É o que me resta. Passo a maior parte do dia na varanda do apartamento onde moro. Quando não ali, vez ou outra adentro o espaço da casa, envolvido com afazeres domésticos, logo volto e fico a olhar a paisagem. Por sorte, bem aqui em frente uma praça redonda, a mais bonita e bem cuidada da cidade. Nela me quedo a constatar, quem mais hoje desfruta da liberdade são os pássaros. Ele vão e voltam numa desenvoltura de fazer gosto. Dançam ao ar livre, como nunca tinha tido até então oportunidade de observar. Sempre correndo, hoje percebo como são lindos, sempre em bandos, poucos isolados. Produzem um barulhinho bom, como diria Marisa Monte numa famosa música, dessas a me embalar em dias como os atualmente vividos. A varando é hoje meu lugar preferido na casa, pois nela vejo a imensidão da cidade à minha frente, uma que não posso desfrutar.
Aqui da varanda, de onde, quando me bate uma ideia entro correndo, anoto para depois escrever e depois volto para observar o mundão aí fora e eu aqui dentro, trancado e sem poder sair. Poder até posso, mas sei não devo e tem também outros impedimentos. Ana, a companheira de todas as horas é uma espécie de guardiã deste velho macanudo. Ele vigia meus passos, sabe por antemão ser arteiro e daí toma todas as precauções. Um olho no peixe, outro no gato. Escapulir eu até quero, sonho, cada um mais mirabolante que o outro, mas cheguei na conclusão de que de nada adiantaria eu sair pela aí, pois encontraria todas as portas praticamente fechadas, nenhum amigo na rua e todos os lugares conhecidos praticamente às moscas. Fico.
Volto pra varanda e lá ouço também o latido de muitos cães. Vejo muitos donos passeando com seus animais, todos separados e quando se cruzam, dando voltas, algo muito gozado de observar aqui de cima. Estamos todos evitando uns aos outros. Aqui no prédio as pessoas sumiram. Não sei se estão todas aboletadas dentro de seus recintos, pois todos aqueles que antes saracoteavam pelo saguão e portaria, hoje desapareceram. Um deles persiste, mais de 80 anos, seu Plínio não sai mais pra rua, desce com o pequeno cachorrinho e fica dentro da área de lazer do prédio, com sua máscara no rosto. Sua carinha é de dar pena, cabeça baixa, bem de saúde, porém triste. "Eu estou mal", me disse mantendo a distância. Queria puxar conversa, pois sei ser ele muito conversador, mas não o fiz, senti teria certa reistência. Preferi ficar nos cumprimentos à distância. No mais, vejo quase ninguém aqui. Os que vejo se esquivam. Isso aqui está parecendo um sepulcro.
Antes fazia ginástica diriamente na academia do prédio. Hoje não mais. Colocaram lá uma placa proibitiva, tudo lacrado temporariamente, assim como a área da piscina. Nem sentar num daqueles bancos e ficar tomando sol posso mais. Nem se estiver sózinho. Tomar sol por esses dias deve ser muito bom. Ele ainda está batendo forte lá fora, sinto o calor reverberar aqui dentro, suo, abro as janelas, deixo o vento entrar, mas fico só nesses pequenos lampejos. Além da varanda, o que me resta é ler, ouvir música, conversar com amigos pelo telefone e cumprir as tarefas domésticas a mim determinadas. Todo o serviço doméstico é de minha responsabilidade. Já não tínhamos ninguém fixo na nossa rotina doméstica e agora, nem diaristas, tudo recaindo nos meus ombros. Faço sem pestanejar e praquejar, pois de nada adiantaria ser rabugento. Entre quatro paredes, eu e Ana, de que adiantaria eu ficar emburrado com ela, tendo que permanecer por mais não sei quanto tempo aqui confinado. Foi um acordo de cavalheiros, onde a pior parte coube a mim executar.
Além da rotina doméstica ela me introduziu em algo que, confesso, tinha pouca habilidade, a cozinha. Já fiz pães, tortas, assados, coxinha de frango e hoje um delicioso bolo de chocolate, o primeiro em toda minha vida. E olha que estou para completar 60 anos em junho. Tínhamos planejado uma festa, data redonda, mas já adiamos e tudo hoje se resume em, escapulir primeiro da pandemia, depois replanejar a vida diante de tudo o que estará sendo também reconstruido. Na manchete da minha revista semanal, "O mundo não será mais o mesmo". Pois é, disso todos já estão tendo uma vaga noção. Isso tudo está vindo para alterar de uma forma imensa a vida de todos. Tento imaginar tudo voltando ao normal, mas penso que esse modelo onde hoje estamos ancorados já deu mais do que sinais de falência. Ou a gente aproveita e dá uma guinada em tudo ou, bobeando, a perversidade talvez venha até pior. Não temos ceretza de nada, eu aqui do meu canto, a única certeza do momento é essa janela aberta e os sons ocorrendo em menor incidência que antes. Ouço também o ronco dos motores das motos, são os entregadores, esses cortando a cidade com aquele peso nos costados.
