quinta-feira, 29 de novembro de 2007

UM COMENTÁRIO QUALQUER (4)

A QUEDA DO IMPÉRIO NORTE-AMERICANO: É POSSÍVEL?

Meu amigo Antonio Carlos Pavanato, que trabalhou comigo nos áureos tempos da Bradescor, cuja amizade me é fraterna até hoje, dia desses me fez umas indagações pelo e-mail. Acabei não respondendo, pois queria fazer nesse espaço. Aliás, acho que nem seria necessário responder, pois ele mesmo nos dá todas as respostas. Leiam o que ele me postou:

Henrique, tenho visto quase que diariamente seu "MAFUÁ", e confesso, sem falsa modéstia, é muito interessante a diversidade de assuntos aportados no seu blog.
Gostaria de lhe perguntar algo que venho ouvindo há tempos, e acho que de tanto escutar, acabo acreditando que isso esta se tornando uma grande verdade:
- ESTÁ NO FIM O IMPERIALISMO AMERICANO ?
De fato, também acho que eles estão assustados com o mundo em sua volta.
E é para ficar mesmo!
Vejam os países, digamos emergentes, os chamados Tigres Asiáticos, Índia, alguns aqui da AL, e muitos outros, que de uma forma ou de outra, cresceram e já não comem no mesmo prato. Entendeu?
Eu acho que, os americanos, nunca imaginaram, em tempo algum, que sua moeda - o dólar, pudesse estar tão em baixa, como esta nos dias atuais.
A indústria americana, se perdeu e hoje "morre de medo" de produtos vindos de fora e que empurram ainda mais o país na crise industrial.
Lembre-se que a única indústria que ainda "respira" por lá, é a bélica.
A automotiva, foi pro espaço já faz é tempo. Veja o que os veículos asiáticos, fizeram por lá.
Me fale alguma coisa à respeito, pois sei que você tem uma idéia muito bem "lapidada" sobre este assunto.
Um abraço e aguardo seu "recado".
Já estava me esquecendo, o Chavez, pediu que a moeda fixada como padrão na comercialização do petróleo seja alterada.
Viu como os americanos, estão cada vez mais com medo do mundo à sua volta!
Valeu
Tchau
AC Pavanato

A resposta que tenho a dar é na mesma linha do que ele me indagou. Fui buscar a resposta mais exata na edição de capa da minha revista preferida, a Carta Capital, nº 466, de 17/10/2007, que saiu com a ilustração aí de cima e a chamada "Império com pés de barro - Estudos recentes reafirmam o processo de decadência econômica e política dos EUA. O sociólogo Immanuel Wallerstein projeta para a próxima década o fim da hegemonia americana".

Folheando a revista, o que sublinhei foi o seguinte:

"Os EUA estão à beira de umasituação insustentável. Como principais desafios estão o forte desequilíbrio fiscal, a deterioração da saúde pública, o nível educacional em declínio, a sofrível condição do meio ambiente, a guerra desastrada com o Iraque e a política errática de imigração. (...) ...a perda do dinamismo da economia americana como um dos sinais de que o império vive, se não os últimos dias, um inequívoco ocaso. (...) O fiasco dos EUA no Iraque foi apenas uma amostra de que até mesmo o poder de polícia do mundo foi desmoralizado. (...) Três forças empurraram o país para a tual crise. Primeiro, houve uma acirrada concorrência econômica entre o Japão e a Europa, que afetou a produção americana. Em segundo, completou-se o ciclo da descolonização do Terceiro Mundo com a consequente rejeição ao status quo imposto pela ordem americano-soviético. Por fim, proliferaram organizações civis de reação ao liberalismo e ao American Way of Life."

Wallerstein continua: "...o império americano está em declínio há 35 anos e será substituído por blocos hegemônicos, como o europeu, o asiático e, a depender dos entendimentos regionais, o sul americano. (...) ...todo processo de mudança implica turbulência e será difícil para os americanos aceitarem a idéia de que não terão mais a liderança global. (...) A coisa mais desastrosa que Bush fez foi invadir o Iraque. Porque demonstrou ao mundo inteiro as limitações do poder militar americano. O fato é que os EUA não conseguem vencer uma guerra contra um país pequeno, fraco, com pouco equipamento militar. (...) Os EUA não conseguem mais meter medo na Coréia do Norte, nem no Irã, nem em ninguém. (...) ...nenhum país isoladamente vai dominar o mundo. (...) ...em dez anos a Europa terá uma relevância maior. (...) Considero que estamos ingressando em um período turbulento, nos próximos 20 a 30 anos. E haverá conflitos sociais sérios nos EUA, por causa do declínio do poderio americano, do padrão de vida da população, o que acirrará o conflito entre as classes sociais. Não haverá gentilezas no futuro."

A matéria é extensa e faz outras análises. A revista pode cer acessada nas suas edições anteriores. Viaje por lá e constate mais (www.cartacapital.com.br)

UM COMENTÁRIO QUALQUER (3)
Saiu publicado na edição de hoje do Jornal da Cidade, aqui de Bauru um carta minha encaminhada há duas semanas atrás, quando o time do G (êta nome comprido, meu!) conquistou o 3º lugar do Torneio de Futebol Feminino da LBFA. Expressei ali, tudo o que elas passaram (continuam passando) e a grande vitória de terem chegado aonde chegaram. Foi o máximo. A carta publicada lá, também está aqui:


Campeãs é isso aqui

O grande vitorioso do 1º Torneio de Futebol Feminino, promovido pela LBFA – Liga Bauruense de Futebol Amador - não foi o time de Marília, nem o da FIB/Mandalitti, aqui de Bauru. Esses dois, pelo visual apresentado e visto das arquibancadas, possuiam uma boa estrutura, com equipe de retaguarda, massagistas, preparadores físicos, material esportivo em abundância, facilidade de transporte e patrocínios variados. Tinham tudo para vencer.

No jogo preliminar estava o grande vitorioso do Torneio, o time do Gallathazaray (as gatas que azaram a bola, segundo elas mesmos se definem), que reunidas devido à abnegação de Rose Maria Martins, do Jardim Mendonça, superando um monte de adversidades e obstáculos (meio que intransponíveis), montou um time de fibra e mesmo com tudo conspirando contra, para dar errado, deram muito certo e foram as grandes vitoriosas do evento. A Lei de Murphy não vinga sempre.

Quem conhece só um pouquinho dos bastidores desse valoroso elenco, como foi formado e mantido, sabe o quanto foi importante chegar aonde chegaram. Vencer o jogo daquele domingo por 5x2 foi mais do que um 3º Lugar, foi a glória. Se tivessem sido um pouco mais valorizadas e incentivadas, surpreenderiam ainda mais. É de gestos e atitudes como a de Rose e das gatas em questão que se constrói a verdadeira cidadania. Ser campeã é o que todas elas foram, demonstrando o que é possível quando se busca um objetivo em comum, mesmo quando tudo conspira contra. Por essas e outras, temos que ter sempre em mente que, um novo mundo é mais do que possível e a prova cabal disso foi a maratona de resistência a que todas foram submetidas. Que outro time tiveram meninas indo embora após o jogo a pé ou de circular?

Que o grupo não se disperse e elas consigam atingir seus objetivos mais facilmente com o currículo agora conquistado. Elas merecem e provaram ser muito mais do que o “patinho feio” das quatro finalistas. Parabéns é pouco para homenagear e reverenciar o que elas conquistaram nesse último domingo.

Henrique Perazzi de Aquino - torcedor do Gallathazaray

segunda-feira, 26 de novembro de 2007

MEMÓRIA ORAL (13)

ELES JÁ LERAM MAIS DE CEM LIVROS NESSE ANO

"Incentivar a leitura num mundo cada vez mais distante dela", esse é o propósito principal do 3º Prêmio Leitor do Ano, desenvolvido pela Secretaria Municipal de Cultura de Bauru, através da sua Divisão de Bibliotecas e pela Livraria Jalovi, que patrocina tudo. O objetivo é dos mais nobres e pelo terceiro ano consecutivo, além de incentivar o hábito da leitura, premia os usuários de todas as bibliotecas municipais que mais se utilizaram de seus serviços. "Premiamos os que mais emprestaram livros durante o ano, os nossos mais assíduos frequentadores e os que fizeram as devoluções em dia. Para incentivar a leitura em todas as faixas etárias, distribuimos a premiação dentro de três faixas etárias, premiando crianças, jovens e adultos", conta Elizete Maria Barro, diretora da Divisão de Bibliotecas.
Quando foi lançada em 2005, comemorava-se o Ano Ibero-Americano da Leitura, surgindo a idéia da premiação, em algo para aglutinar e destacar pessoas que, tivessem o hábito da leitura bem evidenciado em suas vidas. Estava criado o Prêmio Leitor do Ano e para sua viabilização, logo que contatada, a Jalovi, a mais tradicional livraria da cidade, topou ser a doadora aos premiados anuais e mais que isso, ofereceu a livraria para ser o palco do evento. O inesperado foi o crescimento de cada evento e uma participação revigorada a cada edição. Nesse, o salão central da Jalovi, no centro da cidade, parecia pequeno para abrigar as quase 200 pessoas que, na manhã de sábado, 24/11 lotaram todo o espaço.

Os grupos foram se formando com pelo menos uma hora de antecedência. Como o espaço é amplo; leitores, curiosos e convidados foram se aglomerando junto às prateleiras e balcões. Num evento como esse, raramente o homenageado comparece sózinho, fazendo questão de trazer junto algum familiar e pessoas próximas. Quem se destaca entre os presentes é o presidente da ABL – Academia Bauruense de Letras, Munir Zalaf (que acabara de ser reeleito pela 4ª vez ao cargo) e Joaquim Simões Filho, escritor e Secretário Geral da ABL. Ambos se espantam com a grande movimentação, pois acabavam de tomar conhecimento de uma pesquisa, apontando que o brasileiro lê em média 1,2 livros por ano. "Precisamos e devemos frequentar mais nossas escolas, incentivando a leitura desde a infância. Isso faz parte de nosso projeto, que também irá visitar os escolares das outras faixas etárias", diz o presidente Zalaf.

