sábado, 15 de setembro de 2007

MEMÓRIA ORAL Nº 01 (Regularmente, um texto com esse formato e muitas fotos)


MADALENA FAZ A DIFERENÇA, AO SEU MODO

A Pousada da Esperança é um bairro periférico de Bauru SP, afastado uns 8 km do centro, nas margens de uma rodovia, na saída para a cidade de Arealva. Bairro de trabalhadores que, moram em casas, todas construídas aos poucos, de acordo as possibilidades de cada um. Não é diferente a situação de Madalena Julio Marinho, 58 anos, solteira convicta, morando numa casa de quatro cômodos, num pequeno terreno, que dividiu em dois, para que a filha, Karine, o genro e os dois filhos começassem a construir a deles. São dezessete anos de Pousada, tendo já visto quase de tudo por ali:

- Hoje a situação é até boa. Vi muitas crianças de 12, 14 anos perdidas, dizimadas pela droga e pela violência das ruas. Sempre achei que faltam pessoas para mostrar que a vida não é só droga. Cuidando dessa geração que aí está, eles vão para um outro lado. Os livros transformam. Com a leitura a vida passa a ter um outro caminho.

Dona de uma mentalidade inquietante, não fica parada um só instante. Vive sem renda fixa, tudo o que ganha é conseguido com a venda de produtos de limpeza pelas ruas do bairro. Ela compra a essência, faz a mistura e distribui para uma clientela, dentro da própria comunidade. Também ocupa seu tempo como presidente da Associação de Moradores, gestora do Posto de Saúde e membro dos Conselhos Municipais da Saúde e da Assistência Social. Corre bastante para que nada lhe falte e, além disso, há pouco mais de um ano, encontrou outra atividade, que lhe preenche bastante o tempo, além de ocupar um bom espaço dentro de sua modesta casa.

Todo um corredor e mais a cozinha estão abarrotados de livros. Isso mesmo, a casa de dona Madalena é a mais nova biblioteca do bairro. Muito requisitada pelos estudantes de duas escolas do bairro, uma municipal e outra estadual (a Biblioteca Pública Municipal fica no centro da cidade, assim como as ramais, distantes dali). Sua vida sofreu uma revolução desde que comprou a idéia da necessidade da criação de uma biblioteca, que empreste os livros para os estudantes fazerem seus trabalhos em casa:

- Temos duas escolas por aqui. Uma mais nova, a municipal, ainda não possui biblioteca e a outra, a estadual abre a sua somente a partir das 17h30 e não empresta livros. Toda a pesquisa tem que ser feita no local. O bairro ainda é perigoso e não deixaria meu filho pequeno voltar de lá sozinho depois das 18h. O pequeno Wendell, de 14 anos lhe deu um toque sobre essa deficiência. Ele veio com a idéia de montar uma biblioteca, primeiro em sua casa e depois num outro local. Juntos montaram uma barraquinha defronte a casa dela e receberam os primeiros livros. Um jornal e um programa de TV divulgaram o fato e muitos outros chegaram. A barraca ficou insipiente. Com esforços redobrados, alugou uma pequena casa por R$ 120,00 ao mês e levou tudo para lá. A experiência rendeu cada vez mais estudantes, tendo que ser abortada após seis meses de funcionamento. Primeiro pelo custo, que se tornou elevado, sem apoios, depois pela mudança de Wendell para outro bairro, reduzindo suas aparições. Sozinha, tudo ficou mais difícil. O último recurso, para não fechar às portas foi transferir tudo para sua própria residência. E assim foi feito.

A cada dia os livros ocupam mais espaço dentro da casa. Um corredor, que a corta de fora a fora foi todo ocupado por estantes de aço, chegando até a cozinha. Isso a obriga a fazer uma higienização nos livros todos os dias, para que não fiquem impregnados por gordura. "Limpo diariamente e cheguei à conclusão de que deitados engorduram menos, facilitando a limpeza", diz dona Madalena, enquanto recebe a bancária Lígia Maria Juncal, que ficou sabendo da biblioteca, ligou e perguntou do que mais ela precisava. Trouxe um fichário, pois todos os empréstimos eram feitos e guardados em sua memória. Com a chegada do fichário, terá um melhor controle sobre as entradas e saídas de livros.




Assim como Lígia são poucos. Vieram muitos livros, mas muitos repetidos, outros tantos velhos e de pouquíssimo uso, um tanto ultrapassados e não mais utilizados nas escolas. O grosso são livros técnicos, velhas enciclopédias, muitas revistas religiosas e quase nada dos clássicos da literatura. Dona Madalena não reclama disso, mas é evidente que muita coisa que possui foi descartada da casa das pessoas e hoje ocupam um espaço precioso naquelas estantes, que poderia ser preenchida por livros e revistas mais atuais, de muito mais utilidade para os estudantes. A constatação é de que muitos resolveram um problema de espaço em suas casas, ocupadas por livros velhos e inservíveis, transferindo-o com a doação para aqueles minúsculos cômodos. Ela sabe disso e não reclama, tanto que diante da interpelação de que poderia lhe servir uma caixa cheia de revistas de cunho religioso. Incisiva foi sua resposta:

- Pois foi nelas que as crianças encontraram material para trabalhos sobre aquecimento global. Vasculhamos elas e tudo foi de grande utilidade.





Por falar em religião, o prédio ao lado é a Paróquia Apóstolo Paulo, que passa por reformas, abrigando um salão e a nova casa paroquial. Frei Ernani foi consultado por dona Madalena, que também é católica, mas ele não encontrou possibilidades de levar os livros para uma sala no novo espaço. Pintou logo a seguir no muro a frase "Doações para Biblioteca aqui" e os livros não param de chegar. Ela, resignada, sabe que a continuidade de sua biblioteca passa pela ampliação de suas instalações atuais, pois dificilmente terá como continuar recebendo os mais de 300 estudantes, que já passaram por sua casa. Para isso, quer envolver toda a comunidade numa campanha para arrecadar mil tijolos e uns quinze sacos de cimento. Pretende levantar o barracão no terreno na frente de sua casa, em regime de mutirão. O plano já está todo montado em sua cabeça e precisa nesse momento de divulgação, para conseguir concretizá-lo.
- Não posso parar. Muitos falam que sou louca de fazer tudo isso, mas o que me comove é ver crianças, como uma de nove anos, que veio aqui me pedir um Dom Quixote e eu não tinha para emprestar. Não tenho, mas vou ter. Como sei que irei levantar o barracão lá na frente, muito mais espaçoso e confortável. Se parar com tudo, onde eles irão emprestar livros aqui por perto?

Outra ajuda está vindo da Biblioteca Central do município, que estará disponibilizando uma pessoa para ajudá-la na catalogação do acervo e conseguindo livros bem mais atuais, que fazem parte de seu excedente de reserva existente atualmente. E com a certeza de que vive uma verdadeira missão, ela como toda abnegada, ciente de que é útil, segue fazendo a diferença. A seu modo.
SERVIÇO:
Madalena Julio Marinho - avenida José Alves Seabra n 4-176, quase esquina com a rua José Bombini - Pousada da Esperança - Bauru SP
fone residencial 14.3277.1289

HENRIQUE PERAZZI DE AQUINO – escrito originalmente em 01/JULHO/2007.

Um comentário:

Anônimo disse...

Obrigado por intiresnuyu iformatsiyu