sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

MEMÓRIA ORAL (155)


O PRIVILÉGIO DE PODER MOSTRAR O OUTRO LADO DE AGUDOS

Motivos para visitar Agudos existem muitos. Fui nesta semana até a vizinha cidade por alguns deles e os conto aqui. No primeiro, talvez o mais sério, motivado por uma Intimação Judicial feita por três membros da família Octaviani, solicitada pelo atual prefeito Everton (sobrinho dos demais), o presidente da Câmara dos vereadores Auro (tio do prefeito e irmão do ex-prefeito) e o ex-prefeito e hoje quase candidato a deputado estadual Carlos (tio do prefeito e irmão do presidente da Câmara). A audiência de conciliação ocorreu ontem, quinta, 20/02 no Fórum de Agudos, motivado pelo fato de ter citado em um dos meus textos pelo blog Mafuá do HPA e pelas redes sociais algo assim: “Falemos também do que ocorre nos bastidores da Prefeitura de Agudos, reduto do império octavianista. (...) Crueldade a olhos vistos”. Acusado de Danos Morais estou tendo que justificar a questão “imperial” e das “crueldades”.

Lá compareço, eu, meus dois bons amigos advogados, José Hermann e Gilberto Truijo, acompanhado de dois também bons amigos, que quiseram me acompanhar nesse primeiro imbróglio, Duílio Duka e Marcos Resende. Em poucas palavras informo que, lá compareceram os três acusadores, acompanhados de três advogados do escritório MB Misquiati & Bahia. Para solucionar e encerrar o assunto, a proposta de minha parte foi a de oferecer espaço dos mesmos meios aonde escrevi, um natural Direito de Resposta. Ali poderiam se defender e é claro, dentro do espírito democrático que a todos nos une, teriam réplicas e tréplicas, comprovando o que sempre prescrevo, ninguém é absoluto dono da verdade, mesmo que assim o queira impor. Mas, os acusadores queriam mais, e a singela sugestão deles era a de que eu fizesse uma Retratação. Entendi isso como pegar uma folha de papel e lá escrever que sou mesmo um retardado, que nenhuma crueldade existe em Agudos, por parte de quem administrou ou administra a cidade, concluindo também, por entender como algo mais do que natural, membros da mesma família estarem no poder há 16 anos e que, provavelmente dentre dois deles (um deles estará inelegível no próximo pleito) sairá o nome do sucessor do atual mandatário.

Disse que o faria, mas ao meu modo e jeito, o que não foi aceito. Para eles, o que eu fizesse teria que passar pelo crivo aprobatório dos três e dos seus advogados. Entendo que isso tornaria a contenda um ato interminável de queda de braço, com esse HPA escrevendo algo e não sendo aceito como retratação. O conciliador (não foi o juiz a nos atender e sim, um conciliador), diante do impasse, descreveu não haver acordo e deu continuidade ao que na esfera judicial recebe o nome de início da instrução processual. Diante disso, um dos meus advogados disse-me algo, considerado por mim como o que de melhor poderia ouvir naquele momento tenso: “Estaremos daqui para frente diante de um momento histórico. Tudo poderia ter sido encerrado aqui, sem traumas para todos os lados. Preferiram ver expostas as tais das ‘crueldades’ citadas por ti. Você será pioneiro em mostrar publicamente e expor isso, um outro lado da cidade de Agudos, um comentado por muitos, citado em muitas matérias na imprensa regional (nunca na local), porém ainda não difundido. Esse apanhado geral mostrará em detalhes a existência de algo desconhecido ou que a maioria finge desconhecer. Agudos ganhará com essa exposição”. Entendi nessa manifestação uma espécie de missão jornalística, a de fazer valer os preceitos da liberdade de expressão, não denunciando de forma grosseira, mas comprovando de forma prática e inconfundível o que expus em duas linhas. Não me furtarei de fazer isso, pois esse foi o caminho escolhido por eles, quiseram que assim procedesse e assim o será.

Agudos não é, e nunca será eternamente governada somente por membros da família Octaviani, disso tenho a certeza. Isso ainda pode perdurar por algumas décadas (toc toc toc), talvez anos, mas chegará o dia em que alguém sem qualquer tipo de ligação com eles assumirá novamente o poder. A tal democracia vivida por nós clama por algo assim, é do seu preceito básico a alternância do poder, não só de nomes de uma só família no poder, mas também de outras cabeças e grupos políticos, outra orientação, posturas diferentes, etc. A oxigenação política pregada pelo tal do “estado democrático de direito” prescreve isso como condição sine qua non de sua existência. Para iniciar o que denominei no título deste, como “privilégio” em poder mostrar esse outro lado agudense, saímos dali e os cinco escudeiros fomos todos até um dos redutos oposicionistas e de resistência na cidade, o Alternativa Salão, do militante do PSB, o cabeleleiro Enoque Antonio de Morais, reunindo em seu pequeno espaço uma verdadeira trincheira de representações judiciais contra a ação justamente da cidade de Agudos desde que comandada por um dos três membros da família Octaviani.