O evento começa pouco depois das 11h, com apresentação da Elizete e tendo o pontapé inicial com um coral infantil da escola Liceu Noroeste que, canta e encanta a todos. No refrão da primeira canção, a palavra "amigos" era repetida várias vezes, sendo escolhida a dedo, pois o grande lema da leitura é a de que o livro acabe se tornando uma eterna amizade, um relacionamento duradouro. Estava comprovada a tese de que a junção de crianças e livros é sempre muito saborosa. Nada mais propício para o momento. Munir Zalaf é o único convidado a se pronunciar e o faz de forma emocionada, lembrando algo que o poeta e escritor Mario Quintana havia profetizado lá atrás: "O alfabetizado que sabe ler e não lê é um analfabeto". Ainda mais profético diz que "a leitura é um benefício de ontem, de hoje e para toda a eternidade".

São chamados para receber os livros, os trinta premiados, distribuídos entre a Biblioteca Central e seis ramais, das vilas Tecnológica, Progresso, Mary Dota, Geisel, Falcão e distrito de Tibiriçá. Os títulos são dez com temática adulta, seis juvenis e quatorze infantis. Todos são chamados nominalmente e convidados para uma alegre sessão de fotos no meio do salão. Dentre todos os premiados, dois se destacam. "Essa aqui é nossa freguesa habitual. Toda semana está aqui", diz o gerente da loja Nilo Sérgio Alves Júnior, direcionado para Cibele Ana Aparecida Rossetti, 46 anos, solteira, oficial de justiça e que faz da leitura e da coleção de peças com temática de gatos, o seu passatempo. Veio acompanhada do pai, aposentado da ferrovia, grande incentivador nos dois hobbies. "Ela gosta de ler e eu estou nessa. Ajudo ela a comprar tudo, pois sei que isso a faz bem", salienta o pai, seu Vero.


Cibele não consegue mais ficar longe de um livro um dia sequer, tendo vários sendo lidos ao mesmo tempo. Diz que, em sua casa, é livro de um lado e rádio de outro, alternadamente, ou tudo ao mesmo tempo. A paixão pelos livros é tão intensa que, a cada quinze dias pega três livros na Biblioteca Central e a cada semana, mais três na da vila Falcão. Fazendo as contas, com um mês de quatro semanas, são 18 livros ao mês. Uma recordista, considerando o pouco tempo, pois além do trabalho, cuida do pai adoentado: "Encontro um tempo pela manhã, outro no final da tarde e à noite. Nos finais de semana leio muito. TV eu quase não assisto, muito pouco. Certa feita gostei tanto de Fernão Capelo Gaivota que, o copiei inteiro num caderno. Só depois fui comprar o livro. Há uns 15 anos atrás contei e já tinha lido uns 500 livros, hoje parei de contar, mas acho que já passei dos mil".


Ela é dessas que lê tudo o que lhe cai nas mãos: "Pego um autor e se gosto dele, leio tudo o que escreveu. O hábito da leitura peguei do meu pai. Minha mãe lia bem menos. Não tenho preferência por autor e gênero e acho isso muito bom, pois diversifico bastante". Se a deixam discorrer livremente sobre o assunto, não para mais, pois a leitura é uma espécie de fio condutor de sua vida. Em casa diz possuir duas estantes cheia deles no quarto e o pai mais duas no dele. Quando lhe pergunto se costuma emprestar os seus, responde rapidamente: "Não gosto muito. É que o pessoal não gosta muito de ler e os que emprestei, tive problemas com a devolução. Tive que cobrar várias vezes". Aproveita a estada na Jalovi e como gosta muito de biografias, reserva para o próximo pagamento a feita por Nélson Motta sobre a vida de Tim Maia, que custa R$ 49 reais. Quando já me havia afastado, fez questão de voltar a me procurar só para dizer, também adorar os ilustradores, fazendo até pesquisa sobre eles.

Outro devorador de livros, Jorge Frederico Simões da Silva, 39 anos, casado, pouco antes de receber o seu presente falava algo que, deixou muitos presentes com os olhos arregalados: "Eu já li mais de cem esse ano". Ele se diz numa situação privilegiada no momento e com ela alavancou aquilo que tanto gosta e não tinha tempo para fazer: "Tive uns problemas cardíacos e fui obrigado a me afastar de minhas atividades profissionais. Em casa o dia todo, passei a me ocupar com a leitura, tirando o atraso. Estou mais feliz do que nunca". Ele mora no Geisel, um bairro popular da cidade e se diz entristecido com os jovens de lá e pelo desinteresse atual deles pelos livros: "Peguei esse hábito de forma diferente e já não muito novo. Tinha uma banca de revistas e vendo aquilo tudo ali do meu lado, fui pegando gosto pela coisa. Das revistas passei aos livros e hoje não consigo mais ficar sem. Fico triste em ver a meninada daqui nas ruas e poucos frequentando as bibliotecas". Diz possuir um outro hábito, o de ir grifando as frases e copiando num caderno, para ir revendo quando tiver dificuldade de lembrar algo já lido. O poeta Joaquim Simões, quando convidado ao evento, encantado com a quantidade de livros que alguns já haviam lido no ano, trouxe três exemplares do seu último livro publicado, o Liberdade Absoluta", fazendo questão de entregar pessoalmente aos agraciados, com umas palavrinhas de incentivo feitas ao pé da orelha. As conversas se sucedem de forma bastante animada e um dos mais ocupados com o movimento todo era o gerente Nilo que, faz qualquer negócio para ir vendendo o fruto do negócio a lhe ditar e conduzir sua vida. A livraria não permite o parcelamento do cartão com valores inferiores a R$ 30 reais mês, mas diante da inquerência desse que vos escreve, já com o escolhido nas mãos, tendo um preço de R$ 52,90, responde de bate pronto: "Não seja por isso. Negócio feito, o livro é seu". Eu, que havia ido assistir o evento, sigo os agraciados da manhã e saio de lá com o que havia me motivado a ir até lá, ou seja, um livro. No meu caso, o "Diário Selvagem – O Brasil na mira de um escritor atrevido e inconformado", do jornalista Carlinhos Oliveira, da editora Civilização Brasileira, um catatau de quase 500 páginas. Ainda deu tempo de comentar na última rodinha a ser desfeita no local que, havia colocado em prática um pensamento de Erasmo de Roterdã: "Quando tenho algum dinheiro, compro livros. Se ainda sobrar algum, compro roupas e comida".
Legenda das fotos:
Elizete no cerimonial do evento.
O salão da Jalovi lotado no momento da premiação.
Os premiados recebendo seus livros.
Cibele recebendo seu livro das mãos de uma bibliotecaria
O poeta Joaquim Simões, leitor Jorge Silva e escritor Munir Zalaf
Elizete e Nilo nos finalmentes do evento


Henrique Perazzi de Aquino, escrito em 25/11/2007.

domingo, 25 de novembro de 2007

UMA DICA DE LEITURA (9)

FAUSTO WOLFF NO JB E O CASO CHÁVEZ/REI DA ESPANHA

Fausto Wolff é um escritor da velha cepa. Seus textos me atraem desde que deles me aproximei no velho e bom (insubstituível) O Pasquim, no final dos anos 70. Lá, logo de cara, com algo contundente, não parei mais de me enveredar por seus escritos. Dele, tenho aqui no meu mafuá alguns livros, como “Matem o cantor e chamem o garçom”, “O dia em que comeram o ministro” e “O acrobata pede desculpas e cai”. Quando o jornal terminou, ainda o encontrei na revista Bundas e logo a seguir n’O Pasquim 21. Com o fim desses, só mesmo num site, que uns amigos lhe propiciaram, mas nem sempre possuía textos atualizados. Voltei a ler diariamente, como um operário obrigado a bater cartão todo santo dia, quando o Jornal do Brasil, ou simplesmente o JB do Rio o contratou e ele abrilhantou o famoso Caderno B, um dos culturais mais famosos do Brasil. Abro o site do jornal (http://www.jb.com.br/), viro todas as páginas, amplio a onde está sua crônica diária, dou aquela lida rápida, imprimo, só depois desligo o computador e vou trabalhar. Imprimia grande maioria delas e as tenho aqui, como um livro, tudo na seqüência, guardadinhas e aguardando a encadernação. “Coisa de velho metódico”, isso quem me disse foram as amigas Maria Luiza e Gi, que já se depararam com o amontoado de folhas e folhas.
Hoje, o velho e bom Faustão (o verdadeiro) continua melhor que antes, igual vinho. Quanto mais se lê, mais quero continuar mergulhando em seus escritos. Saiu dele recentemente um livrão desses grossos, tipo tijolões e tão logo junte grana suficiente, o trago para o mafuá, junto aos cupins e traças, que insistem em não querer abandonar meus estimados papéis. Os títulos de suas crônicas são os mais inusitados possíveis: “O dr mandou todo mundo dançar”, “Se todos os trouxas do mundo”, “No fim da história o índio morre”, “Amenidades tropicais em desfile”, “Psicopatas em desfile”, “Satisfações aos que me sustentam”, “Olhem a burrice subindo à cabeça!”, “Top, top, top !” e “Corações, pulmões, tiróide, hérnia e outros parentes”. É ler e não querer parar mais, tanto que emeleio direto para a direção do JB, pedindo para o perpetuarem na função de cronista mor daquelas páginas. É tipo um embaixador da inquietude, do qual sou servo, um reles e remediado porta-voz. Encho o saco do coitado, tanto que já me citou umas seis vezes nos textos. Num domingo, dia nobre, fez uma bela crônica sobre Tito Madi por indicação minha.

