O FRANCÊS DA COLINA E SUA CASA LONGE DE TUDO E QUASE TODOS – UM PROJETO SENDO REPENSADO
O francês estava cansado de viver nos grandes centros urbanos europeus, veio para o Brasil algumas vezes atrás de balões, conheceu um terra nova, cheia de possibilidades e com um futuro mais que auspicioso. O lugar o conquistou, juntou forças e descobriu um lugar perdido no meio do nada, ou seja, um pedaço de terra rodeado de muito verde, distante uns quinze quilômetros da cidade de Bauru. Era a realização do seu sonho, sair da Europa, após anos enxergando a decrepitude de sistemas políticos que iam de degenerando ao longo do tempo. Vislumbrou na nova terra uma possibilidade de acompanhar um algo novo, renovador, inspirador e podendo acompanhar esse novo momento, tomou a decisão de vir de mala e cuia para a aldeia bauruense.
Esse um curtíssimo resumo da história de Eric Schmitt, o francês que fez o caminho inverso. Enquanto muitos do lado de cá sonham em ter um pedaço de chão ou mesmo simplesmente morar dentro de território europeu, ele preferiu os trópicos, tudo novo, desde a temperatura, ares, como gente, além da cultura. O sonho ia além de ter um pedaço de terra e a sua materialização era se fundir com a natureza do local escolhido, vegetação do cerrado. Conseguiu adquirir com suas economias o pedaço de terra almejado e bem no meio uma imensa árvore, a maior do lugar. Viajou junto de seus amigos, alguns arquitetos para levantar a sonhada casa no entorno do seu tronco. Várias tentativas e numa delas, planta pronta, construção iniciada e quando vão colocar os alicerces, no meio do caminho a raiz principal, seiva de vida da árvore. Refazem tudo e mudam os pilares da casa, mas não tocam na raiz. O projeto caminha aos poucos, desacelerado e com mão de obra local. Tudo também comprado no comércio da nova cidade, inclusive as toras com grande diâmetro, todas depois perfiladas como tábuas, para serem o piso da casa. Com alguns tropeços, gente querendo passar a perna no estrangeiro maluco a levantar uma casa do meio do mato, mas a obra segue e chega ao seu fim.
Está enfurnado entre Bauru e Arealva, bem no meio do caminho, sem placas indicativas e além da casa, no meio da construção, ele que chegou sozinho ao país, de mala e cuia, trazendo junto um contêiner lotado de móveis, livros, todos os pertences, curtia a solidão, mas algo lhe surge assim do nada, Malu Nejm de Carvalho, um ser se fundindo com sua maneira de estar, pensar e agir. Aconteceu, vingou o relacionamento e já se contam os anos juntos, estão casados de papel passado. A casa foi concluída, imensa, tudo sendo pensado em algo coletivo, abrigando não só amigos, mas eventos, cursos, congraçamento humano. O nome veio de seu apelido, Colina dos Pardais, ele o próprio Pardal, mas após passar longo período no território antártico, seus amigos lhe deram a dica para mudar de apelido, deixando de ser pardal para como o tratam hoje, uma mistura de duas aves, virou Pingual. Ele conta isso tudo rindo, espírito jovial de quem buscava a irreverência na nova morada. Encontrou, pois soube ir se cercando de gente mais ou menos na mesma linha, livre, leve e solta, tanto dele como da Malu. A casa, muito parecida com um daqueles lares dos gnomos, seres morando na soleira de árvores, entre musgos e mata fechada, para ele, ermitão, o lugar mais que perfeito, para ela, urbana de quatro costados, um tanto difícil, mas uma experiência possível, enfim, com um carro disponível para idas e voltas, a cidade logo ali, a vida nova tem início e já se prolonga por dez anos.
Entre ele, apaixonado pelo lugar, ela idem, mas com um pé nos asfalto, a vida segue e o lugar, já visitado por mais de 1500 pessoas, nas contas dele, continua com a proposta em plena vigência, mas os alicerces estão balançando. Não os da casa, mas os daquele acalentado sonho de vir morar no país tropical e permanecer até a vida se findar, local vicejando ares mais que democráticos, algo novo dentro do cenário mundial, dentro de algo a envolver toda a América Latina. Os anos de passaram, a casa foi levantada, está grande demais para os dois, pois muito do que foi planejado, acabou sendo deixado de lado. O espaço nos fundos, imenso salão abrigaria muitas pessoas ao mesmo tempo e hoje, juntando poeira, planos arrefecidos, não de todo esquecidos, mas guardados numa gaveta. O país retrocedeu, voltou para trás e com seus novos governantes, além de um golpe no meio do percurso, tudo culminando num país impensável uma década atrás. E agora, o que fazer com tudo o que já foi feito? Continuar e apostar no algo novo, que talvez demore décadas para ser retomado ou deixar tudo para trás e voltar para a França. Eis a questão, algo pelo qual Eric e Malu, desconversam, mas não deixam de tratar com o devido cuidado.
Para quem por lá aporta, os tais 1500 que por lá já passaram, tudo lindo, algo totalmente diferente de tudo o mais na região, uma proposta realmente alternativa, porém para o casal, muita coisa mudou, as transformações ocorridas com o país estão sendo muito dolorosas. Eric sofre demais vivendo num país sem perspectiva como o atual, tendo que conviver com tudo o que abomina, desde a intolerância até a declarada injustiça a prevalecer por todos os modos e meios. O seu plano de vida nova foi alcançado, mas tudo é plausível desde que, o lugar onde vive também possa ser lugar saudável. Ele já não enxerga mais isso no país escolhido para viver. Repensa tudo, com a devida calma, mas com alguma pressa. Muitos projetos já foram abandonados. Na Colina hoje só a casa, toda ela de madeira, desde a pia da cozinha, até a banheira, mas os jardins, hortas e qualquer tipo de plantação, como criação de animais, mesmo os domésticos, tudo foi abolido. Decidiram não plantar mais nada, pois além da provável mudança de planos, viajam muito e dessa forma, melhor manter somente a casa, pelada no seu entorno. Precisando da tomada de atitudes rápidas, tudo bem encaminhado, enfim, o morar no campo, mas sem isso de se envolver no trato com a terra. Trazem quase tudo da cidade, mas continuam vivendo ali, livres, leves e soltos, pensando na melhor forma de viverem o resto de suas vidas em lugares arejados. O trato com a natureza é mantê-la intocável.
A história dos dois vai muito além desse relato. Um pequeno recorte desses dez anos ali vividos eu tento traçar. A casa por si só é merecedora de muitos relatos, alguns antológicos. Já mereceu registros fotográficos de quase todos os que por lá estiveram, pois realmente encanta, inspira e contagia. Malu tem frase lapidar sobre isso: “Todos gostam, mas os que tentaram passar por aqui mais de uma semana, queriam voltar correndo pra cidade, mesmo tendo um carro no portão e com todo o conforto do lugar”. Sim, não é fácil vir morar no campo, mesmo para quem pensa em se ver livre das agruras urbanas. O conforto não é tudo, os dois sabem bem disto. Ali eles têm quase de tudo, desde sinal de internet e celular, estão devidamente plugados com o mundo externo, assistindo filmes do mundo todo quase diariamente na tela do computador e só não possuem TV, por opção própria, no mais possuem de tudo, mas quando olham pela janela não se enxerga um mero vizinho, mesmo que distante. O mais próximo, reside há 500 metros, cada um no seu canto, eles dois ainda ali, lugar aprazível, bem a cara daqueles ermitões a viver isolados. No caso deles, ermitões modernos, pé lá, pé cá, mas longe do barulho urbano. Por ali, o único barulho são o som dos bichos, muitos pássaros e alguns aviões, pela proximidade com o aeroporto. O dilema persiste e entre uma viagem e outra, observam os rumos do Brasil e esse o grande fator desolador. Gente como eles gostam de viver em lugares arejados, não só para a sua morada, mas para com todos os demais à sua volta e como isso não mais acontece no Brasil, repensam o projeto. Fui conhecer hoje, me tornei o visitante 1501 e volto de lá caraminholando com os meus botões no caminho de volta: “Conseguiria viver ali?”. Entre o sim e o não, continuo pensando. O Colina balança, persiste, resiste e insiste, mas até quando?
Obs.: Eric e Malu me chamam para doar acervo de livros e CDs para o Mafuá do HPA. Vou buscar, almoço com eles e me ponho a escrever algo, baseado no que conversamos e foi se ajuntando na minha cabeça. Solto tudo pra fora com o texto.
E PRA NÃO DIZER QUE NADA FALEI DOS QUE DESANIMAM A TUDO E A TODOS:
PELO MENOS EU ME CAGO DE RIR DELES...
Esse desGoverno é maldoso até a medula, insano e doentio, mas de algo ninguém pode negar, são toscos e propiciam boas piadas, como essa revivida na montagem contendo dois grandes do humorismo nativo, Renato Corte Real e Jô Soares, após o mais insano de todos, Jair Bolsonaro ter dito que o educador Paulo Freire é um energúmeno. Com gente assim nos governando, motivos mais que evidentes para gente como o retratado no texto acima, o francês Eric estar mais do que desanimado com os rumos tomados pelo Brasil.
Esse desGoverno é maldoso até a medula, insano e doentio, mas de algo ninguém pode negar, são toscos e propiciam boas piadas, como essa revivida na montagem contendo dois grandes do humorismo nativo, Renato Corte Real e Jô Soares, após o mais insano de todos, Jair Bolsonaro ter dito que o educador Paulo Freire é um energúmeno. Com gente assim nos governando, motivos mais que evidentes para gente como o retratado no texto acima, o francês Eric estar mais do que desanimado com os rumos tomados pelo Brasil.
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