ALGUNS PERSONAGENS QUE FAZEM O CARNAVAL DE BAURU – RELATOS DESSE HPA
Abro minha caixa de e-mail hoje e lá mais um reconhecimento. Uma revista de grande circulação deve ter tomado conhecimento de alguns perfis escritos por mim sobre carnavalescos de Bauru. Pede para que envie alguns, pois pretendem publicá-los. Junto tudo na correria, pois meu tempo urge hoje por aqui e alguns reproduzo novamente aqui, pois já saíram no facebook com o título de “Personagens sem Carimbo – o Lado B de Bauru”. São oito no total e no final, o relato de dois amigos que desfilam comigo no bloco “Bauru Sem Tomate é Mixto”.
ATHAIENE LUCIANA B. tem o samba no pé, parece já ter nascido com ele ali colado ao seu corpo. Aos 22 anos, faz um curso profissionalizante de Segurança do Trabalho e está em busca de uma boa colocação no mercado de trabalho. Mora no Mutirão Primavera, ali logo abaixo do jardim Redentor e sempre que ouve o sinal do samba, cai nele. Nesse ano, o chamado foi o da escola Coroa Imperial, do Geisel e lá, embalada pelo sonho de voar (de nada menos que Ícaro), a menina voará em algum lugar de destaque. Ele tem assombrado os que a veem nos ensaios, deslumbrado olhos e despertado a cobiça dos que manjam de que nesse negócio de samba no pé, não adianta ser indicada por ninguém, tem mais é que provar ali no sapatinho, no gingado da música rolando. Foi trazida para a escola por um dos seus diretores, Jeremias e a cada vez que inicia o sapateado, ganha mais adeptos e admiradores. Sua mãe também está engajada na escola e dessa forma, uma segue a outra, caminhos diferentes, mas de dedicação ao que está sendo preparado como espetáculo. Se faltaram até hoje boas oportunidades de trabalho, no quesito samba, parece estar fincando sua marca registrada e fazendo acontecer. Athaiene é uma dentre tantas, que luta por um lugar ao sol. E o sol está logo ali na curva da esquina.
ANA LUCIA TIBURCIO mora ali no Geisel, nas imediações do trevo principal, pertinho da Perdigão, tem 46 anos e recentemente passou poucas e boas por causa de uns mais que sérios problemas de saúde. Teve um aneurisma e a partir dele sua vida se transformou. Foram 35 dias internada e cinco em coma. As sequelas elas sente no dia a dia, mais lento, tentando e fazendo de tudo para se recuperar. Consegue por causa de uma força de vontade, dessas que não sabe direito onde busca. O que sabe é que, está fazendo de tudo e mais um pouco para sair novamente na escola de samba do seu coração, a Águia de Ouro, como madrinha da bateria, algo que conquistou ao longo dos anos, com muito samba no pé, dedicação e trabalho. Ana trabalha no Setor de Compras Administrativo de Eventos da Unesp Bauru, mãe de três filhos e esposa do Ulisses, sambista e radialista, vozeirão do samba na cidade. “Eu mesmo monto minha fantasia. Estou fazendo de tudo, mas se perceber que não vai dar, não desço no asfalto, como sempre fiz, mas num carrinho adaptado e no meio da bateria”, conta cheia de orgulho e satisfação. Sua casa está bem na esquina onde a escola ensaia, aliás o entorno de sua casa é toda envolvida com o festejo. Com um balcão na frente de sua área, tudo começa por ali na festa da Águia. Ana, mesmo ainda em recuperação, não para e ao ouvir a bateria batendo forte, não resiste, sai de casa e vai sambar no meio da rua. A torcida por ela é imensa e ela não decepciona.