Meio adoentado, sem poder tomar suas biritas em paz nos pés sujos de Copacabana, ele se debate violentamente, atira para todos os lados e resiste bravamente, como deve ser mesmo a vida da gente. O seu ressentimento maior nos dias de hoje é com o presidente Lula, que ele acidamente chama de sr Luiz Silva e até de molusco (chama FHC de F.C. de M., F.H. do vosso C. e Cardoso Argentoso). Ele não perdoa Lula, talvez pela traição eleitoral (afinal, era nosso depositário de muitas esperanças, de anos e anos). Particularmente o acho um pouco injusto com Lula, pois do país herdado por FHC, demos uma baita de uma positiva caminhada, não nos encontrando mais naquela situação de pires eternamente na mão e subserviente até a medula. Não discuto com meu mestre. Leio, assimilo o que gosto, tanto que passo para frente muita coisa e guardo só para mim o que não gosto muito. Agorinha mesmo, enquanto os jornalões (viciados em bajular nossa elite predadora) batem no venezuelano Chávez, por causa do bate boca com o rei espanhol, Fausto me alegrou por demais com as palavras publicadas em duas belas crônicas: “O inca e o rei(15/11)” e “O gesto atrás do gesto(19/11)”. Alguém tinha que fazer a defesa do índio latino, contra 500 anos de espanhóis, portugueses, ingleses e norte-americanos a nos calar. Ele foi impecável, dizendo tudo o que ficou engasgado na minha garganta. Para aqueles que, ainda ousaram ficar ao lado do rei, leiam o que foi profetizado por Fausto
Com exceção de alguns gênios (talvez mil), a história do mundo sempre foi uma grande palhaçada. (...) Sempre considerei o rei da Espanha um homem certo para exercer tal papel. Por isso me surpreendi com sua atitude. Rico, poliglota, culto, conhecedor de quase todas as etiquetas do mundo, bem apessoado, casado com a filha de um rei liberal. Não eram muitas as críticas em relação a ele. Quanto ao índio venezuelano, que, como Spartacus e Jesus, viu como seu povo era tratado, podia-se esperar algum deslize cerimonial. (...) Eu, que não concordo com a política de Lula, nem com o da sua oposição, seria um dos primeiros jornalistas a levantar minha voz se algum chefe de Estado o mandasse calar a boca. Um rei chama a atenção publicamente de um presidente reeleito pela maioria de seu país como se ele fosse um índio trazido à força numa galera espanhola. Imaginem o contrário: Chávez manda o rei calar a boca. A mídia daria a isso a mesma interpretação que deu à queda das Torres Gêmeas. Mas como o mal educado foi o rei – convido-te para minha casa, mando-te calar a boca, depois me ergo e vou embora!!!! – era preciso transformar a vítima em algoz. E foi assim que tentaram humilhar um índio na Espanha outra vez. Só que esse índio é um homem informado dos hábitos europeus. E, além disso, o rei mandou que calasse a boca no momento em que dizia duas verdades: a Espanha extra-oficialmente incentivou o golpe contra ele e o ex-presidente tomava atitudes fascistas.

Não importa se o plano deu inteiramente certo. O que importa é que, para os mal-informados, Chávez cometeu um pecado mortal, pois meteram na cabeça dos católicos que os reis são reis pela gracia de Diós. Começou o plano para derrubar Hugo Chávez, o aventureiro que recuperou a economia da Venezuela (o PIB atual mais elevado da América Latina), convocou e convoca referendos sobre temas importantes para ouvir a opinião do povo. Acabou com os abusos dos bancos; sofreu um golpe de Estado tendo à frente uma rede de TV que tem liberdade para criticá-lo diariamente e assim o faz. Finalmente, a gasolina custa cinco centavos de real o litro. O novo golpe contra Chávez começou essa semana em Madri. Para dar certo depende das nações como a nossa, onde por enquanto, a Espanha já e dona das nossas estradas e campeã em número de agências bancárias no país. Alguém precisa fazer alguma coisa em relação a este inca. Acho que se o Brasil declarar guerra à Bolívia, à Venezuela e ao Equador e acabar com essa farra, receberá uma boa ajuda do Tio Sam."

sábado, 24 de novembro de 2007

UM AMIGO DO PEITO (4)

ADEMIR ELIAS

Esse cara é daqueles pau para toda obra. Se existe alguém que expressa a famosa frase da música do Milton Nascimento, “amigo é coisa para se guardar do lado esquerdo do peito”, um desses é esse jornalista, que transpira o dia todo, molha literalmente a camisa naquilo que faz. E faz bem feito. Se me perguntarem em qual os órgãos de comunicação o Ademir já trabalhou eu acho que não consigo enumerar. Aqui por Bauru, nem sei se existe algum que ele ainda não tenha frequentado e dado o ar de sua graça. Hoje, pelo que sei tem duas frentes de trabalho, uma na TV FIB, quando bate cartão regularmente de segunda a segunda e na rádio 710 Jovem Pan AM, com suas participações nas transmissões esportivas, como repórter de campo ou de arquibancada (isso mesmo, ele circula por lá entrevistando os que comparecem aos jogos). Na FIB, a pauta é a sua cabeça e como ela é boa, sempre sai coisa boa por lá. Uma pena que, a TV é em canal fechado e nem todo mundo tem a possibilidade de assistir suas matérias.

Também não sei dizer a quanto tempo conheço Ademir. Sei que lá se vão umas dezenas de anos e sempre foi a mesma pessoa, simples, dedicada e um boa praça. Desses que você pode pedir de tudo, menos grana, pois isso, assim como eu, ele não tem para esbanjar. Tem o suficiente para tocar sua vida e o faz da maneira mais regrada possível. Nos últimos tempos ando o vendo circular pela cidade sem carro, penando um pouco mais para cumprir os compromissos todos, mas sem se vergar. Nessa semana sei que produziu uma excelente entrevista com o DarcyRodrigues (outro amigo), versando sobre algo que é um tanto inusitado (para o Darcy, que é branco e militar na reserva), a consciência negra, cuja data referente a Zumbi foi comemorada por esses dias. Darcy me ligou e me contou os bastidores da entrevista e eu me via assistindo os quinze minutos de bate-papo. Também o vi no jogo final do Torneio de futebol feminino, quando circulou pelas arquibancadas de microfone em punho. Ele foi o mestre de cerimômia na Festa da Consciência Negra, lá no Automóvel Clube e elegante como nunca, conduziu os rapapés com muita maestria. Tomamos umas juntos, na festa dos 49 anos de minha mana Helena e a cada reencontro, aprendo a admirar mais a forma despojada como esse grande amigo toca sua vida.
Ele nem sabe direito, mas admiro demais sua postura como cidadão. Eu cá no meu canto, branquelo que sou, torço a meu modo para que ele acabe sendo escolhido o novo presidente do Conselho da Comunidade Negra, para o novo exercício que se avizinha, em substituição ao velho Duka. Assim como Duka, tenho certeza, fará uma gestão de responsa e com um grande diferencial. É um cara merecedor e mais do que nunca precisa ser mais valorizado. Um grande abraço, meu amigo do peito Ademir Elias.
OBS.: Nas duas fotos, Ademir e meu amigão Duka e e na outra, com minha mana Helena.

sexta-feira, 23 de novembro de 2007

UMA FRASE - POESIA (7)
AFONSO ROMANO DE SANT'ANNA - A IMPLOSÃO DA MENTIRA

Nada mais oportuno do que uma leitura bem atenta a esse belo poema que, traduz muito dos nossos tempos e da hipocrisia de termos que mentir para continuar sobrevivendo.

Mentiram-me. Mentiram-me ontem
e hoje mentem novamente. Mentem
de corpo e alma, completamente.
E mentem de maneira tão pungente
que acho que mentem sinceramente.

Mentem, sobretudo. Impune/mente.
Não mentem tristes. Alegremente
mentem. Mentem tão racional/mente
que acham que mentindo história afora
vão enganar a morte eterna/mente.

Mentem. Mentem e calam. Mas suas frases
falam. E desfilam de tal modo nuas
que mesmo um cego pode ver
a verdade em trapos pelas ruas.

Sei que a verdade é difícil
e para alguns é cara e escura.
Mas não se chega à verdade
pela mentira, nem à democracia
pela ditadura.
RETRATOS DE BAURU (1)

GENERALIDADES - objetivos

Sempre fui um observador das pessoas de minha cidade. Gosto de vê-las, paro para observá-las. Perco horas nisso (e até empregos). Todos nós temos histórias para contar. Quem me dera ter tempo suficiente para escutar todas elas. Não tenho, mas mesmo assim, quero fazer algo de concreto, um velho projeto acalentado lá atrás, nem que para isso leve um tempo demasiado para atingir os objetivos. Vou fotografar as pessoas de minha cidade, os seus personagens populares, os tipos das ruas, figuras conhecidas e desconhecidas. Se conseguir postar um por semana, serão cinquenta ao final de um ano. Além das fotos, um pequeno texto de apresentação. É o tal do olhar para a minha aldeia, como nos ensinou o poeta, para dessa forma falar do mundo todo. Não serei o primeiro a fazer isso, muito menos o último. Quero ser apenas mais um, dando assim minhamo desta contribuição para perpetuar algo que vejo, sinto e que faz pulsar uma cidade, suas pessoas. Não reivindico primazia de nada. Quero fazer e só!

DENIS MARQUES

Denir Marques de Souza, ou só Denis Marques, como é conhecido por todos na cidade, é um mirrado cidadão, magro, baixo e detentor de muita eletricidade. Possuidor de uma energia meio que inesgotável, anda muito, por todos os cantos dessa cidade. Sempre o vejo andando, em busca de algo que é o sentido de sua vida: o jornalismo. Ou melhor, tentando fazer jornalismo. Tentando sobreviver. Vive só e já fez de tudo na vida.Trabalhou nos Correios, na FEPASA, na Prefeitura Municipal, na Emdurb e fez um certo sucesso como vendedor e divulgador de discos da Chantecler,Continental, Chororó e LDG. Em 1982 conseguiu seu intento que, foi obter a carteira de jornalista, após haver trabalhado como prático em vários órgãos na dita imprensa nanica, de pequena circulação, local e regional. É uma figura muito conhecida, sempre cheio de muitas idéias e com disposição para fazer e acontecer. De uns tempos para cá, diz ter aderido à religião evangélica, dando uma nova guinada em sua vida. Quando lhe pergunto sobre a Bauru de hoje, responde relembrando a Bauru de ontem: “Quando existia grandes indústrias por aqui e grandes empresas, hoje todas terceirizadas, como a CESP, CPFL, FEPASA, Noroeste do Brasil e IBC, era fácil o ser humano conseguir um emprego, um trabalho na sua área de atuação. Hoje dificultou.” Desistir jamais, pois vejo Denis insistindo, dando murro em ponta de faca, tentando a todo custo não se deixar vergar. Ele é um personagem de nossas ruas. Um belo personagem.

quarta-feira, 21 de novembro de 2007

UMA ALFINETADA (10)

A IMBECILIDADE HUMANA

Como você reagiria se alguém viesse com essa provocação: "Vivemos num mundo de bestas". Ou ainda pior: "A maioria de nossos atos e atitudes são bestiais". Tem quem já queira partir para a briga, porém, os mais sensatos param e após alguma reflexão acabam chegando na constatação de que, a história do ser humano está repleta de exemplos de imbecilidades, genocídios, injustiças, arrogância, etc e tal. Sendo assim, nada mellhor do que discutir a imbecilidade humana. Essa ídéia acaba de ser lançada pelo jornalista Mino Carta, no seu famoso blog ( http://www.blogdomino.blig.ig.com.br/), quando sugeriu a criação de uma grande lista, onde seriam reunidas todas elas. Bastou abrir os Comentários de seu blog para receber as sugestões dos leitores e a avalanche foi imediata. O diálogo sucedido à partir daí foi dos mais interessantes. Além das citações, foram surgindo idéias e sugestões das mais variadas.


