quinta-feira, 14 de fevereiro de 2019

AMIGOS DO PEITO (155)


HISTÓRIAS QUE COMOVEM - AMIGOS QUE SABEM VOAR SEM TER ASAS
Calil, Loriza e este HPA.
 

O que me move nos tempos nada auspiciosos de hoje são as histórias reverberadas por algo que escrevo e tento transmitir por essas plagas. Quando o toque é dado e do outro lado desponta uma alvissareira resposta, um sinal mais do que claro de que tudo deve continuar, pois ainda conseguimos inebriar e envolver pessoas. Ando escrevinhando histórias de minha viagem, algo pensando desde muito tempo e colocado em prática neste momento, junto da companheira de todas as horas Ana Bia Andrade. Dias atrás escrevinhei sobre as pessoas diante dos museus europeus e a forma alternativa para tocarem suas vidas. De um dileto amigo, o fotógrafo dos sonhos Calil Neto, um ser que soube aproveitar tudo o que a vida lhe deu, saiu por este mundo sem lenço nem documento e vez ou outra abre algo do seu passado em relatos cheios de vida, como esse me passado anteontem:

"Eu vivi na porta do Louvre por 4 meses em 1982. Ali os trabalhadores eram todos clandestinos: mochileiros músicos (a maioria norte americanos e europeus, mas às vezes também um conjunto boliviano...) tocavam por alguns trocados; sul americanos vendiam artesanatos tropicais (argentinos e chilenos eram na maioria exilados, o Brasil já havia anunciado a anistia), africanos vendiam artesanatos típicos da África. E os vendedores de bebidas e saquinhos de salgadinhos eram ex-presidiários franceses na maioria. Trabalhávamos com bolsas grandes que se abriam mostrando os artesanatos e assim ficava mais fácil de fechar e fingir estar só passeando quando a polícia aparecia. Havia um tipo de assobio que quem primeiro via a polícia chegando emitia o assobio e quase sempre antes da polícia chegar perto já sabíamos.

De vez em quando vinham à paisana e normalmente iam primeiro em cima do negros africanos. Uma vez vi um policial pegar o artesanato de um Senegalês e oferecer para ingleses branquelos que desciam de um ônibus. As crianças e jovens pegavam os produtos e os adultos riam do cara. Não sei agora, quando estive lá não havia ainda a pirâmide, mas essa era a rotina da porta de um dos maiores museus do mundo... Grato Henrique, quando você voltar e já estiver readaptado ao nosso mundo sem limites podemos marcar um encontro. Eu marquei saída da viagem para 31/03 ou 06/04, quero sair em um domingo. Abraços!".

Eu tenho amigos merecedores de um livro, pois suas histórias são mais que contagiantes. A do Calil é dessas. Gostaria de ter tempo de sentar com ele antes dele bater asas e cair no mundo como sempre fez na vida, sem lenço e sem documento. Tomara tenhamos tempo, senão serei obrigado a ir ao seu encontro pelas estradas da vida, seguindo seus rastros, tudo para tentar perpetuar um bocadinho de sua vivência e sapiência.


Queria ter tempo, disposição, sabedoria e dinheiro suficiente para viver só escrevinhando desses que tem algo para contar.

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