VALDEMIR CAVALHEIRO, 46 anos gosta de se intitular “livre para voar”, após sua última separação. Ou seja, está com o coração vazio de um novo amor, mas por outro lado está mais do que ocupado como uma espécie de faz tudo da escola de samba Azulão do Morro. Acompanha Cidinha Caleda, a presidente em tudo., conquistando não só sua confiança, como o reconhecimento não só dela, mas de toda comunidade. Valdemir é conhecido por lá como o MI DO AZULÃO, trabalhando como operador de caixa numa rede de padarias na cidade e depois disso, dedicação exclusiva ao samba do parque Jaraguá. Sambista com mais de 30 anos de asfalto, começou na Mocidade Independente, foi campeão pela Império da Nova Esperança no ano do seu único título, o de 1986 e de pouco depois para cá só sambou junto do Azulão. Faz de tudo por ali, monta ala, fantasia, toca surdo e nesse ano pela primeira vez será um dos intérpretes do samba na avenida, junto de mais três pessoas. Morador da Vila Santista, fez de sua casa a extensão da escola, pois dentro dela monta com pessoas amigas e vizinhos alas que desfilarão na avenida. Mi desdobra-se para fazer tudo a contento, trabalho árduo, sem tréguas, porém sempre sorridente, alegre como deve serem tocadas as coisas envolvendo o Carnaval.
CLÁUDIO GOYA, 55 anos é famoso por toda Bauru como um dileto e competente professor do curso de Design na Unesp Bauru. São anos e anos de muita dedicação. Um daqueles que vive nas boas graças com os alunos. Acumula hoje o cargo de Coordenador do Curso e lá nada de braçada. Competente e uma audaz pessoa. Estatura mediana, jeitão malemolente de levar a vida, sabe extrair dela o que de melhor esse suco pode extrair. Pai de dois, vive feliz, alegre e pimpão ao lado do seu Marcelo, outra boníssima pessoa. A menina dos seus olhos é o seu Projeto de Extensão, denominado de LabSol – Laboratório de Design Solidário. Nesses dias juntou tudo e após receber um convite da Escola de Samba Coroa Imperial, baixou o santo sobre si e da noite para o dia transformou-se no carnavalesco da escola. Incorporou com tanto carinho e dedicação a tarefa, tornando-se por esses dias quase um escravo, entre rendas e paetês. Levou consigo o LabSol e o Neo Criativo (esse coordenado pelo professor Juarez Xavier), num congraçamento de jovens fazendo e acontecendo, propondo o novo de forma inspiradora para a escola lá do Geisel. Uma gente pensante e atuante. Goya sua a camisa, mas sua fazendo o que gosta. Quem o vê por esses dias nem o reconhece direito. Está tomado de um furor uterino, algo que o contagiou, tomou conta, fazendo com que coloque para fora o melhor de si, tudo em prol do que ninguém até então acreditava que ele pudesse se interessar, os bastidores dos festejos de Momo. Esse cara é um verdadeiro coringa.
GISELE APARECIDA BARONE, 50 anos é uma professora desiludida com sua profissão. Cansou de dar aulas, por aqui, Avaí e Pirajuí, cidades onde morou num passado não tão distante. Quando conheceu Chiquinho Saes, seu marido, envolveu-se de corpo e alma com algo que a pegou por inteiro, o amor pelo Carnaval. Primeiro foi com a escola de samba Tradição da Bela Vista, depois, em 1996, com a mudança deles para o Mary Dota, com a Tradição da Zona Leste. Mãe de duas filhas, avó de outras tantas, vê-la sentadinha num banquinho, ao lado de dois imensos isopores nos ensaios da escola, acontecidos numa quadra de futsal no meio do bairro, tudo descoberto, sujeito a chuvas e trovoadas é a constatação de que tem pessoas que fazem tudo e mais um pouco pela sua escola. Ela e Chiquinho juntam tudo, migalha por migalha, para ajudar a escola e transformou sua casa, num depósito, onde mal sobra espaço para dormirem. Isso perdura até o dia da festa. Gisele é incansável nos preparativos, uma espécie de faz tudo por lá, sendo também a que constrói o enredo. Quer mais? Vá lá para saber.
MARIA INÊS SILVEIRA é moradora lá do Santa Luzia, fazendo parte da conhecida e sorridente família dos “Fumaça”, conhecidíssimos mundo afora. Sua mana, Matilde, foi roupeira da Seleção Feminina de Basquete e viajou mundo afora, hoje de volta ao seio familiar. Essa digna representante dos Fumaça vive dignamente da coleta de material reciclado pelas ruas de Bauru e o faz sem pestanejar, uma das formas que encontrou para ter o que precisa, sem necessitar de pedir nada pra ninguém. Uma batalhadora e hoje, com mais de 60 anos no lombo, após concluir sua labuta diária se junta a outros dos seus e vai diariamente ao barracão da escola de samba Cartola e ali, presta um serviço de ajudante de limpeza, uma doação feita por amor ao samba e a pessoas que valorizam o que ela de fato é. Para a escola, Maria Inês é uma espécie de amuleto, sinal de sorte, sendo dela a primeira fantasia de gala, feita ano após ano, desenho milimetricamente traçado pelo carnavalesco Horácio. Semana que vem vai concorrer pela Cartola no Concurso Miss Terceira Idade das Escolas de Samba e lá estará, ela e seu inseparável sorriso e muito samba no pé. Quem a vê sambando, riso escrachado, malemolência por todos os poros, tem que reconhecer, o Carnaval não tem nada de festa pagã. Não vivemos só de pão e circo, mas o que seria de todos nós sem alguns necessários momentos de uma boa festança?