Foi-nos entregue um calhamaço de documentos, representações variadas de verdadeiras “crueldades” cometidas contra o município, matérias publicadas em vários órgãos de imprensa demonstrando que a normalidade apregoada não é assim tão normal, propagandas feitas de forma excessiva, etc e tal. “A defesa começa a ser construída baseada nesses fatos concretos. De elementos como esses sairão o irrefutável embasamento comprovando que o que disse não tem nada de ofensivo, muito menos provocativo e sim, somente de uma crítica concreta e justa a algo que precisa e merece ser verificada e investigada”, foi algo que ouvi dentre os presentes. Enoque não se cansa de mostrar documentos protocolados junto aos órgãos competentes da Justiça local, cobrando desses, ação imediata de possíveis irregularidades constatadas por ele. “Acabo de voltar da promotoria. Agendei para a próxima quinta o protocolo de mais cinco documentos nesse sentido. Eu faço a minha parte e não deixo passar sem uma cobrança em cima do que acho irregular e injusto. Tenho tudo o que fiz e o que farei bem organizado, tudo protocolado. Minha ação é assim, concreta. Não fico falando sobre o que vou fazer, vou lá e faço. O resultado é pouco divulgado e conto contigo para melhorarmos isso”, me conta. Leiam isso dele: http://mafuadohpa.blogspot.com.br/search?q=enoque.

Enoque não é único no que faz, existem outros bravos resistentes, nadando contra a maré. Cito o nome de dois, João Lucio Balduzzi Pereira e Ronaldo Cesar Barbosa de Matos, insistentes e corajosos no que fazem, de forma crítica, apontando os erros e as mazelas de algo ocorrendo na cidade pouco entendido ou pouco explorado. Junto a ele a ação de um bravo bauruense, Elias Brandão, que anos atrás conseguiu por sua iniciativa fazer valer que o cargo criado por Carlos Octavianni, o de gerente da Cidade, estava acima do de prefeito e a Justiça acertadamente o extinguiu. Dias atrás estavam eles todos reunidos e informando a população dos reais motivos dos atrasos na entrega das casas, quando da desapropriação do conjunto habitacional Minha Casa Minha Vida. Ali algo de muito cruel estava em curso e foi desconstruído pela ação desses bravos questionadores da real situação do que de fato acontece na cidade. O salão do Enoque é uma espécie de para raios de tudo isso. Muita coisa é ali levada, instigando-o na continuação ode sua desmedida luta, a de mostrar que tudo não é assim tão belo no momento atual vivido. Num espaço circundado por pôsteres demonstrando onde busca luz e inspiração, fotos de Che Guevara, John Lennon, Raul Seixas e Jimy Hendrix, são suas fontes de energia, inesgotável diria. “Não o conhecia e saio daqui encantado. Toda cidade precisa de pelo menos uns três ou quatro Enoques. Ele é o perfeito cidadão, faz mais do que toda a Câmara de Vereadores juntos no papel de fiscalizar o Executivo”, me diz Duílio Duka.

Como apregoado no início desse texto, nem tudo são lamúrias em Agudos. “A cidade está bonita, fruto de uma arrecadação invejável e conhecida por todos. Do lado visual, elogios, mas precisamos confrontar isso com o outro lado, o citado pelo Henrique”, me diz Truijo. Antes da partida de volta para Bauru sugiro a todos e, prontamente aceito, visitarmos a Dra. Jaqueline Josephs Naranjo, a médica cubana designada pelo Mais Médicos para atuar na cidade. Enoque nos diz que seu expediente é até às 13h no Posto Saúde local, e que está hospedada no hotel na praça central. Lá nos informam que ela mudou para um novo conjunto habitacional, num prédio nas imediações do Hospital. A localizamos por volta das 17h, ela estava em seu apartamento, prontamente desceu ao saber da visita de bauruenses e ficamos todos envolvidos por sua agradável conversa. Uma pessoa muito simpática e um desmedido amor por sua pátria, afinidade de pensamentos e ideias, com o que o governo de seu país está fazendo. Em nenhum momento conseguimos nenhum de nós, chamá-la de “doutora” e nem por isso a desrespeitamos. Pelo contrário, ela nos deu belas lições de cidadania humanitária.

“Amo minha pátria, sei de suas dificuldades. Essa minha segunda atividade fora do país. Já atuei na Venezuela por alguns anos. Essa questão do salário é algo de mínima importância. Cuba é um país pobre e para poder continuar executando com brilhantismo essa ação humanitária mundo afora, necessita da ajuda do seu povo. Parte do meu salário é usada nisso, na manutenção desse sistema educacional, o de saúde, o transporte gratuito com a compra dos maquinários e recursos necessários para a continuidade do atendimento à população cubana. Lá os meus, meu filho que tanto adoro e que voltarei a vê-lo só nas minhas férias, possuem todo o básico sem qualquer custo. Para manter isso, esse meu trabalho no exterior é necessário e fazemos isso com orgulho e sem maiores problemas”, me conta. Marcos Paulo, militante comunista, reflete conosco sobre as desistências ao programa: “Justificável que muitos cubanos que não vivenciaram o que foi o período anterior à Revolução Cubana, nasceram depois e já dentro do governo de Fidel compreendam pouco o que foi um passado de privação. Mesmo com toda educação, a contrainformação é muito grande e cada ser humano reage de um jeito. Na medida em que alguns cubanos tomam conhecimento do que de fato ocorre fora da ilha e levam essa informação para os que estão vivendo no país, na confrontação, estarão cientes de que o que vivem, mesmo com as tais privações é muito melhor em relação à grande maioria dos do lado de fora”.