"Acredito que sua lista seria apenas uma atualização das imbecilidades em voga, já que a humanidade sempre teve um certo apreço por coisas idiotas", foi uma sugestão. Outra bem criativa foi a de "quando der o ponto final de sua obra, notará que ainda há o que destrinchar". E assim sucessivamente: "Pergunto aos meus botões em quantos volumes será publicada a obra", "como medir o grau de imbecilidade? Há por acaso algum imbecilômetro?" e "o processo de imbecilização já está muito amadurecido, e a revolução dos idiotas, consumada". Teve um outro que foi mais longe: "eu diria que é uma imbecilidade acreditar que o mundo está se tornando imbecil, a meu ver, é a natureza e a abrangência da imbecilidade que está em constante revolução".



E assim sendo, nada melhor do que apresentar para todos a lista, ou melhor, a prova cabal da imbecilização: 1) Torcer por futebol ou qualquer esporte explorado comercialmente; 2) Comer demais; 3) Poluir desnecessariamente o planeta; 4) Gastar mais do que se ganha; 5) Beber imoderadamente; 6) Fumar; 7) Abstinência sexual; 8) Consumir drogas; 9) Assistir TV várias horas por dia; 10) Gastar muito dinheiro com jogos de azar; 11) Votar nulo ou em branco; 12) Idolatrar artistas, jogadores, atletas ou políticos (ninguém merece); 13) Roubar; 14) Matar (exceto em legítima defesa); 15) Seguir qualquer religião; 16) Banalização da música, seu mau uso e os novos – e ignorantes – artistas do momento; 17) Os de esquerda acham que os de direita são imbecis – e vice-versa; 18) Aquecimento global; 19) Processos seletivos do mundo corporativo, como a Dinâmica de Grupo; 20) Representantes da nossa elite, que se atrevem em ficar classificando vinho de "jovem" ou "encorpado"; 21) Ode ao Neoliberalismo e ao Deus Mercado; 22) A grande mídia brasileira (que na verdade queria ser do Brazil) e sua campanha pela primazia de anunciar que o fim do mundo começou com esse Governo; 23) A "telebaixaria" e o cinismo dos donos dos meios de comunicação com o discurso da "liberdade de expressão"; 24) Consumo de refrigerantes; 25) Os tais formadores de opinião; 26) Culto às grifes e suas ifinitas interpretações; 27) Vulagridade Geral; 28) A nossa gloriosa "revolução" (na verdade, Golpe de 64), que perpetuou a paspalhonice e 29) A ascenção de Chávez, Morales e Rafael Correa, ou não entender o que realmente se passa nesses países; 30) A filosofia de boteco (vai um gole aí?).

Tem muito mais, porém nesse resumo que fiz, deu para perceber a grandiosidade da "coisa". Nem preciso ressaltar que, muitos eu endosso, outros, nem tanto e uns poucos, desaprovo totalmente. Reflitam todos vocês e vejam o que merece ser retirado, incluído, expelido, maltratado, evidenciado, catracado, ponderado, sublinhado... O tema é intrigante, não?


Henrique Perazzi de Aquino, 47 anos, vividos na grande maioria, driblando muita imbecilidade.
Legenda das charges: Duas Gilete Press com origem da fonte, primeiro Clayton e depois Angeli, ambos chupados da www.chargeonline.com.br
MEMÓRIA ORAL (12)

A UMBANDA E A FESTA DE SUA DATA MAIOR


Quinze de novembro é o Dia da Proclamação da República, mas também comemora-se na mesma data o Dia da Umbanda, que nesse ano completou 99 anos de fundação. Em Bauru, a data não passa batida, pois pelo segundo ano consecutivo acontece uma festa em homenagem a essa tradicional religião. É o Umbanda Fest, que por iniciativa de um jovem umbandista, Ricardo Barreira, 29 anos, toma conta do Teatro Municipal, ocupando boa parte da tarde e início da noite, num congraçamento que, une os mais diferentes terreiros da cidade e da região. Ano passado, com o sucesso alcançado, o site ( http://www.umbandafest.com.br/) foi impulsionado, divulgando atividades o ano todo, promovendo ainda mais a marca e a difusão da Umbanda. Nesse segundo ano, com a repetição do sucesso, finca-se definitivamente no calendário de novembro na cidade, como um evento que veio para ficar.

A preparação é minuciosa e toma vários meses dos organizadores. Quem chegava ao local do evento, no último domingo, 18/11, não imagina o quanto ocorreu de trabalho e envolvimento nos bastidores para encontrar aquilo tudo pronto. Pouco depois das 15h30, os 450 lugares do teatro estão quase lotados e quando o mestre de cerimônias, Gabriel Petroni anuncia o início do evento, o que se vê é um mar de gente, vestida na sua maioria de branco, as cores preferenciais da umbanda. Estão ali reunidos quase todos os terreiros da cidade, muitos da região e representantes da capital paulista, do Paraná e do Rio de Janeiro. São muitas as famílias e na fisionomia de todos, estampado a alegria por verem aquela festa em algo que, durante um bom tempo esteve restrita à lugares menos nobres.


Na entrada, numa banca montada no hall está Rosemilda Aparecida da Silva, a Rose que, recebe os alimentos solicitados como ingresso, devendo ser encaminhados à entidades assistenciais ligadas aos terreiros locais. Ali também é vendida a camiseta do evento, com um slogan dos mais chamativos, "Umbanda: Eu visto essa camisa", que anos atrás, poucos ousariam ostentar no peito em praça pública. A discriminação, na verdade, ainda existe e é exatamente isso que se tenta quebrar com um evento desse porte. Na abertura, pai Dito, de Cafelândfia, do alto de seus 72 anos de Umbanda pega o microfone e faz um longo desabafo: "Tem muita gente nova, que mal saiu das fraldas e já está dando passe. Queremos uma coisa bonita, honesta, onde o povo não desacredite o nosso trabalho".
Ricardo precede e agradece o espaço cedido pelo Secretário Municipal de Cultura, José Augusto Ribeiro Vinagre, que diz "ser uma obrigação do poder público abrir as portas para eventos como esse." Na sequência da abertura, outro ilustre convidado, pai Joelmir de Oxóssi, da Federação Carioca, com 25 anos de Umbanda, relembra a história de Zélio de Moraes, o fundador, que em 1908 deu início a tudo, sendo o primeiro médim a incorporar o Caboclo das 7 Encruzilhadas: "Graças ao que ele fez lá atrás, estamos hoje no mundo todo, estruturados em 12 países. Viemos para ficar." Após as palmas, volta ao microfone e anuncia que, ano que vem, deverá acontecer no Rio uma versão do Umbanda Fest carioca, provavelmente entre agosto e setembro. Nova ovação.

Antes do evento em si começar, a execução do Hino Nacional e logo a seguir, o Hino da Umbanda, com acompanhamento do Grupo da Lua. Em ambos, platéia em pé e participação animada da assistência. Ricardo Barreira explica o motivo da espécie de um altar no canto direito do palco, onde uma imagem do caboclo das 7 Encruzilhadas parece abençoar e aprovar aquilo tudo à sua frente: "Acabou de ficar pronto, ficará num lugar nobre em São Paulo e o primeiro lugar aprovado para sua saída foi aqui, nesse evento. É o reconhecimento pela seriedade do que fazemos." Quem sobe ao palco é Edenilson Francisco, que cita o centenário no próximo ano, enfatizando algo que está na boca de todos os organizadores: "Você não verá ninguém na Umbanda apontando o dedo para alguém e dizendo ser nossa crença a melhor. Aqui ninguém precisa fazer isso." Finaliza alertando os seguidores, com uma frase proferida por Jesus Cristo e que serve para o atual momento: "Nenhuma casa dividida consegue seguir em frente."

Ao som da música Morena de Angola, na voz de Chico Buarque são mostrados num telão as imagens da festa do ano passado e logo a seguir começa especificamente o espetáculo. Como se fossem grupos musicais, num grande show, nove terreiros da cidade se apresentam alternadamente, entoando as curimbas dos terreiros, com o acompanhamento da batida na palma da mão. Ricardo dá uma entrevista para o Jornal da Cidade, quando enfatiza que a "festa foi criada para comemorar o aniversário da Umbanda, divulgar nossos templos, diminuir a discriminação e difundir nossa mensagem de muita paz." No intervalo de cada apresentação, Gabriel procurar usar de muita irereverência, quebrando aquela sisudez de eventos religiosos, tanto que num certo momento desabafa: "Já me falaram para ser mais sério, não brincar tanto, mas não consigo." São sorteados livros, revistas e as camisetas, com pessoas da platéia sendo convidadas a subir ao palco para participar dos sorteios.

Quem sobe ao palco em seguida é Marco Boeing, de Curitiba, com 25 anos de Umbanda. Sua fala está centrada em cima dos novos rumos e dá uma puxada de orelha nos que insistem em continuar errando: "Ainda existe muito umbandista largando tudo o que é porcaria nas cachoeiras e no mato. Orixás não comem de marmitex. Quando começa a concorrência, um quer fazer mais do que o outro e aí surgem os abusos. Conclamo todos a nos policiar mais, principalmente contra os comentários desairosos. Temos que trazer o respeito para dentro de nossa religião, para só assim exigirmos isso dos outros. A Universal vive em busca de nossas falhas para ficar mostrando na TV e não podemos ficar alimentando isso." É um dos mais aplaudidos.


