias: a Sorocabana, a Paulista e a própria Noroeste que ia até a Bolívia. O que terá sido feito daquele prédio incrível, sempre superlotado, com várias plataformas e milhares de pessoas fazendo baldeação?". Escrevemos (em nome da Secretaria Municipal de Cultura) para Loyola, em11/10/2005, dizendo-se sensibilizados: "Devemos muito a ferrovia e aos ferroviários. Por ser pólo administrativo, Bauru herdou um riquíssimo patrimônio de imóveis ferroviários. Parte desse patrimônio foi menosprezado com a privativação das ferrovias. Foram anos de abandono e isso tudo foi muito sentido em todo o interior brasileiro. Em Bauru, com maior intensidade, pois a quantidade de imóveis ferroviários é muito grande. A "mais bela" estação continua imponente, bem no centro da cidade. No entanto, hoje continua fechada e um tanto degradada. Essa estação foi repassada pelo governo FHC aos trabalhadores da RFFSA, numa antiga pendenga trabalhista, onde eles só veriam a cor do dinheiro quando conseguissem vender o prédio. Várias negociações foram iniciadas e nada foi concretizado".

Dissemos também que na época a Prefeitura Municipal, por intermédio de sua Secretaria de Educação tinha reais interesses no prédio, depois desconfirmada pela prioridade requerida pelo Grupo Marca.Fiz um convite para que viesse visitar a Estação, Bauru e nos brindar com uma palestra. Sua resposta, via e-mail foi rápida: "Adorei receber o e-mail e principalmente de saber que está havendo tentativas para se "ganhar" o prédio da estação, de tantas memórias. Se vocês leram a minha crônica de sexta passada e gostaria que lessem, verão como algumas cidades de Minas lutaram e ganharam suas estações. Terei prazer em ir a Bauru, só que esse ano a agenda fechou". As crônicas citadas foram publicadas em 7 e14/10/2005. Na de 7/10, "O cinema de Araguari", escreve: "Acabo de passar por sete cidades do Triângulo Mineiro(...). Em três, a cultura, tendo gente que se preocupa com ela, se estabeleceu em estações ferroviárias desativadas". Na de Monte Carmelo enfatiza: "a estação, pequena e ajeitadinha, teve o carinho da prefeitura que se empenhou e a recuperou, transformando-a em centro cultural, onde acontece de tudo, o tempo inteiro, para todas as idades. Modificou o cenário". Em Araguari viu mais realizações: "Uma Fundação mobilizou o povo, convenceu autoridades e todos botaram mãos à obra. Uns trabalharam no lado político, burocrático e administrativo para liberar o espaço. Outros arregimentaram voluntários, foram para o local e entraram em ação(...). Enquanto isso, arquitetos faziam o projeto de restauração.(...) Quando você chega na cidade contempla a estação, imponente, no espigão de uma colina. À noite, a iluminação a torna magnificente, um palácio. Assim acabou denominada: Palácio Ferroviário".

Em Bauru, no denominado complexo da antiga Estação da Paulista, em edificações já repassadas para a Prefeitura Municipal, atráves de convênio, um grupo abnegado de funcionários públicos faz o mesmo. Com recursos próprios, grande parte do material de construção já foi adquirido, faltando a mão de obra para iniciar um restauro. Mais verbas podem vir através de uma emenda do orçamento proposta pelo deputadoVicentinho (PT/SP) e com um grande projeto idealizado pela Secretaria deCultura, junto à leis de incentivo cultural, como o PAC e a Rouanett. E o sonho, também por aqui, vai, pouco a pouco se transformando em realidade. Um velho e antigo sonho de todo aquele que nutre um carinho especial pelas ferrovias, antes tão pujantes e hoje, menosprezadas e relegadas a um segundo plano.

Loyola já havia anteriormente descrito todo esse fervor ferroviário, numa crônica antológica, de 26/08/2005, dedicada ao pai, intitulada "O homem que amava a ferrovia", quando relebrou: "Os filhos cresceram subindo e descendo de trens, madrugando em plataformas, viajando em todas as férias, sentindo o cheiro da lenha queimada nas fornalhas ou a dos vagões de passageiros impecavelmente limpos e encerados.(...) A ferrovia foi vida, coração e alma de Antônio Maria Brandão. (...) Meu personagem inesquecível". Todos que viveram intensamente a ferrovia, sentem o mesmo e lutam pelo seu ressurgimento ou pela simples restauração e reocupação das edificações de outrora. O escritor segue escrevendo muito sobre sua Araraquara, o interior todo e em algumas outras vezes, Bauru. Acompanhar seus textos é uma espécie de magia, contagiante e inebriante. O faço com o máximo de prazer. Volta e meia, lá está a citação de nossa cidade, como na crônica de 19/10/2007,"Cachoeira de manga rosinha", quando volta ao assunto: "Tenho visto por todo o país estações ferroviárias reativadas de outra maneira, já que os trens morreram. Lembrei-me de Araguari, de Araxá, pensei em Bauru, com aquele prédio que era dos mais belos. Como estará? A prefeitura tinha conseguido comprar.Fez alguma coisa? Teve verba? Cultura não tem verba, o dinheiro é para comprar deputados e senadores". Loyola ainda não sabe, mas a Prefeitura não conseguiu comprar aquela estação. O grupo Marca que havia iniciado as negociações com os trabalhadores, donos do imóvel, alegando prioridade inviabilizou sua desapropriação. Após quase virar um polêmico shopping, nova perspectiva desponta com a iniciativa de ser transformada na sede de Tribunais de Justiça, sendo mantidas todas suas características arquitetônicas. A cidade, por enquanto, continua aguardando pacientemente
pelo desdobramento final.

Se nessa, a Prefeitura pouco pode intervir, em outra já existe uma intervenção definida. Na Estação da Paulista, outra muito imponete, irá se repetir tudo aquilo que Loyola presenciou com as estações mineiras e hoje, com diferentes escalas, em várias cidades do interior paulista. Ambos os projetos, tanto o da estação Central, como o da Paulista, localizadas no coração da cidade, passam pelo da revitalização do centro da cidade e vão ajudar a dar uma cara nova para essa degradada região. Se o escritor ainda não sabe disso pessoalmente, em breve tomará conhecimento in loco, pois acaba de confirmar sua vinda para Bauru, em 16/04, quando ministrará palestra na Feira do Livro Infantil. Não escapará de percorrer todas essas edificações ferroviárias, matando assim, além da saudade, a curiosidade sobre o futuro de nossas "belas" edificações ferroviárias. Estaremos todos à sua espera.

HPA, escrito em 20/02/2008

2 comentários:

MARTHA THORMAN VON MADERS disse...

Adorei seu blog, é maravilhoso, respira cultura.voltoa visita-lo,e farei um comentário sempre.meu blog é marthacorreaonline.blogspot.com

MARTHA THORMAN VON MADERS disse...

Adorei seu blog, é maravilhoso, respira cultura.voltoa visita-lo,e farei um comentário sempre.meu blog é marthacorreaonline.blogspot.com