A TÁTICA DE GUERRA - CONVERSA COM O UBERISTA Entro no uber aqui defronte o apê onde me escondo e o cara no volante já começa a ladainha se dizendo fiel escudeiro do capiroto. Procuro me acalmar, conto até dez e entro na dele:
- Isso mesmo, esse é o cara. Eu também estou com ele. Tenho uma empresa e não aguentava mais pagar direito trabalhista pra funcionário, agora endureci de vez, ele me dá respaldo. Só contrato cara pra trabalhar se não quiser ter carteira assinada. Se não topar, boto logo pra correr, pois a fila está longa lá diante da empresa. Cambada de vagabundos, só querem direitos e trabalhar que é bom, cada vez menos. E ainda querem férias e que lhes paguem hora-extras.
Percebo o cara meio que amarelando, mas não arredo pé e se ele começou, pois que agora me aguente.
- Essa vadiagem vai acabar quando ele chegar ao Governo. Eu estou adorando esse negócio de uber, pois isso de inventar um negócio onde não existe mais o registro em carteira e quem trabalha não tem como fazer reclamação trabalhista é a modernidade chegando. Já era tempo. Falavam que o uber pagava pouco pelas corridas. Paga nada, pois te dá emprego, sinta-se feliz, tem trabalho, reclamar é coisa de vagabundo. Acabou o tempo da reclamação. Hoje reclamou a gente troca o cara e ele que fique lambendo sabão, vá reclamar pro bispo.
- Mas o Bolsonaro aprova isso assim dessa forma?
- Meu caro, os tempos mudaram. Agora é assim. Antes o empregado só tinha direitos, era um tal de exigir demais e a gente pagando tudo quanto é tipo de imposto. Acabou, hoje o trabalhador precisa é dar graças a deus da gente ainda se dar ao luxo de dar um empreguinho onde ele consiga comer e continuar rodando com seu carrinho. Se acha, antes os caras conseguiam um emprego e ainda queriam ter estabilidade. Tinham os sindicatos a defender os caras. Isso hoje não vale mais nada, pois se alguém reclamar eu levanto a arma e dou uns tiros pra cima. É assim que deve ser, se o cara der uma de valente boto a polícia pra cima dele e ainda leva uns tapas pra aprender a permanecer calado. E se não votar no meu candidato, rua na hora.
- Mas ele não vai deixar a gente na rua da amargura, vai?
- A rua da amargura é se você ameaçar reclamar. O trabalhador precisa aprender o seu lugar. Meu amigo, você viu onde me pegou, moro ali naquele predião, pode vir o Governo que vier, pouca coisa vai mudar pra mim, mas a gente estava de saco cheio de ficar dando uma de bonzinho. Quem é bonzinho agora dança, os tempos são pros valentes. Imagina que um danado hoje ainda queira reclamar de ousar receber 13º salário. Férias, pra que férias, se o que vale mesmo é o cara ter emprego e com ele se dar por feliz de receber algo no final do mês? O que não podia mais e a gente não aguentava eram esses merdas ainda reivindicar aumento salarial. Abriu a boca para reivindicar boto no olho da rua na hora e tenho respaldo para isso, o presidente vai estar do meu lado.
- Mas então, a coisa vai ser assim?
- Vai não, já é desde que derrubamos aquela tal de Dilma e vai melhorar, mas para nós, os que mandamos nesse país, os que damos emprego, os que levamos esse país para a frente e nas costas. O país está ficando do jeito que gente como eu sempre sonhou. De agora em diante, com um presidente pensando igual a gente, cada um vai ter que saber muito bem o seu lugar. Se o cara abrir a boca, sua ficha vai ficar suja e ele não vai mais arrumar nada em lugar nenhum. Para esse país crescer de fato, o melhor mesmo é botar esse povo pra trabalhar. Se não acha certo? Vejo vocês no uber, o que iriam fazer em suas casas se estão precisando de grana. Tem que trabalhar, mais e mais, oito horas por dia é pouco, tem que se dedicar e no mínimo correrem por aí umas doze, até mais, pois é disso que o país precisa. Carteira assinada já era, coisa ultrapassada.
Cheguei ao meu destino e percebo que o cara já me queria o quanto antes fora do seu carro. Antes de fazê-lo, aproveito e dou mais uma estocada:
- Meu caro, eu sou empresário, concordo com tudo o que esse seu candidato está pregando de benfeitorias pro país. Que negócio é esse de empregado ter plano saúde, ele que se vire, mulher quer moleza com isso de auxílio quando filho nasce. Tem que ganhar menos mesmo. O empresário não pode ficar mais bancando essa moleza, essa vida mansa. Finalmente teremos um governante olhando para as reais necessidades desse país. O senhor está muito certo em votar nesse cidadão, pois soube enxergar o quanto o país estava desgovernado. Bato palmas para sua escolha, muito sensata. Precisamos endurecer as relações, ser mais família, ser intransigente com essa corja querendo ainda ganhar moradia de graça, remédio no posto de graça, ter seus filhos estudando sem pagar em universidade. Um absurdo quem defende isso. Fico feliz em ver que o senhor não entrou nessa e está do lado dos que querem um novo país. Saiba, a gente, eu e o senhor vencemos, pois pensamos igual e defendemos as mesmas coisas, o progresso. Bala neles e nem me fale em Haddad, hem! Agora é com a gente.
E desci do carro deixando o tal motorista com os olhos esbugalhados, carro ali parado no meio fio e meio perdido, estatelado e sem ação. Sei lá se agi corretamente, se essa tática de guerra, "teatro do absurdo do Boal" vai funcionar, mas sem dar um choque nesses todos, eles vão continuar endeusando o cara que vai ferrar de vez com a vida deles e quando se derem conta será tarde demais. Daqui pra frente faço isso com tudo e todos que vierem pra cima de mim com elogios pro capiroto. Perdi a paciência, tolerância zero. Nem remorso senti.
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