As apresentações no palco vão se intercalando e até o presidente da Federação Umbandista do Estado de SP, Evandro de Ogum, canta com seu grupo: "Eu vou bater tambor..." No fundo da platéia Edenilson localiza Duílio Duka, o presidente do Conselho da Comunidade Negra da cidade, lhe entregando uma estatueta pelo apoio dado à Umbanda. Enquanto eles se abraçam, surge no telão as imagens do último Fórum Umbandista sobre Liberdade Religiosa, outra atividade realizada pelo grupo, tendo a voz de Clara Nunes ao fundo entoando o Canto das Três Raças. A atração seguinte é Cidmar, o Pantanegro, um músico regional que, com sua viola caipira canta cançõesmato-grossenses e pantaneiras. Sem qualquer ensaio, ao lado do Grupo da Lua, emociona muita gente, com três músicas alusivas ao sincretismo religioso. Gabriel faz todos rirem quando faz subir ao palco um menino de uns cinco anos, que ele apelida de Robinho e como toda criança, com suas inesperadas respostas, deixa o ambiente ainda mais descontraido.

Quase ao fim são mostradas imagens de uma Conferência sobre Discriminação Religiosa, realizada na OAB local, demonstrando como o Umbanda Fest acontece o ano todo. Como música de fundo, Carlos Buby, um sacerdote umbandista solta a voz em Feiticeiro Negro: "Por que tantas palavras contra os feiticeiros negros? Por que tanto preconceito contra os feiticeiros negros?" Ricardo Barreira sobe novamente ao palco para o encerramento e o faz unindo todos os templos que se apresentaram, convidando-os para voltarem ao palco e junto com o público cantarem novamente o Hino da Umbanda, onde se sobressai o refrão: "A Umbanda é Paz e Amor". Já são quase 18h30 e quando a festa vai chegando ao fim, Ricardo ainda solta a voz na última fala da noite: "Não haverá caminhos fechados na Umbanda". Foram três horas de um show, onde o que predominou foram a paz e o amor. Um exemplo que a Umbanda vem dando para muitas outras religiões.

LEGENDA DAS FOTOS:
A entrada no Teatro Municipal de Bauru
Rose e o recebimento dos alimentos na entrada
Gabriel, pai Dito, Vinagre e pai Joelmir na abertura
O altar com o Caboclo das 7 Encruzilhadas
Cidmar e o Grupo da Luna encantando a todos
Todos os terreiros reunidos cantando o Hino da Umbanda
Ricardo Barreira fazendo o encerramento da Festa

Henrique Perazzi de Aquino, escrito em 19/11/2007.

sexta-feira, 16 de novembro de 2007



UMA MÚSICA (9)


Do Zé Ramalho eu tenho a coleção quase completa. Vozeirão inigualável e um cantante dos mais valorosos desse torrão. Hoje, está aqui em Bauru, lá no SESC e seu show é imperdível. Poderia citar dezenas de canções suas que, ainda embalam minha vida, mas a que deixo a letra aqui é uma daquelas com temática social, letra de um trio nordestino. É um discurso, uma fala emocionada, que não me canso de escutar no meu mafuá. Faz parte do CD "Nação Nordestina", de 2000:



"O MEU PAÍS" - letra e música - Livardo Alves, Orlando Tejo e Gilvan Chaves
Tô vendo tudo, tô vendo tudo / Mas, bico calado, faz de conta que sou mudo

Um país que crianças elimina /Que não ouve o clamor dos esquecidos /Onde nunca os humildes são ouvidos /E uma elite sem deus é quem domina /Que permite um estupro em cada esquina / E a certeza da dúvida infeliz / Onde quem tem razão baixa a cerviz / E massacram - se o negro e a mulher / Pode ser o país de quem quiser / Mas não é, com certeza, o meu país

Um país onde as leis são descartáveis / Por ausência de códigos corretos / Com quarenta milhões de analfabetos / E maior multidão de miseráveis / Um país onde os homens confiáveis / Não têm voz, não têm vez, nem diretriz / Mas corruptos têm voz e vez e bis /E o respaldo de estímulo incomum / Pode ser o país de qualquer um / Mas não é com certeza o meu país

Um país que perdeu a identidade / Sepultou o idioma português / Aprendeu a falar pornofonês / Aderindo à global vulgaridade / Um país que não tem capacidade /De saber o que pensa e o que diz / Que não pode esconder a cicatriz /De um povo de bem que vive mal / Pode ser o país do carnaval / Mas não é com certeza o meu país

Um país que seus índios discrimina /E as ciências e as artes não respeita /Um país que ainda morre de maleita /Por atraso geral da medicina /Um país onde escola não ensina /E hospital não dispõe de raio - x /Onde a gente dos morros é feliz /Se tem água de chuva e luz do sol /Pode ser o país do futebol /Mas não é com certeza o meu país

Tô vendo tudo, tô vendo tudo /Mas, bico calado, faz de conta que sou mudo / Um país que é doente e não se cura /Quer ficar sempre no terceiro mundo /Que do poço fatal chegou ao fundo / Sem saber emergir da noite escura /Um país que engoliu a compostura /Atendendo a políticos sutis /Que dividem o brasil em mil brasis /Pra melhor assaltar de ponta a ponta /Pode ser o país do faz-de-conta /Mas não é com certeza o meu país

Tô vendo tudo, tô vendo tudo /Mas, bico calado, faz de conta que sou mudo.
UMA DICA DE LEITURA (8)
UMBANDA FEST, EM BAURU DIA 18/11
Meu amigo Ricardo Barreira é um dos idealizadores dessa contagiante festa, que além de todas suas várias utilidades, tenta quebrar o preconceito ainda existente com quem é umbandista. Deixo aqui um texto que li na revista OCAS (Feita pela e para o povo das ruas - falo dela qualquer dia desses) nº 40, de novembro de 2005, com o título:

CANDOMBLÉ E UMBANDA. É TUDO MACUMBA?
É um antigo instrumento de percussão utilizado em rituais afro-brasileiros. Os mais populares, Candomblé e Umbanda, foram denominados injustamente como uma coisa só: "Macumba". Mas não é nada disso.

O Candomblé, religião importada da África e estabelecida no Brasil no início do século 19, nasceu da necessidade dos negros escravos realizarem seus rituais religiosos, que no princípio eram proibidos. Para brular essa proibição, os negros faziam seus assentamentos e escondiam os instrumentos, preferencialmente fazendo um buraco no chão, e dançavam para seus Orixás, dizendo que estavam cantando e dançando em homenagem a um santo católico. Daí nasceu a mistura religiosa com os santos católicos, que foi abandonada mais tarde pela maioria dos adeptos do Candomblé tradicional.

Já a Umbanda nascida no Brasil, fundada pelo Cabloco das Sete Encruzilhadas com incorporação em um médium em 15/11/1908, é fruto da fusão de várias religiões e, apesar das várias raízes de origem africana, não lida com Orixás (deuses do Panteão Africano), mas incorpora em seu culto caboclos, preto-velhos, crianças, baianos, boiadeiros, espíritos da água, eguns, exus (não os da África) e outros, que são entidades desencarnadas da Terra que também se misturam aos seguintes grupos: Afro (Jêje, Nagô, Malê, Banto, Mina), Kardecismo, Pajelança e Catolicismo.

As diferenças entre Macumba e Candomblé são bastante explícitas. Só para citar algumas: no Candomblé, os rituais são cantados em línguas nativas africanas como Yorubá, Ifón e Égbá. Já na Umbanda, os cultos são cantados em português. "O Candomblé sempre buscou preservar os traços negros da religião no país, coisa em que a Umbanda nunca se preocupou", afirma o pesquisador José Pedro da Silva Neto. Existem, ainda, outras diferenças, como a de que "no Candomblé a cor de ogum é azul-marinho e na Umbanda a cor de ogum é vermelho, devido ao sincretismo (fusão) com o santo católico São Jorge".

Vários preconceitos ainda rodeiam as cabeças de leigos em relação ao Candomblé e à Umbanda: quem sabe uma aproximação ou mesmo conhecimento das referidas religiões sirva para tirá-los.
UMA ALFINETADA (9)
O texto que publico aqui saiu no sábado passado na versão impressa d'O ALFINETE, o semanário que, "pica, mas não fere", da vizinha Pirajuí.


CRUELA CRUEL REVELA SUA FACE
Confiram a quantas anda o cerceamento das liberdades individuais. No dia 17/09, um estudante foi brutalmente reprimido pela polícia universitária e preso – simplesmente por levantar uma questão num debate público. O estudante de jornalismo foi imobilizado, algemado, atacado com uma arma de choques elétricos e preso pela polícia universitária durante um fórum promovido por um senador da República e ex-candidato à presidência de seu país.

O ataque ocorreu depois do estudante questionar explicitamente – em debate com microfone aberto ao público – o político sobre fraudes eleitorais no país. Depois de ser abordado pelo primeiro policial, o estudante disse: “Ele esteve falando por duas horas; eu acho que posso ter dois minutos, muito obrigado.” E, ao tentar fazer uma nova pergunta, teve o microfone cortado e foi seguro pela polícia que começou a empurrá-lo para fora do auditório. O estudante protestou gritando: “Eu não fiz nada! Eles estão me prendendo! Eu não fiz nada!” Depois de ser levado até o fundo do auditório, ele acabou imobilizado pelos policiais, que aplicaram-lhe choques elétricos. Tudo culminou com sua prisão. Fora do auditório foi dito a ele que o motivo da prisão era por “provocar a desordem”. Foi levado para a prisão, acusado de resistir com violência à prisão – um delito grave -, de perturbar a paz e interferir nas funções administrativas da faculdade. As acusações podem levá-lo a 5 anos de prisão.


Estão assustados? Pensam que isso aconteceu aqui no Brasil lulista, na Venezuela chavista, na Bolívia evista, no Chile bachelista, na Argentina kircherista ou em qualquer outro país latino. Nada disso, o fato é corriqueiro, mas lá na capital do Império, isso mesmo, no país que, eles dizem ser a “maior democracia do planeta”, os EUA. O incidente mostra o caminho que vem sendo adotado pelas universidades norte-americanas. Esse ataque aos mínimos direitos democráticos, como o cerceamento de debater e expressar opiniões em público, aproxima cada vez mais os governos “democráticos” de todo o mundo das polícias facistas dos períodos mais sombrios da história da humanidade.


O estudante se chama Andrew Meyer, a universidade é a da Flórida, o senador em questão é o democrata John Kerry (ex candidato à presidência em 2004) e a pergunta não respondida foi sobre a recusa do Partido Democrata em promover ações judiciais contra a fraude eleitoral nas eleições de 2004, pelo impeachment de Bush, ou de se opor às preparações para a Guerra do Irã. Num outro momento, fico sabendo que jovens norte-americanos que consultam livros nas blibliotecas de universidades, demonstrando interesse pelos de cunho social, marxista, libertários, têm seus pais chamados à direção, para tentarem convencê-los à procurar outras coisas menos perigosas para lerem. A internet facilita o trabalho, pois o Big Brother funciona em todos os locais nos EUA. Findaram-se as liberdades individuais e depois falam que, nós os latinos é que não praticamos a tal da democracia. Durma-se com um barulho desses. Por lá, a coisa é infinitamente pior do que aqui.


Em tempo: Tudo o que escrevi pode ser conferido no Youtube, teclando: UFStudent Tasered at John Kerry Q & A. O artigo foi escrito baseando-se num texto publicado no “Não ao Não”, um Boletim contra a repressão e pelas liberdades democráticas nas universidades e nas escolas(http://www.brasilia17.org/). Confira você também...


Henrique Perazzi de Aquino, 47 anos e ainda nessa idade, lendo muitoboletins, fanzines, panfletos, manifestos e outros afins.

terça-feira, 13 de novembro de 2007

FRASES DE UM LIVRO (4)

AGOSTO, DE RUBEM FONSECA
Esse escritor é tudo de bom. Já li quase tudo dele e indico de olhos fechados. É garantia de boa leitura. Esse comprei e li em 1990, numa edição da Cia das Letras. Vejam o que selecionei dele:

- "... o lacerdismo era uma doença contagiosa, pior do que a sífilis ou gonorréia." o autor
- "Essa era outra coisa desagradável de ser polícia: as pessoas quando não sentiam ódio, sentiam pena dele."
- "Duvidar é um sinal de inteligência. Não encontrar respostas é um sinal de burrice."
- "O homem se acostuma com tudo." Mattos
- "A melhor coisa do casamento é a viuvez." Emilio
- "A única coisa que aprendi nesses anos todos é que em crime de morte só há duas motivações. Sexo e poder. Aí é que está o busílis. Só se mata por dinheiro ou por buceta..."
- "Ir à ópera, aos concertos, aos museus, fingir que liam os clássicos, tudo fazia parte de uma grande encenação hipócrita dos ricos, cujo objetivo era mostrar que eles pretenciam a uma classe especial de pessoas superiores que, ao contrário da chusma ignara, sabia ver, ouvir, e comer com elegância e sensibilidade, o que justificaria a posse do dinheiro e o gozo de todos os privilégios."
- "No Brasil, qualquer coisa de oitenta anos, tem que ser destruída, jogada no lixo."
- "Nessa coisa de honestidade, quando o cara perde o cabaço não pára mais." Rosalvo
- "Não se pode confiar na ralé. Só existe uma gente pior do que os ricos: os pobres." Lamagno
- "Para fazer o Brasil crescer os empresários precisam se humilhar pedindo favores." Mattos
- "...ficou pensando no que faria um sujeito ser da polícia. No seu caso fora simplesmente a incapacidade de arranjar um emprego melhor." o autor
- "Os brasileiros não gostam de quem renuncia."
- "Toda mulher tem um amante, você sabia? E falam a verdade para o seu diário." Alice
- "A traição fazia parte do jogo político."

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

MEMÓRIA ORAL (11)

UM ASSENTAMENTO MAIS DO QUE LEGAL: LEGALIZADO

O acampamento dos sem-terra Associação Terra Nossa mudou de denominação após cinco anos instalado no Horto Florestal, entre as cidades de Bauru e Pederneiras SP, passando a chamar-se a partir de agora, pomposamente de assentamento dos com-terra. É que na última sexta-feira, 09/11, o superintendente regional do Incra SP, Raimundo Pires da Silva, o popular Bom Bril e o deputado federal Vicente Paulo da Silva, o Vicentinho aportaram por lá e numa emocionante solenidade transmitiram a boa nova para todos os seus moradores. Num clima de festa, tudo foi celebrado antes de um almoço no barracão de eventos do assentamento, marcado para ter início às 14h, mas começando somente às 15h, logo após a chegada do deputado.

A comida foi sendo feita em vários locais diferentes e sendo transportada para o barracão no centro do assentamento. Desde a manhã, grupos ficaram encarregados de alguma missão, para nada sair errado. Tão logo a comida chegou, o cheiro de carne assada se espalhou pelo local, sendo o carro-chefe um cabrito, que colocado ao fundo da mesa de abertura do evento, fez com que se agilizasse o falatório. Isso mesmo, a solenidade aconteceu antes do almoço, montada numa grande mesa, com 15 convidados. Todos tiveram direito à palavra, todas rápidas, desde representantes das prefeituras das duas cidades, do INCRA e demais entidades que estiveram ao lado da luta da comunidade ao longo do tempo. Um emocionado depoimento veio do sindicalista Pardal, que arrematou: "A reforma agrária não sai no Brasil, mas sai aqui em Bauru."

As falas principais ficaram para os dois ilustres convidados e quem falou primeiro foi Raimundo, que anunciou a boa nova, de forma contundente: "Podem se considerar assentados, todos aqui tem agora os seus direitos garantidos, mas não podem se esquecer também dos deveres. Não podem arrendar essa terra. O INCRA agora tem cara aqui, com dois funcionários atuando diretamente com vocês". Mais tarde, discorre melhor sobre isso, enfatizando que "estão sendo liberados dois fomentos de crédito de R$2,5 mil para sementes e equipamentos, além de R$ 7 mil para que cada um construa sua casa de alvenaria."Quando o mestre de cerimônias, Celso da Costa, líder do assentamento anuncia Vicentinho, o faz chamando-o de "padrinho de todos nós", recebendo uma aclamação geral. O deputado fica em pé para falar e lembra as outras vezes em que lá esteve, o sofrimento e a luta que foi chegarem inteiros até aquele momento: "A conquista dessa terra é fruto da luta de vocês. Acompanhei o sofrimento de todos e no meio disso tudo vi gente produzindo. Tudo isso era claro sinal de vida. Eu posso ter a língua presa, mas não o rabo. Ou melhor, rabo preso só com vocês." Diz também, que está solicitando duas emendas para o Orçamento de 2008, a primeira de R$ 350 mil, para equipar o assentamento, via Prefeitura de Pederneiras e outra de R$ 200 mil, para restaurar estações ferroviárias de Bauru. Ao final, evoca todos para rezarem um Pai-nosso de mãos dadas, "a verdadeira oração dos oprimidos", diz ele.

Quando o almoço é anunciado, a alegria já tomava conta de todos e as pessoas foram se abraçando umas as outras, num sinal de que tudo aquilo tinha valido muito a pena. A luta deles pela posse definitiva da terra tinha sido vitoriosa e tudo estava sendo selado naquele almoço coletivo, onde cada um havia dado o seu quinhão. As pessoas que se apertavam dentro do acanhado salão, com paredes de bambus enfileirados, foram para o ar livre estravazar o contentamento. Rodas alegres se formavam, tendo, é claro, como assunto principal, o que acabara de ser anunciado.


Dentre os mais comunicativos está seu Toninho da Ave Maria, 62 anos, mineiro de Botelho e que recebeu esse apelido por rezar diariamente o terço, desde o falecimento de seu pai, quando tinha 9 anos de idade. Grande parte de sua vida foi metido em lutas sindicais e contagia quem dele se aproxima, pela fala amineirada e alegre. Quando lhe pergunto se era do sindicato rural, faz questão de me corrigir: "Nada disso. Sempre fui do Sindicato dos Trabalhadores Rurais. Olha como essa palavra soa bonito, é linda. Trabalhador". Tenho que concordar e prossigo a prosa, observada atentamente pelo professor Isaías Daibem, que pela primeira vez por lá aportou e diz do que ouve: "Seu Toninho é valente. Reza com toda fé do mundo e depois não perdoa, vai à luta, sem dó e piedade."

E é assim mesmo, pois nos disse que num dos enfrentamentos ocorridos ali com a Polícia Militar, parou diante de um dos que comandavam a operação, pedindo sua caneta emprestada e lhe disse: "Tá vendo isso aqui. Sózinha eu quebro fácil. Mas juntas, umas 20, 30, não quebra de jeito nenhum. Igual é com a gente." E quebrou a caneta, para espanto de todos. Hoje ri daquilo tudo, mas passou mal bocados, não tanto pelo físico mirrado, mas pela resistência inquebrantável, tanto que, um outro apelido, que tinha nos outros acampamentos que circulou era Marimbondo, tal o jeito de picar doido. Esse é daqueles que, fazem qualquer um esquecer de tudo ao seu lado, tal o poder de convencimento que possui, mas a tarde não é só dele e continuo circulando entre os grupos.

É de pessoas assim que são constrúidas as histórias de vida desse assentamento, em algo que Vicentinho captou muito bem, tanto que já havia citado em sua fala inicial, como os tais sinais de vida. Por falar nele, lá estão, ele, Raimundo e Leonan, também do INCRA almoçando uma macarronada e o cabrito. Num certo momento fez questão de chamar a cozinheira para elogiar o tempero da buchada: "Você é nordestina, minha filha?". Ela, rápida e fagueira lhe diz: "Sou não, Vicente. Sou é gaúcha. Aprendi com meu marido, que é e hoje faço melhor que ele." Circulando vejo sotaques das mais diferentes regiões do país, numa diversidade encontrada em todos os acampamentos espalhados por esse país. No fim da comilança, Vicentinho se junta ao violeiro Osvaldo Fatelli da Silva, 62 anos, coloca um chapéu na cabeça e entende mal o título da canção que entoariam juntos: "Essa eu conheço, venham aqui, que vamos cantar o Cio da Terra." Seu Osvaldo se vê obrigado a corrigi-lo: "É o Hino da Terra, seu Vicentinho". A roda se forma e a cantoria sai, principalmente nas frases mais fáceis de serem decoradas.

