Adelino Silvestre é um funileiro que conseguiu com o passar dos anos manter seu próprio negócio e de um jeito pouco singular. Montou uma funilaria de automóveis e têm uma clientela que lhe mantém uma movimentação o ano todo. Já teve muito mais, mas devido à problemas de saúde, preferiu reduzir e continuar tocando a vida com muito menos que antes. Prefere não crescer, pois com o ritmo atual está plenamente satisfeito. Hoje, quem adentra o espaço físico de sua oficina observa um amplo espaço não todo ocupado, com poucos funcionários, porém todos com bastante ocupação. Tanto que acaba de me contar sobre a recusa do serviço de um cliente de anos: "Ele me trouxe o carro mês passado, disse que sópoderia atendê-lo no final do próximo. Quis indicar quem fizesse tudo de imediato, mas ele preferiu esperar para fazer aqui comigo".
Quem o conhece sabe tratar-se de uma pessoa boníssima, daqueles boas praças que, logo no primeiro bate-papo, tem-se a certeza de estar diante de uma pessoa de confiança, um amigo. Foi assim que me senti ao adentrar sua oficina pela primeira vez. Fui indicado por um conhecido dele, pois precisava de uns reparos na lataria do automóvel. Quando bati os olhos em sua figura, reconheci uma pessoa que não via há muitos anos e de quem guardava boas recordações. Adelino havia também frequentado o campo doARCA – Associação Recreativa e Cultural Antarctica, um antigo campo varzeano de Bauru, na vila Antárctica. Com um sorriso dos mais agradáveis, relembramos histórias e estórias daqueles tempos e descobri ali um amante do samba e do Carnaval carioca: "Fui por mais de dez anos seguidos aos carnavais cariocas e tenho uma paixão muito grande pelo povo, pelo futebol e pelo modo bonachão e irreverente deles levarem suas vidas. Adoro o samba deles e sempre que vou trago presentes para meus funcionários". Tanto é verdade que um deles trabalhava naquele dia com uma camisa do Flamengo. Havia ido lá somente combinar o preço para recuperar um amassado no carro, acabei ficando mais de uma hora numa conversa que não acabava mais. Adelino tem um imã para segurar as pessoas por lá. Fui ficando e voltando.
Ele sabe contar uma história como poucos e a cada reencontro ficava estebelecido uma verdadeira festa. Foi assim, quando o reencontrei num local pouco inusitado, a sala de espera de um hospital, quando ambos íamos ser atendidos, após alguns exames de início de ano. Eu com os meus problemas de trigliceres alta e ele, com dores fortes no joelho e a hipertensão a lhe atormentar a vida: "Sabe aquelas dores noturnas, quando você tem vontade de bater com o joelho na parede. Tô assim e acho que não vou escapar de uma nova cirurgia, pois ainda quero voltar a bater minha bolinha". Enquanto esperávamos o atendimento iniciamos uma conversa sobre atendimento médico: "O tipo de atendimento já melhora ou piora o nosso problema. Essas dores me levaram outro dia para o Pronto Socorro e lá percebi o clima tenso. Local cheio de gente, muita espera. Quando chegou minha vez, o médico estava de cabeça baixa e antes que pudesse levantar, pedi educadamente um minuto de sua atenção, só um, onde iria lhe expor um pequeno probleminha que me atormentava e que achava poderia ser solucionado por ele. Ele levantou a cabeça, me viu sorrindo e sorriu também. Foi o melhor atendimento que tive. Me medicou, esperou fazer efeito, conversamos sobre minha profissão e a dele. Esqueci até das dores. Tive uma noite tranquila, acho que até melhorei em função da forma como fui atendido".
Essa é sua forma de viver, bonachão e despreocupado. Espera aí, despreocupado em termos, pois não existe como se isolar dos problemas desse mundo. E ele continua se envolvimento com tudo, tanto que muitos já lhe causaram sérios problemas de hipertensão: "Assimilava tudo, da equipe toda ao meu lado e isso me causou sérios problemas. Já pensou em 16 pessoas trazendo seus problemas e preocupações, com aquela tensão toda, filho doente, noite mal dormida, grana que faltava para o pão, briga com o vizinho, tudo caia na minha mesa. Era quem tinha que estar pronto para ouvir e resolver tudo para a maioria deles e quando vi, os meus problemas foram se agravando. Não têm como parar de vez, pois nem aposentado sou, mas diminui o ritmo consideravelmente. Foi o que fiz. Viver com bem menos é mais do que possível. Faço isso sem arrependimento". Conferi isso quando ele recebeu um cliente e amigo, o advogado Célio Parisi, cuja caminhonete estava ali já há duas semanas e ficariam mais outras tantas. São amigos de longa data e Célio não traz o carro ali somente porque o serviço é bom, traz pela amizade, pela conversa sadia e pelo clima. Naquele dia, eu trazia uma camisa da escola de samba Mangueira para Adelino e todos tiramos uma foto ao lado de seu caminhonete. Papeamos até alguém lembrar que tínhamos obrigações a cumprir.O que se percebe é que Adelino tem um lista incomensurável de amizades e todos acabam dando uma paradinha, meio que obrigatória na porta de sua oficina. Num outro retorno, após uma alongada conversa lá dentro, assunto resolvido, saímos para as despediddas na rua e nos deparamos com Amaro, um ex jogador do BAC – Bauru Atlético Clube, 68 anos, pinta de galã, pois está com uma forma física invejável. Amaro Carrara foi um dos mais brilhantes meia-esquerdas e pontas do futebol bauruense e a sua chegada adia minha despedida. Nova conversa é iniciada na calçada, Amaro pega seu álbum de fotografias e vamos todos rever o passado. Adelino olha para mim e ri, abraça o amigo e por mais de vinte minutos o assunto trabalho não é mencionado. E é um tal de "Por onde anda fulano? Que foi feito de beltrano?". Na minha despedida, percebo uma movimentação, ambos caindo na real e Amaro começa a explicitar os reais motivos de sua ida até lá. Aproveito para me despedir, meio na surdina. É assim que devem ser todos os dias do funileiro Adelino, que do alto dos seus 58 anos, toca seu barco, rodeado de gente amiga e fiel. Da última vez que lá estive, entre um café e uma água, me disse: "Você sabe que pagamos tudo o que fazemos por aqui mesmo. Não fui nenhum santo, hoje aindo peno, mas me reencontrei. Vivo intensamente, entre amigos, familiares, o trabalho e o lazer, do qual não abro mais mão. Domingo passado, peguei esposa e filhos e fui tomar o café da manhã, aquele luxuoso lá no Alameda (Alameda Quality Center), a R$ 14 reais por pessoa. Saí de lá que não queria mais ver comida, muito menos almoço". Adelino ainda não conhece, mas essa mudança no ritmo de vida é algo que muitos estão fazendo. Um deles, o ex-assessor de imprensa da presidência da República, Ricardo Kotscho, lançou até um livro sobre o tema: "Uma vida nova e feliz... sem poder, sem cargo, sem carteira assinada, sem crachá, sem secretária e sem sair do Brasil" (Ediouro, 2007), classificado como de "alta-ajuda", pois contribui para quem está disposto a dar uma guinada em sua vida, buscando uma vida mais simples. Kotscho, quando do lançamento, disse estar muito feliz com a nova vida, porém "meu único sonho sonho agora é sair do cheque especial". Adelino, com certeza, vai concordar em genêro, número e graú.