domingo, 27 de janeiro de 2008




MEMÓRIA ORAL (20)

DUAS TARDES COM A HISTÓRIA DE BAURU

Gabriel Ruiz Pelegrina é nosso mais conceituado memorialista. Não só pelo peso da idade, pois está hoje com 86 anos, carregando também consigo uma saúde de ferro, mas pela sua brilhante trajetória. Vendo-o com uma invejável vitalidade, não resisti a um comentário: "O sr vai acabar ultrapassando o Niemeyer". Ele ri e diz somente ter ainda muita coisa para fazer nessa vida. E olha que muito já foi feito, pois há mais de 60 anos esse agora grisalho senhor vem juntando documentos sobre a história da ferrovia e da cidade de Bauru. Ele não demonstra querer parar de juntar e contar o que sabe para quem estiver disposto a dar uma paradinha e escutar tudo o que já presenciou na vida. É um detalhista, tendo ouvidos dos mais apurados. Se a vista já não ajuda muito (lê com o auxílio de uma lupa), o ouvido continua tinindo, pois não se faz necessário falar alto em sua presença, muito menos ficar repetindo frases. Ele escuta tudo.
Passo defronte sua casa todos os dias e na maioria das vezes trocamos um leve aceno de mãos. Evito parar para uma conversa, pois sei que todas as vezes que o fizer, terei que ficar horas ali. Parar por parar defronte seu Gabriel é pura perda de tempo, pois não existe meios de não ir ficando cada vez mais tempo na sua presença, ouvindo suas histórias, vendo as fotos e documentos, entrando no seu mundo e conhecendo um pouco mais de nossa história. Ir ao seu encontro requer em primeiro lugar tempo, muitotempo. Quando se está com pressa, requer a boa educação, passar longe dele, pois será inevitável sair do encontro com um gostinho de quero mais. Eu fui adiando esse dia e finalmente ele voltou a acontecer. Foram duas tardes inesquecíveis.
O motivo estava dado (sempre é bom ter um motivo). Quando lançou seu novo livro, o "Bauru – Notas Históricas" eu estava viajando. Já o havia comprado, minha mãe até já o havia lido (também ficou com o tal gostinho de quero mais) e o estava levando para a dedicatória. O outro motivo era para elucidar um fato histórico que, só mesmo ele poderia me esclarecer. Sediaremos em Bauru um evento sobre Patrimônio Cultural no próximo dia 16/2, quando estariamos comemorando 100 anos da vinda de Afonso Pena, o primeiro presidente da República a visitar Bauru. A divergência é sobre o ano exato, 1908 ou 1909. Existem documentos com as duas datas. E agora? Se for 1009, o centenário será somente ano que vem. Liguei e marquei a visita.
No dia seguinte, no horário combinado, ao me receber sou encaminhado sem rodeios ao seu local de trabalho. Antes que pudesse mostrar cópia dos dois documentos que havia trazido, cada um com uma data, ele se antecipou e mostrou cópias das duas fotos, iguaizinhas as minhas e afirmou: "Até hoje, por tudo o que já pesquisei, foi em 1908. O centenário será esse ano". Faltava porém, um documento para decifrar de vez a charada, uma cópia da Ata da inauguração dos 100 kms, motivo da visita, "lavrada no quilômetro 92, estação de Lauro Piza, com a presença do presidente. Eu tenho cópia dela e se me der um tempo a encontro", me diz. A data havia sido mesmo em 16/2, mas o ano permanecia nas afirmações de memória.
Só então fui dar conta do local onde me encontrava. Já havia estado ali em outras oportunidades e em todas uma constatação, a organização é algo que o acompanha há muito tempo. Tudo ali tem um lugar definido, porém daqueles que só o dono sabe o paradeiro. E ele vai mostrando de tudo um pouco, comuma paciência que também lhe é peculiar. Mostro o livro e peço a dedicatória. Ele o coloca num canto e pede que o pegue amanhã, pois não gosta de fazer isso com pressa. Vou olhando para tudo e ele parece se divertir com tudo isso. Todos que passam por aquele santuário devem ter a mesma impressão e a frequência de visitantes não deve ser pequena. "Vou receber três moças de São Paulo ainda nessa semana. Elas ficarão três dias por aqui me entrevistando sobre a ferrovia", conta ele. Conta sobre avinda de um funcionário do arquiteto Jurandyr Bueno Filho, querendo saber o nome anterior da rua Monsenhor Claro: "Para esse tipo de pesquisa, não preciso nem pesquisar. Na maioria das vezes sei de cabeça. Disser ser Piatã". E fala isso sem pedantismo ou falsa modéstia, é que sabe mesmo.