Se a alegria fez parte do cenário desse dia, ela não esteve presente em todos os momentos nesses cinco anos de ocupação. O local possui 2.520 alqueires, correspondendo a aproximadamente uns 50 Mary Dotas, o maior núcleo habitacional da cidade, distante uns 10 km dali. Hoje, tudo foi dividido em duas partes, a primeira com 150 assentados e a segunda com 3 núcleos, totalizando uns 250 assentados. Quem conta os detalhes da caminhada é o Celso da Costa, 27 anos, criador de porcos e estudante do 2º ano de Direito: "Muitos confundem a gente com o MST. Somos independentes, mas não nos vangloriamos disso. Somos parte de um grande movimento e a CUT está ao nosso lado, bem próximo. Tivemos momentos de muita tensão por aqui e numa delas os posseiros foram me ameaçar na faculdade. Para não comprometer a segurança no ônibus escolar, que a Prefeitura disponibiliza, tranquei a matrícula e fiquei mais alerta." Diz também que, hoje tudo está mais calmo e talvez volte a estudar no ano que vem, uma das prioridades da qual não abre mão.
As histórias de repetem e cada um possui uma mais emocionante. Quem agora se aproxima é uma alegre senhora, negra e com um chamativa calça vermelha. Vendo a máquina fotográfica em minhas mãos, pede para ser fotografada e quando pergunto seu nome, ela simplesmente diz: "Sou a Capeta da Parte II. Antes era a da I. Aqui já enfrentamos de tudo e não arredamos pé. O importante é não ter medo de cara feia." Esse fazer e acontecer está sob o olhar vigilante do atento marido, que não sai de perto um só instante. Quando os primeiros pingos ameaçam cair, todos já estão com as barrigas devidamente forradas e é nesse momento que, Celso aproveita para reunir os ilustres convidados, levando-os a um passeio pelo local dos agora proprietários de 5 alqueires de terra cada. O tempo lá em cima ameaça fechar e nada é mais propício para a dispersão.

Henrique Perazzi de Aquino, escrito em 10/11/2007
UMA FRASE (UMA POESIA) GILETE PRESS (6)

E Então Que Quereis?
..Fiz ranger as folhas de jornal
abrindo-lhes as pálpebras piscantes.
E logo
de cada fronteira distante
subiu um cheiro de pólvora
perseguindo-me até em casa.
Nestes últimos vinte anos
nada de novo há
no rugir das tempestades.
Não estamos alegres,
é certo,
mas também por que razão
haveríamos de ficar tristes?
O mar da história
é agitado.
As ameaças
e as guerras
havemos de atravessá-las,
rompê-las ao meio,
cortando-as
como uma quilha corta
as ondas.

Maiakovski(1927)
Tradução de E. Carrera Guerra
Do Livro "Maiakóvski-Antologia Poética"/Editora Max Limonad, 1987.

domingo, 11 de novembro de 2007

UMA MÚSICA (8)

NÃO VOU MUDAR - COM JAMELÃO

Falar em Jamelão emociona, ainda mais porque ele está com 94 anos e novamente com problemas de saúde. Já faz um tempo que sua saúde anda debilitada e toda vez que ouço algo sobre um retorno seu para o hospital, me bate uma saudade e vou em busca do que tenho dele aqui no meu mafuá. Tem uma frase do crítico e jornalista José Ramos Tinhorão que, define muito bem o que representa Jamelão para nossa música: "Ele pertence a uma reduzida família de cantores que não podem ter seguidores. Quem pretender segui-lo, passa por imitador."


Aliás, conheci Jamelão num antigo restaurante que tive em Bauru, o Feitiço Capixaba, quando numa tarde de 08/12/1989, ele e o Pópolo (esse mesmo, o do famoso restaurante) vieram comer uma moqueca antes de um show na cidade. Levei para que autografasse o mais importante disco de sua carreira, o "30 Anos de Sucesso", que guardo até hoje. Relembro aqui de seu último CD, uma música que é a sua cara. Confiram:


NÃO VOU MUDAR (de Alberti Gino, CD 'Por força do hábito', Som Livre, 2000)

Não vou mudar / Não é agora que eu vou mudar / Sempre fui cheio de amor pra dar / Sou um romântico e sentimental / Meu coração, / Bate no peito com o mesmo vigor, / Cantando a minha Mangueira / E em todas as canções de amor...

Bailes da vida / Foi onde um dia eu comecei / Grandes orquestras, / Músicos e poetas / Com eles eu aqui cheguei

A minha estrada / Vou percorrendo de canção em canção, / Com esta voz que Deus me deu, / Não vou mudar, / Sou simplesmente Jamelão.

sábado, 10 de novembro de 2007

UM COMENTÁRIO QUALQUER (2)

OLHA ELE AQUI EM CARNE E OSSO

Para quem só o conhece de ver seu belo trabalho exposto semanalmente na segunda página aqui d'O ALFINETE, não tem como não perder a oportunidadede dar uma esticada na vizinha Reginópolis e ver Fausto Bergocce em carne e osso. Fausto é um mestre do traço nacional, com seu trabalho reconhecido nos mais conceituados órgãos de comunicação do Brasil. Fez nome e fama, mas não esquece de sua cidade natal. Continua mantendo um pé atolado no barro caipira, ou melhor, se rende às origens, o que não deixa de ser maravilhoso.
Agora, quando está lançando livro novo, fez questão de voltar para sua santa terrinha e lá no famoso Bar do Batista, grudado com a praça central, em duas edições, uma na sexta, dia 09 e outra no sábado, dia 10, sempre depois das 18h, dá um convescote e propicia a todos um bate-papo, regado a uma boa e indispensável cerveja gelada. Serão dois dias onde ocorrerá um belo reencontro com todos os seus conterrâneos. Fausto não dispensa nessas horas a proximidade com os parentes, amigos e conhecidos de sua Reginópolis e nós, pelo menos os que gostam de uma festança diferente e cheia de animação, devemos todos nos dirigir para lá e participar disso tudo. É o que estarei fazendo e estendendo o convite a todos.
Fausto merece e além de tudo, o livro é uma daquelas raridades que vale o investimento. Fazer livro de cartum é obra para um artista corajoso e com uma vontade de sempre estar produzindo, custe o que custar. Esse cabra é valente e se não enfrenta um leão, faz coisa pior, pois se mete nas mais variadas estripolias, tudo para conseguir colocar em circulação mais um livro. Se queres saber como foi dessa vez, interpele o matuto e não se espantem com a resposta: para publicar esse livro, ele foi é obrigado a devorar o leão. E o fez.
Eu, na qualidade de amigo declarado do Fausto, estou ansioso para ver decidida a situação política de Reginópolis, se vai ter ou não nova eleição e quem vai estar à frente do Executivo do munícipio, pois quero entrar com um pedido dos mais auspiciosos para o novo mandatário daquela cidade. Quem sentar na cadeira de prefeito precisa prestar uma justa homenagem ao Fausto, contratando-o para fazer um grande mural, numa parte interna na Prefeitura ou num local cultural, onde ele possa desenhar os personagens de sua cidade e seus pontos mais conhecidos. Vai ser uma atração turística na cidade. Já imagino a coisa feita e a cidade inteira parando diante do desenho e se reconhecendo ali. Quem tem um artista dessa qualidade não pode se furtar de pagar para ele fazer algo nesse sentido.
Se Pirajuí tem Tito Madi, Nova Europa tem Nicoliélo, Lençóis Paulista tem Orígenes Lessa, Bauru tem a Eny e Mauro Rasi, Botucatu tem o piloto Massa, Reginópolis tem Fausto. E não precisa de mais nada. Fausto é demais e se continuar essa briga na sua terra, logo logo vai é ser prefeito de sua cidade. Fausto merece todas nossas homenagens. Essa é imperdível.
Henrique Perazzi de Aquino - (escrito para o Alfinete, publicado em 10/11/2007) Bauru SP
Obs.: Para verem como ele é talentoso e atencioso no que faz. Essa charge aí em cima é de 2003, mas continua mais atual do que nunca, ou melhor, não ficará desatualizada nunca. Coisas da mente de um Fausto...

terça-feira, 6 de novembro de 2007

UMA ALFINETADA (8)
Essa saiu publicada no sábado passado e por falta de tempo acabei publicando só hoje.

COISAS BEM PRÓPRIAS DO CAPITALISMO
Tem coisas que não consiguiria fazer de jeito nenhum. Me revirariam o estômago. Ouço histórias pessoais o dia todo, me comovo, mas muito pouco posso fazer pelas pessoas. Quando ouço uma envolvendo a exploração e a insensibilidade humana, o meu dia está estragado. Sofro calado, mas não resignado. Algo que posso fazer é escrever e propagar as injustiças desse mundo. É o que faço.

Um funcionário de um empresa de ônibus mora numa cidade distante uns 150 km de Bauru. Acorda todo dia às 4h30, prepara sua marmita e vem trabalhando no ônibus como cobrador. Chega aqui por volta das 7h e às 7h30 bate cartão na mesma empresa, num setor interno. Seu almoço é feito rapidamente, pois não pode ficar muito tempo longe do balcão de atendimento. Quando quer dar uma volta nesse horário, é olhado com desconfiança. Mal termina o turno da tarde, embarca no ônibus de volta, não como passageiro, mas novamente como cobrador, chegando em sua cidade por volta das 21h. Não tem vontade de fazer mais nada. Cai na cama e dorme.

