sábado, 15 de abril de 2017
RETRATOS DE BAURU (200)
JOHNNY, EX-MÚSICO TENTA SE SAFAR DE DORMIR NAS RUAS Esse mundo é mesmo muito endoidecedor e dá umas voltas como se fosse a daquelas motocicletas no “Globo da Morte”. Das trombadas pelas esquinas da vida, despontam reencontros os mais inusitados. Em alguns deles eu acabo por me surpreender. Semanas atrás estava diante do supermercado Confiança Falcão e um senhor, muito magro, barba esbranquiçada, camiseta surrada me aborda e traçando aquelas palhas me diz não ter comido nada até então e que todos que passaram diante dele, ninguém havia parado para lhe dar atenção e estava com muita fome. Paro e lhe escuto, compro uma peça e da conversa descubro ser ele alguém muito conhecido das rodas musicais da cidade. Marcamos de nos rever na feira dominical. Isso não acontece naquela semana e nem nas seguintes, mas sim na de hoje. Conto algo mais da manhã de hoje.
JOHNNY, cinquenta e poucos anos, fez fama em Bauru coisa de umas duas décadas atrás no cenário musical bauruense. Levava uma vida dita normal e na fervura do que ocorria pelos bares e points circulava, fazia e acontecia. Esteve presente em variadas bandas musicais, de vários ritmos musicais. Circulou não só por aqui, mas por alguns lugares muito longe daqui, inclusive Nordeste. Vivia uma vida desenfreada e com o vento batendo de frente em seu rosto. Entrou numas erradas e com isso se perdeu. Johnny entrou nessa das drogas e perdeu tudo, desde o convívio com a família, amigos e também com a música. Foi viver nas ruas. Seu corpo padeceu demais com essas agruras e hoje, está magro, dentição ruim, mas sem perder a ternura. Continua uma pessoa sensível e com aquela conversa de quem possui amplo conhecimento da vida. Aprendeu sozinho a traçar palhas com as mãos e fez disso o motivo para se empenhar na recuperação de sua vida. Colhe palhas e folhagens de arvores lá pelos lados do vale do Igapó e com elas circula pela cidade, sendo seu ponto mais habitual, defronte o Confiança Falcão e outros mercados. Aborda as pessoas e oferece fazer uma rosa, um gafanhoto e outros animas, tudo em dobradura. Quando reconhece alguém, mesmo envergonhado, conta sua história: “Quando não faço trinta reais dia, durmo na rua. Mas preciso mais que isso, pois tenho que comer e de cem pessoas que abordo, umas dez param e umas duas acabam comprando algo. Mas tem dias que estou tão fraco que não tenho forças para continuar oferecendo nada e daí encosto num canto sem saber direito o que fazer”. Hoje ele estava na feira e me reconheceu do encontro de outro dia na vila Falcão. Conseguiu vender três peças entre nós e, pelos menos hoje seu dia está resolvido. Amanhã, tudo começa novamente, mas ele diz tentar recomeçar e dar a volta por cima.
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