Não é fácil permanecer trancado, para quem como eu sempre rueiro assumido e convicto. Meus planos e atividades sempre tiveram a rua como epicentro. Até meu ganha pão, minhas parcas rendas advém de contatos pela rua, clientes de cidade em cidade, onde ia e voltava, batia papo, vendia, fazia amigos, conversava com pessoas diferentes a cada dia e assim vivia feliz, com um pé dentro de casa e outro na rua. Tento ligar para alguns clientes, mas falta aquele calor humano inerente a todo caixeiro viajante. Eu não vivo sem ele, mas hoje sou obrigado a suportar a reclusão, aquietar o facho e esperar. Eu estou cansado de esperar, lutei a vida inteira contra os desmandos dos poderosos, sempre a favor dos desvalidos e hoje, diante desse momento inédito desde que me conheço por gente, por uma infelicidade do destino, temos a nos governar os mais ineptos, despreparados e irresponsáveis que conheci na vida. Se já é difícil viver confinado, mesmo podendo, permanecer aqui dentro, sem poder fazer quase nada para modificar o que está em curso, sei que as doenças internas devem se intensificar. Angústia, acabrunhamento, desilusão, o tal do "estou mal", que o seu Plínio desabafou comigo dias atrás.
A companhia de Ana é um alento, pois sei ela cuida de mim de um jeito que, diante do que rola aí fora, não sei como faria para me safar sem essa presença. Eu a tenho e ela a mim, assim tocamos o barco adiante, cientes de sermos privilegiados, pois não paderecemos além disso aqui relatado. Estamos economizando, mas não passaremos dificuldades e a imensa maioria do povo brasileiro está num verdadeiro mato sem cachorro. Isso dói. Estou aqui preso, 60 anos batendo na porta, cheio de reservas e regras a serem seguidas, querendo virar o mundo do avesso, louco de vontade para fazer um monte de coisas, mas na verdade fazendo tão pouco. Quando muito escrevendo por aqui, publicando, discutindo e sem estar nas ruas. Sou uma fera ferida, acuada, na espreita, vendo essas aves indo e vindo aqui na praça, arruaça barulhenta diante dos meus olhos. Olho para esse cenário, lindo por sinal, mas cada dia fico mais resignado, a tal da insignificância de não poder estar empreendendo a luta coletiva. Eu não vejo a hora de voar novamente, pois temos muito o que fazer. Esse país não pode continuar nas maõs dos salafras que dele se apoderaram. Eu aqui, grão minúsculo dentro dessa estrutura, reflito muito e tomara um dia possa voltar a ser o que já fui um dia (se é que fui). Eu grito aqui da minha varanda, grito toda noite, bato panelas, mas quero mais. Será que alguém me ouve?
OBS.: Escrevi e vou corrigindo, acrescentando dados, parágrafos, frases nas releituras, portanto, o escrito é mutante.
O DE SEMPRE
01) COMO ANDARÁ O SERVIÇO DOS COVEIROS EM BAURU?
https://www.dw.com/…/n%C3%A3o-%C3%A9-normal-dize…/a-53057182
Ao tomar conhecimento de matérias como essa da situação paulistana, fico a pensar se a coisa já não começou e está também mais do que agitada aqui nas hostes bauruenses. Bem que a imprensa local, tanto a TV Tem, como o Jornal da Cidade poderiam fazer algo e nos informar de como anda a situação pelos vários cemitérios e o único crematório da cidade. Creio que, não é para assustar, mas para alguns só com notícias bem reais, bem de como de fato estão se dando as coisas é que algum cuidado poderá ser tomado. Fica a dica, pois em nos grandes centros a situação já passou de desesperadora e mesmo assim, os insanso pedem a abertura de tudo, liberação para que a morte ocorra como nos matadouros.
Ao tomar conhecimento de matérias como essa da situação paulistana, fico a pensar se a coisa já não começou e está também mais do que agitada aqui nas hostes bauruenses. Bem que a imprensa local, tanto a TV Tem, como o Jornal da Cidade poderiam fazer algo e nos informar de como anda a situação pelos vários cemitérios e o único crematório da cidade. Creio que, não é para assustar, mas para alguns só com notícias bem reais, bem de como de fato estão se dando as coisas é que algum cuidado poderá ser tomado. Fica a dica, pois em nos grandes centros a situação já passou de desesperadora e mesmo assim, os insanso pedem a abertura de tudo, liberação para que a morte ocorra como nos matadouros.