Exerce duas funções numa só e não pode abrir o bico, pois precisa e muito do salário de R$ 400 mês. Aos sábados, o turno termina às 12h, novamente ida e volta como cobrador. Acaba fazendo mais uma viagem de ida e volta, por falta de funcionário no horário e só chega em casa depois das 19h. Está sempre cansado. A empresa não, ela cresce a olhos vistos e a equipe de trabalho, cada vez mais enxuta. Para não reduzir seus ganhos, o patrão obriga todos a fazerem o trabalho de pelo menos mais um, porém ganhando salário de um. O capital dela cresce cada vez mais.
Por essas e outras, constato que não conseguiria ser um eficiente capitalista. Não consigo agir dessa forma. Não está em mim explorar ninguém. Chego a conclusão que o capitalismo não é algo saudável. Essa insensibilidade cruel, essa ganância toda sem sentido, tudo por causa de um tal de Deus Grana é algo que demonstra claramente a falência desse sistema. Ele nunca pensou na pessoa humana.



A questão do leite me faz pensar da mesma forma. Por que alguém compraria lotes de queijos estragados, os lavaria, colocaria nova embalagem e os revenderia novamente? Por que outros comerciantes misturariam soda cáustica e água oxigênada no leite para aumentar sua validade? Por que alguns donos de postos de combustível misturam água nos tanques e nos revendem como algo consumível? É o Deus Lucro, que move isso tudo, não pensa no seu semelhante. O pensamento é um só, ter cada vez mais, acumular e ficar rico. Grana, muita grana.

Em outra cidade daqui de perto, uma fábrica de peças de próteses para implantes, retira o titâneo e no seu lugar coloca ferro comum, não se importando se isso irá necrosar os usuários. O Deus Grana está espalhado por tudo quanto é canto. Não me venham dizer que isso são ocorrências isoladas, pois passo um dia aqui relatando fatos bem perto de nós, até dentro de nossas próprias casas. O fato é que o capitalismo está falido. Ele já está com sua data de validade vencida e não sei mais quanto tempo resistirá até bater as botas definitivamente. A barbárie que se aproxima é fruto desse sistema, que nos transforma em feras, verdadeiras bestas humanas. Um outro mundo terá que sair disso tudo e é nisso que aposto. Não tenho como estar ao lado os poderosos, da ganância e de um sistema que só pensa em idolatrar o Deus Grana.

Henrique Perazzi de Aquino, 47 anos, chegando a conclusão de que há mesmo um modo idiota de resolver problemas.
MEMÓRIA ORAL (10)
Escrevi esse texto em maio desse ano, bem antes do Nicoliélo expor aqui suas charges e algumas obras, lá na galeria do teatro Municipal de Bauru. Nico é uma pessoa muito especial, um grande amigo, que conheci naquele mês e de quem gosto muito. Quando aqui esteve foi muito atencioso para com todos e recebeu o carinho de toda uma cidade. O texto foi para demonstrar o que sentia naquele momento, diante de uma pessoa toda especial, de quem já admirava (e muito) o trabalho. Qualquer dia desses publico também as fotos tiradas no dia da abertura da exposição.

Fiz questão de publicá-lo nesse momento, pois Nico estará expondo suas charges em Paraguaçu Paulista, durante a 3ª Feira de Humor de Paraguaçu Paulista, da qual é também jurado, que começa no dia 15 desse mês. Fica aqui minha singela homenagem a esse grande artista.

ÁGUAS PASSADAS MOVEM MOINHOS OU O BOM FILHO À CASA TORNA

Nova Europa é uma pequena cidade localizada entre Ibitinga e Araraquara. Seu nome advém da imigração européia, principalmente a alemã, possibilitando que a maioria de seus 8000 habitantes possuam uma tez um tanto quanto alourada. Nesse pacato recanto eminentemente agrícola, nasceu, cresceu e partiu uma figura ímpar. Fez a vida toda longe dali e agora retorna, um filho da terra, o chargista político Antonio CarlosNicolielo, ou NICOLIELO. Lá ele passou boa parte da juventude, tendo o primeiro ensaio de partida da cidade, ainda nos anos 60,quando tentou ser beque da Ferroviária de Araraquara. Foi uma curta experiência, pois segundo ele mesmo afirma:
- Era difícil a convivência. Jogador não lê nada e eu queria cada vez ler mais. Não era a mesma praia. Parei, mesmo jogando muito bem.
O retorno não durou quase nada. Logo estava de malas prontas para o lado oposto, Bauru, onde foi estudar Direito. Começou sua atividade profissional por lá, sendo um dos fundadores do Jornal da Cidade, onde publicou sua primeira charge, em 1967. Fez nome em Bauru, mas a cidade acabou ficando pequena demais para ele. Caiu no mundo e não se arrependeu. Foi para a capital e daí em diante não parou mais e não mais saiu de dentro das redações de importantes órgãos da imprensa nativa. Iniciava a trajetória de sucesso, já chargista político dos jornais Diário de São Paulo e Diário da Noite. Foi também ilustrador e capista da revista Visão, ao mesmo tempo em que ilustrava para Status, Folha de São Paulo, Folha da Tarde e da experiência paulista de O Pasquim. Participou de inúmeras exposições, tanto no Brasil, quanto pelo mundo afora. Conviveu com cobras como AloísioByondi, Mário Sérgio Conti, Boris Casoy e todos os do traço. Afirma ter sido um dos poucos chargistas que participava de reuniões de pauta, o que causou ciúmes entre muitos colegas de pena:
- Sempre li muito e meus desenhos exprimiam isso. Quando pegava um texto para ilustrar, nunca me prendi ao óbvio, indo muito além. Saia uma verdadeira interpretação, que o completava. Sempre foi meu diferencial.
O seu sucesso atravessou fronteiras e, assim, foi um dos pioneiros a publicar no fechado mercado editorial norte-americano ao qual envia charges até hoje, pois continua artista contratado do Cartoonist & Writers Syndicate e New York Times Syndicate, que distribuem seus trabalhos para mais de 150 jornais do mundo. Vive disso e aqui no Brasil, do repasse diário de uma charge, que produz sempre até às 18h, com distribuição para mais de 100 jornais, dos quais nem lembra direito o nome. Para chegar nesse patamar atual, a trajetória foi de muita luta, disposição, dedicação e, claro, talento, de quem mergulha de cabeça no que faz. Paralelo a isso, formou as duas filhas, construiu um patrimônio e, separado da esposa, fugiu do rush das cidades grandes, morando por uns tempos em Três Lagoas MS, de onde se mantinha plugado no mundo. Por lá, começou esse negócio de pintura em telas, um filão e dele não se separou mais. Continua a produzir charges, mas, a de telas ganhou boa parte do seu tempo. São as tais "caricatelas", mostrando um artista muito bem focado no seu dia-a-dia.
A criação artística do Nicolielo surge quase totalmente da observação do cotidiano, uma pelada, um casamento caipira, gente em torno de uma mesa de bar e música numa praça. Desde que a galeria paulistana Marcelo Neves, que tem exclusividade sobre suas telas o contratou, ocorre uma nova guinada em sua vida. Foi tudo muito rápido e o retorno definitivo para Nova Europa se deu há exatos três meses, tudo ainda um quanto tanto desarrumado. A casa, bem em cima da agência bancária da NCNB desocupada há anos e o sítio da família (dele e de mais dois irmãos), localizado a "distantes" 400 metros, precisava de gente por perto. Ou seja, aquele carinho, que só o dono sabe dar. Até o alambique da Cachaça Nicoliello havia sido fechado por falta de quem cuidasse. Hoje, circula por tudo o quanto é lado de bicicleta, cria seus bichos, continua viajando muito e quando para na cidade, distribui a preços módicos os restantes 18.000 litros da premiada cachaça:
- Essa é mesmo da boa. Não conheço quem tenha ficado mal bebendo dela. Recebeu até uma premiação tempos atrás.
Seu ritmo atual é o da tranqüilidade, acorda tarde, pois tem o hábito de trabalhar até as 4h, 5h da manhã. "Não me peçam para fazer nada pela manha. É quando durmo". O resto do dia lê muito, de livros a jornais. Possui quase tudo a respeito de quadrinhos e charges, daqui e de fora. Sua biblioteca faz inveja a de muitas cidades. Tranqüilo afirma: "Isso tudo vai acabar ficando por aqui mesmo". A vida não é nada modorrenta, pois virou uma espécie de celebridade, sendo chamado para tudo quanto é tipo de festa. Atualmente traça um esboço para um memorial da cidade e possui ótimo tramite com o poder municipal: "Dia desses o scanner da Prefeitura quebrou e o prefeito pediu para mim um favor. Fiz o trabalho e doei o aparelho, pois tinha acabado de comprar um mais atual".
Do lado de sua casa, o banco conta com 24h de segurança e quando resolve sair para o quintal no meio da noite, sempre acompanhado da inseparável gata de estimação, o vigia do banco torna-se um ótimo papo. Durante o dia, o Projeto Guri ensaia 90 crianças na casa do lado e costumeiramente é convidado a opinar sobre o desempenho dos alunos, como dessa vez, numa apresentação na praça, logo em frente. Enfim, seu tempo está sempre ocupado. Quando ligam da galeria, fala com o futuro cliente, através de uma câmera, acertando no ato os detalhes da tela encomendada. Um luxo que suou muito para conquistar. Vende tudo o que produz, mas sua arte ainda não está muito bem definida. Uns a denominam de näif, mas ele entre risos a define como"näif com griffe", invenção de um amigo artista plástico. A igreja da praça central cheia de gente é o tema da atual tela.
Desfruta disso tudo da melhor maneira possível, tanto que aos 59 anos está prestes avoltar bater uma bolinha com amigos da mesma faixa etária. Não se sente nem um pouco só e faz do calor humano que recebe de todos, o seu recarregador de energias perdidas. Recebe muita gente por lá. Quem já avisou que está prestes a chegar é o amigo Ignácio Loyola Brandão, que no
próximo retorno para sua Araraquara prometeu aportar por lá. Outro que tem viagem agendada é o também escritor, Mário Prata. Quando isso acontece, costuma ceder o quarto da casa (ou vão todos para o sítio), pois perdeu o costume de dormir em colchão. A casa possui vários lugares onde instala suas redes e desde que passou a dormir nelas, não teve mais problemas de coluna:
- Já viste índio com problema de coluna?
Por falar em solidão, toca seu celular e ele corre para o MSM. É a namorada, distante uns 3000 km. Liga a Internet por rádio e esquece da vida. Resolvo sair de fininho, levando comigo 4 litros da tal cachaça.
Por Henrique Perazzi de Aquino – Bauru SP - escrito em 27/05/2007