Ouvimos atentamente o relato de Jaqueline, e de sua tristeza inicial, por saber ter que trabalhar isolada, somente ela representando o Mais Médicos na cidade. Isso tudo foi sendo amortizado com o passar dos dias, o apoio dos funcionários, seus colegas de trabalho, superiores na Secretaria Municipal de Saúde e, principalmente, no que fez questão de reafirmar várias vezes, na resposta dos pacientes e da população. “Hoje não tenho mais dificuldade em entender o que me dizem. Entendo tudo, talvez um pouco de dificuldade ainda persista na minha forma de expressão. Em pouco tempo, tudo estará resolvido. Até minha solidão inicial está se dissipando. Hoje sou convidada por pessoas variadas para ir a suas casas, festas e almoços. Os pacientes tem sido ótimos, procuro ouvi-los muito, entender o que de fato precisam e essa troca tem sido agradável, acredito, para ambos os lados. Moro sozinha desde que sai do hotel, tenho computador, mas não tenho internet. Leio muito e sei que estou sendo útil. E quero muito conhecer essa professora de música cubana que mora em Bauru”, nos diz.

Na despedida a troca de telefones e alguns prováveis convites, alguns para o Carnaval, que infelizmente não ocorrerá de nenhuma forma em Agudos; outros, talvez, para um contato com Rosa Tolon, a professora cubana de piano, residente em Bauru e um algo mais, a sua vinda no próximo domingo para a última festa antes do Carnaval do bloco “Bauru sem Tomate é MiXto”, quando poderá ter contato com algo em torno da maior festa popular brasileira. Saímos todos de lá, cientes que algo estará se iniciando a partir do que foi decidido no Fórum local, e alegres por ter a certeza de que na imensa maioria dos médicos envolvidos no Mais Médicos, pode ser exatamente como o vislumbrado na doutora Jaqueline: pessoas cordiais, corretas, dignas, cientes do que fazem e do posicionamento que precisam ter nesse momento, diante de tudo o que estão encontrando pela frente. Nos três momentos: o do Fórum, com a ratificação da riqueza em poder demonstrar a existência de outra Agudos; a do reencontro com o resistente Enoque e pela oportunidade de poder conhecer a médica Jaqueline. Tudo isso junto e misturado, nos dão a entender que nem tudo está perdido nesse rincão varonil. Vivenciamos esse outro lado do Brasil, um que caminha pelas suas vicinais e atalhos e disso faz sua trajetória.

4 comentários:

Anônimo disse...

Henrique

Deixa eu te contar uma coisa.
Em primeiro lugar torço demais por você.
Conheço um pouco de Agudos, tenho parentes bem próximos morando lá.
Você está no caminho certo e se está sendo processado por ter chamado eles de maldosos, nada melhor do que reunir tudo o que já saiu na imprensa, os processos todos, esses documentos que o sr Enoque protocola lá com a promotoria da cidade e será isso, o grande baú de maldades finalmente exposto para conhecimento geral de toda a cidade.
Aproveite bem essa oportunidade e faça um calhamaço grosso, com o máximo de coisas que juntar. Não terão como não dizer que o ali reunido não seja maldades.
Tenho certeza que uma coisa vai te acontecer daqui para frente. Preste bem atenção nisso. Muita gente vai se aproximar de você, de uma forma ou de outra e te passará informações preciosas, material e documentos importantes. Tem muita gente lá e mesmo em Bauru esperando essa oportunidade para divulgar e expor coisas guardadas.
Se for levar todas as maldades esse será um dos mais grossos processos da história de Agudos.
Rara oportunidade mesmo.
Parabéns pela coragem em não desistir e se deixar vergar.
Paulo Lima

Anônimo disse...

prezado amigo.
Parabéns pela atitude. GOSTARIA DE SABER QUAL A decisão judicial que foi prolatada.
OS prolegômenos são inerentes. Houve decisão? qual foi?
Esperando que tenha sido favorável ao restabelecimento da liberdade de opinião e da punição dos maus administradores.
A luta contuna, companheiro
Abraçitos cariocas
Paulo Humberto Loureiro - Rio RJ

Anônimo disse...

Parabéns Henrique pela tua coragem, por fazer valer essas lindas palavras “DEMOCRACIA E LIBERDADE DE EXPRESSÃO ” que te confesso, não acabo de entender como são compreendidas aqui: falas o que pensas e podes ser processado, dizes o que pensas e muitas vezes terminas excluído. Será que elas existem mesmo aqui?......
Sobre a médica cubana, será um prazer conhecê-la.
ROSA.

Anônimo disse...

Henrique
Concentre-se no que tem que fazer e não haverá como julgar não sendo maldades o que temos visto por aí sendo feito.
André Ramos