ANA CRISTINA IGNÁCIO SANTOS, 52 anos é a matriarca dessa família dos Santos. Vive no Mary Dota, mas adotou a Escola de Samba Azulão do Morro para, não só usufruir do bom samba, como levar consigo os filhos, GABRIEL DA SILVA SANTOS, 4 anos, mascote da bateria da escola e LARISSA CRISTINA SILVA SANTOS, 11 anos, rainha mirim da mesma bateria. Ana trabalha na CEF – Caixa Econômica Federal, agência da Nações e seus dois filhos estudam na mesma escola, o Colégio São Francisco, no jardim Bela Vista. Atravessam a cidade não só para estudar e trabalhar, como para sambarem, sendo vistos diariamente por esses dias defronte a casa de Cidinha Caleda, no Jaraguá, local de ensaio da bateria da escola, todos envolvidos com o samba no bairro. Incutiu cedo nos filhos o gosto pelo bom samba, já tendo abrigado em sua casa até dona Zica, a esposa do Cartola, quando em passagem por Bauru. O garoto toca caixa e repinique, a garota samba e a cada dia aprende um bocadinho mais e ela, a mãe acompanha e se prepara para comandar uma ala de passistas. O único que não samba é o marido, soteropolitano, preferindo ficar em casa. Dia desses a caminho do ensaio ouviu um lamento da filha em forma de pergunta, algo que faz questão de passar para frente: “Por que mãe, o prefeito esqueceu de cuidar desse bairro como cuida dos outros?”. Ana está ali ao lado da Cidinha exatamente por causa disso, o trabalho social feito no bairro. E, é claro, por causa do samba.
JÉSSICA DIAS DO NASCIMENTO é uma linda negra retinta, menina nascida e criada na região do Mary Dota, 22 anos, enfermeira do Trabalho, atuando todo santo dia das 23 às 6h da manhã numa famosa empresa do ramo de papel. Trabalha durante a noite e dorme toda parte da manhã e um pedaço da tarde. Já havia saído em algumas escolas de samba antes, como o Azulão do Morro e a Unidos do Samba. Pela primeira vez foi convidada a sair pela escola do seu bairro, a Tradição da Zona Leste e na eleição da Rainha do Carnaval emplacou o título. Bom sinal, começando sua participação com alegria, simpatia e amor. Ela é a própria alegria em pessoa, contando com a ajuda de muitos do bairro na concepção do que irá vestir: Eduardo fez a fantasia, Gê a maquiou, a Priscila a ensaia com rigor e aí por diante. Em casa um pouco de resistência, pois seu pai é pastor evangélico (“no começo falava muito, hoje não mais, viu que não adianta”, diz) e ela mesmo se diz uma evangélica em compasso de espera, não praticante. Dessa forma, o samba sai ganhando.
Não resisto e incluo no rol do carnavalescos um relato postado hoje na redes sociais pelo amigo Silvio Selva sobre ele e os loucos, dente os quais me incluo, assim como o outro com ele na foto, Esso Maciel: “Aqui estão os loucos. Os desajustados. Os rebeldes. Os criadores de caso. Os pinos redondos nos buracos quadrados. Aqueles que vêem as coisas de forma diferente. Eles não curtem regras. E não respeitam o status quo. Você pode citá-los, discordar deles, glorificá-los ou caluniá-los. Mas a única coisa que você não pode fazer é ignorá-los. Porque eles mudam as coisas. Empurram a raça humana para a frente. E, enquanto alguns os vêem como loucos, nós os vemos como geniais”. Posta finalizando uma frase, essa: “Porque as pessoas loucas o bastante para acreditar que podem mudar o mundo, são as que o mudam”, JK, On the road.