Desde que assumi meu cargo na Secretaria de Cultura, sucedendo justamente a ele, mantemos um bom relacionamento. Ele, melhor do que ninguém, sabecomo se processam as coisas num setor público, as obrigações da função e define o que vivenciou: "Quando o Governo Nilson Costa acabou, diante de tudo o que havia passado, sabia ter chegado o momento de sair. Como chegará o seu dia no final do Governo Tuga. Sai deixando alguns que não me entendiam direito. Como em todo lugar, lá tem gente que quer trabalhar e outros que não querem". Produzimos nossos comentários bem pessoais, só nossos, um para o outro, cada um entendendo e querendo se ajudar mutuamente. Falou também sobre o peso da idade e o momento de sair do Núcleo de Pesquisa e Documentação da USC – Universidade do Sagrado Coração, criado por ele e que leva seu nome. Construiu aquilo tudo e diante da nova realidade da universidade preferiu observar tudo à distância, de sua casa. Parte de seu rico acervo está lá e a restante ao seu lado, sendo a grande motivação para continuar produzindo e contando a história dessa cidade.
Antes da despedida, quando se aproxima das 18h, ainda fez questão de mostrar um por um, os livros que já publicou e os textos seus publicados em revistas, jornais e outros periódicos. São muitos, como são muitas as citações feitas a ele, como fonte bibliografica nos mais diferentes tipos de trabalhos de pesquisa. É uma referência. No portão, após o compromisso de voltar no dia seguinte, no mesmo horário, ele promete continuar procurando a tal cópia da Ata. Como combinado, ligo antes de ir e aviso estar comigo o chefe do Museu Ferroviário, Válter Tomaz Ferreira. Uma única exigência: "Venha no horário, pois assim teremos mais tempo para conversar". E assim foi feito. Chego com o Válter e ele logo fica sabendo ter sido amigo do seu avô, o seu Tomáz, também conhecido como Capitão Índio, de quem tinha um antigo cartão. Fala também da amizade com meu tio, seu André Perazzi, um antigo alfaiate e por muito tempo, porteiro do BAC. Isso tudo serve para quebrar o gelo, deixando o Válter mais à vontade, pois era sua primeira visita ali. Ambos foram se conquistando a cada detalhe. Novamente, seu Gabriel se mostra de uma simplicidade muito grande e reabre seu baú de recordações, num papo estendido por mais de duas horas. Fomos ficando, ouvindo, vendo e aprendendo muito. Quando ficou sabendo que nós dois havíamos estudado na antiga "escolinha" da RFFSA, no final dos anos 70, sob a direção de Ricieri Trevisan, quis contar uma historinha: "O Ricieri não gostava do termo escolinha. Liguei para lá e ouvi ele todo pomposo: 'Alô, aqui é do Centro de Formação Profissional Aurélio Ibiapina'. Respondi: 'Desculpe, acho que liguei errado, pois pensei que fosse da escolinha da Rede'. Por fim, terminamos rindo". Tudo para ele tem uma certa ligação com nossa história e seus personagens. E ouví-lo é um aprendizado.

Continuamos a fazê-lo. Diz que hoje são três os historiadores da cidade: "Pitta (Osvaldo Pitta), Luciano (Luciano Dias Pires) e eu". "E os novos", pergunto a ele. "Calma, tem muita gente caminhando, nós estamos lá na frente". E quem somos nós para discordar. Conversamos sobre tudo, inclusive o comércio vizinho à sua casa (projetada por ele nos anos 40), um grande depósito de papel, propriedade de Antonio Ermínio de Moraes: "Eles hoje plantam os eucaliptos lá pros lados de Três Lagoas e acho que não saem mais daqui. O negócio deles só cresce". Não gosta de professores pedantes, daqueles que alardeiam saber tudo e diante de alguns nomes nos diz: "Muitos são professores de café e nós falamos de pitanga". Isso pode parecer pedantismo de sua parte, mas para quem o conhece sabe não se tratar disso. Ele se dedicou muito para atingir o estágio atual: "Existem muitas coisas que eu e o Pitta vamos corrigindo no que vamos lendo por aí. Lemos muita coisa errada e quando pegamos uns deslizes, provamos que foi tudo diferente. Conhecemos a história daqui, só isso".
Parece um tanto descontente por não ter encontrado a tal Ata: "Não vou nem dormir, mas irei encontrá-la, pois agora já estou até achando que foi mesmo em 1909". Do outro lado, uma prateleira com fitas cassetes e numa delas, outra raridade, o falecido desenhista Alcione Torres cantando sambas, boleros e até música italiana. Nem foi preciso pedir para ouvir, pois ele também queria matar saudades da voz do amigo. Enquanto ouvíamos, foi mostrando o conteúdo de gavetas, armários e prateleiras. Raridades e mais raridades. Da conversa, o compromisso de sua contribuição para algumas futuras exposições do museu, desde que o ajudássemos a transferir para CD suas fitas cassetes. Saimos de lá, ambos querendo ficar mais e selando promessas mútuas de novos encontros. A deixa foi ele mesmo quem nos deu: "Voltem quando as três moças estiverem por aqui e venham também para me ajudar no fichamento da história da cidade, pois já não consigo fazer sózinho". Já na rua fui ler a dedicatória: "Ao caro amigo e conterrâneo HPA, aqui vai um pouco da história de Bauru. Com o abraço do amigo GRP. Bauru 20/01/2008".

PS.: Fomos consultar uma antiga coleção de jornais "O Bauru", de 1908 e lá estava a confirmação de que a visita havia, de fato, ocorrido naquele ano, solucionando o impasse.
Henrique Perazzi de Aquino, escrito em 22 de janeiro de 2008.

3 comentários:

Anônimo disse...

caro,
a foto que está na mão do pelegrina saiu no malho, em 1906
abs
beto maringoni

Unknown disse...

Ok, eu me chamo André Perazzi

Anônimo disse...

Ola!! Tudo bem?? Olhem fogo eu farto-me de tentar prokurar coisas sobre a aldeia onde vivo max parece ke nunka encontro nada do ke kero e prokuro max de qualker forma deixo aki o meu mail para ke todos voces nao se eskecam de me adicionar no messenger. Bjinhos para todos!! O meu mail e gatinha_fofa223@hotmail.com