02) ALGO QUE TAMBÉM NÃO ENTRA EM MINHA CACHOLA...
https://www.pagina12.com.ar/258208-en-europa-no-entienden-p…
Por que até agora não conseguimos aqui pelos lados dessa América Latina fazer com que, conscientizar que os ricos deveme pagar muito mais impostos e ter uma taxação sobre suas fortunas? No questionamento feito pela alemã Angela Merkel, a incredulidade quando inquerindo o presidente argentino Alberto Fernandez. Nós, os que ainda insistimos em defender os movimentos sociais, combatemos as desigualdades, estamos na luta contra as injustiças sabemos muito bem, muitos dos nossos já tendo se quedado por causa dessa defesa, sabemos mais do que ninguém como se dá a queda de braço por esse canto do planeta. No predomínio e vigência do sistema da Casa Grande & Senzala, nunca teremos ricos conscientes, muito menos abnegados e entregando parte do conquistado (na imensa maioria das vezes na mão grande) para o bem dos demais. Ou a coisa se faz coercitivamente por essas bandas ou nunca ocorrerá.
https://www.pagina12.com.ar/258208-en-europa-no-entienden-p…
Por que até agora não conseguimos aqui pelos lados dessa América Latina fazer com que, conscientizar que os ricos deveme pagar muito mais impostos e ter uma taxação sobre suas fortunas? No questionamento feito pela alemã Angela Merkel, a incredulidade quando inquerindo o presidente argentino Alberto Fernandez. Nós, os que ainda insistimos em defender os movimentos sociais, combatemos as desigualdades, estamos na luta contra as injustiças sabemos muito bem, muitos dos nossos já tendo se quedado por causa dessa defesa, sabemos mais do que ninguém como se dá a queda de braço por esse canto do planeta. No predomínio e vigência do sistema da Casa Grande & Senzala, nunca teremos ricos conscientes, muito menos abnegados e entregando parte do conquistado (na imensa maioria das vezes na mão grande) para o bem dos demais. Ou a coisa se faz coercitivamente por essas bandas ou nunca ocorrerá.
03) JORNALISTA BOB FERNANDES DEIXA BEM CLARO: O SENHOR INOMINÁVEL NÃO MANDA MAIS NADA E O INTERVENTOR SABE TUDO SOBRE A MÍLÍCIA CARIOCA E SUA RAMIFICAÇÃO, OU SEJA, TUDO DISSECADO, O NOVO PODER JÁ EM CURSO E O FUTURO DO CAPIROTO.
Eis o link: https://www.youtube.com/watch?v=v31fnU8TRbE&fbclid=IwAR1TagZWrJ7Q1wMsmEk17TEN9UOdprR3Iq57Inl-gky8BH3_RWN13MinbWY
Eis o link: https://www.youtube.com/watch?v=v31fnU8TRbE&fbclid=IwAR1TagZWrJ7Q1wMsmEk17TEN9UOdprR3Iq57Inl-gky8BH3_RWN13MinbWY
Um comentário:
COMENTÁRIOS VIA FACEBOOK:
Roberto Magalhães Muito bom, Henrique. Além do mais cozinha e arruma a casa. Que a minha consorte não leia a sua crônica. rsrsrsrs
Gilberto Truijo EU CONTINUO NO MEU LIVRO, AFAZERES E VEZ EM QUANDO PORTÃO DA RUA UM TANTO DESERTA. QUALQUER DIA A GENTE SE VE Henrique.
Juliana Guido Eu tenho saído de casa para trabalhar (um plantão por semana, minha função é essencial e não pode parar) e em alguns casos, como mercado, levar o carro ao mecânico - e, para não pirar muito, também tenho dado umas voltas de carro, sem descer do veículo e tomando todos os cuidados.
Fatima Aparecida Napolitano - Juliana Guido se cuida 😘
Chu Arroyo - eu ouço, depois de tudo e todas, por causa do corona, virei suspeito, estou de quarentena por ordem médica, faz mais de mês que não vou para Bauru, por causa da idade, dos 3, não vejo pai & mãe já faz um tempinho, suficiente para sobreviver de saudades... ah,, inclusive de você
Henrique Perazzi de Aquino - Chu Arroyo, se cuide, pois ainda temos uns poderosos para desancar pela frente. