terça-feira, 18 de setembro de 2007

MEMÓRIA ORAL Nº 2

A TROPA JÁ BAIXOU AQUI NA TERRINHA

O filme ainda nem foi lançado oficialmente, mas produz um sucesso estrondoso, principalmente na cidade do Rio de Janeiro, onde se passam todas as cenas de “Tropa de Elite”, a mais nova sensação cinematográfica brasileira. O filme é polêmico pela própria natureza do tema abordado, as ações violentas do BOPE - Batalhão de Operações Policiais Especiais da Polícia Militar do Rio de Janeiro. Não se viu até agora nenhuma propaganda oficial sobre o filme, que segundo o diretor José Padilha (o mesmo de Ônibus 174, de 2002), estreará nos cinemas em novembro, porém, o filme já está praticamente espalhado por tudo quanto é canto, num fenômeno mercadológico ainda inédito para o nosso cinema. Já se viu algo parecido com filmes estrangeiros, tiragens imensas e isso tudo está sendo, nesse momento, vivenciado também pelo cinema tupiniquim. Com o vazamento adentramos o rol dos filmes pirateados antes mesmo da estréia.

Essas coisas de pirataria são um tanto difíceis de serem identificadas. Difícil saber de onde partiu a reprodução da primeira cópia pirata, quem a repassou, para quem e como tudo foi se dissimulando. Muita investigação já foi feita e alguns nomes e suspeitos já estão arrolados e enrolados, com a lei ameaçando seus calcanhares. Isso tudo está merecendo uma ampla divulgação nacional, primeiro pelo ineditismo do feito e depois porque o filme trata de um assunto bem nosso, violência e ação policial. No Rio fala-se que as primeiras cópias foram vendidas a R$ 10 reais, depois a R$ 5 reais e hoje são encontradas até por R$ 2 reais. Pelo visto, por lá está um tanto difícil de encontrar quem ainda não tenha assistido ao filme. Virou febre e mania.
Mas, e por aqui? E no sertão paulista, a quantas anda a tal febre? Fui constatar isso no penúltimo domingo, no lugar considerado o paraíso dos piratas na cidade, a Feira do Rolo, que acontece junto à feira da Rua Gustavo Maciel, no centro da cidade. Circulei de barraca em barraca e não encontrei o filme. Muitos camelôs já ouviram falar e outros tantos estão querendo saber onde encontrar as cópias, pois muita gente já está procurando-a pelas barracas. Numa delas, acompanhado do filho, fiz perguntas demais e de posse de uma máquina fotográfica, causei a maior suspeita, com o camelô vindo na minha direção de forma meio acintosa: “É federal? Não pode ir tirando foto da banca, assim não!” Chegou a brincar que estaria armado e na boa desmontei o clima pesado, com muito papo e bom senso. Afinal, não é de bom alvitre ir fotografando camelôs, principalmente aqueles que revendem produtos pirateados e vivem sob o fio da navalha.

Um outro, mais maleável, acabou me afirmando que só não está vendendo a fita porque ainda não encontrou quem a repassasse: “Pra semana eu devo ter, pois a procura é grande e também quero ganhar algum com isso”. Bisbilhotei por todas as bancas e nada do filme, acabando por constatar um clima de expectativa entre as duas partes, a dos clientes, que especulam, procurando saber quando chega e entre os camelôs, que se movimentam na busca do tal filme, ou do lucro certo, pois a procura só aumenta. Um outro, fez questão de frisar algo interessante: “Nunca vi tanta procura por um filme brasileiro como esse aí. O negócio deve ser bom mesmo e estou também curioso”.

Na segunda, 10/09 rodei os camelôs do centro da cidade. Poucos eram os que ainda nada haviam ouvido nada sobre o filme. Circulei por umas dez bancas e na grande maioria, nada, nenhum vestígio. Numa delas, a grande novidade, o filme já havia passado por ali e estava esgotado, pelo menos naquele dia. Todas as cópias, que esse camelô, de uma das ruas transversais ao Calçadão central havia trazido foram vendidas. Estava cheio de encomendas para o dia seguinte e diante da minha curiosidade, foi logo falando: “Tenho mais dez rodadas lá em casa. Se quiser assistir hoje, te dou meu endereço e vai lá buscar à noite. Do contrário, guardo para ti e pega aqui amanhã. São R$ 5 reais”. Por fim acabei ouvindo mais uma novidade dele: “Em Bauru, por enquanto, só eu e um outro amigo temos. Somos os únicos”. Parece serem mesmo os pioneiros. Quer dizer, a Tropa de Elite já chegou à cidade e se veio para movimentar o comércio de DVDs piratas é algo que veremos a seguir.

Voltei no dia seguinte e quando fui chegando perto, ele já me reconheceu do dia anterior, foi logo me mostrando a banca: “Olha aqui o filme. Tenho duas versões de capas. Uma com o Cristo e outra com a favela de fundo. Em ambas o filme. Já vendi quase tudo que trouxe hoje, uma loucura. Tá entrando uma grana legal”. Comentei com ele, que justo ao lado, um outro filme bem badalado e difícil de ser encontrado, o “Amor estranho amor”, aquele erótico com a Xuxa. Ele é rápido na resposta: “É nessas coisas mais difíceis que se ganha um algo a mais”. Não resisto e faço a pergunta fatal: Como trouxe o filme? Ele pensa um pouco, como quem tem dúvida se deve ou não revelar e acaba falando que: “sou do Rio, tenho muitos parentes por lá e sou cheio de contatos. Acabei pedindo para me enviaram. Sei que logo outros vão vender, mas por enquanto quero ganhar algum a mais. Só isso”. Antes de ir, perguntei-lhe se já havia assistido e sorrindo me disse: “Claro. Acho até que fui o primeiro por aqui”.
Não me prolongo muito e saio pela rua pensando em outra coisa: O cinema brasileiro é viável e muita gente quer assistir aos filmes nacionais. A resposta é essa febre, talvez uma de nossas maiores bilheterias, sem ao menos ter sido lançado. O questionamento é de cunho cultural, envolvendo o preço cobrado pelos ingressos nos cinemas e o da venda dos DVDs. Algo que fica no ar, é como isso chega aos lugares periféricos desse imenso país. Tudo isso deve estar revirando os miolos dos produtores, diretores e de quem investiu nesse inesperado e louco sucesso. Tenham certeza, de que tudo o que foi gerado e criado em torno do filme, guardadas as devidas proporções, acontecerá por aqui e por todo o resto do país. O negócio já pegou e vai ter prosseguimento, talvez batendo recordes de bilheteria, sem que grana alguma entre para os bolsos dos seus idealizadores, pelo menos antes do lançamento. Coisas dos nossos tempos.

Para se ter uma idéia do avanço da tal febre, dei dois dias e voltei no final da quinta até os camelôs do centro da cidade. Fui sondar e o filme estava começando a circular em outras bancas. No último domingo, só espiei a Feira do Rolo e o filme estava em várias delas. Vi no jornal local um representante das vídeos-locadoras, Avanilton Sebastião, 50anos, dando uma entrevista sobre as perdas do setor e uma campanha, que tomou algumas ruas do centro da cidade, numa tentativa de conscientização da população para não consumir DVDs pirateados. Ele explica algo que é o grande problema do negócio hoje em dia: “As videolocadoras pagam em torno de R$ 120 pelos lançamentos. Quando estão disponíveis em lojas do ramo, custam por volta de R$ 45. O consumidor desembolsa de R$ 3 a R$ 5 pelo aluguel do DVD. Nós pagamos impostos e geramos empregos”. Na defesa da economia informal está Cláudio Luiz, 34 anos, representante da Associação da Economia Informal de Bauru, que na mesma reportagem salienta: “A questão do comércio dos produtos pirateados é social e não policial. Se tivesse mais empregos, com certeza não haveria economia informal”.
A questão levantada por tudo isso é a de que o vazamento do filme Tropa de Elite é a prova de que a pirataria nem sempre começa no camelô. Ele é simplesmente a ponta de lança do negócio, propiciando mais um dos tantos negócios ilegais, com permissão meio que consentida pelos ditos poderes constituídos. Outra questão é a do acesso à cultura e como ele se dá. E por último, sem falsos moralismos, a questão das pessoas colocadas na economia informal, como único meio de subsistência. O filme, bem ele já é um grande sucesso e continua sendo visto por tudo quanto é canto, inclusive por aqui, propiciando essa discussão toda. E tenho que confessar: estou louco para assistir e não sei se vou conseguir esperar o lançamento nos cinemas.

Henrique Perazzi de Aquino - 17 de setembro de 2007

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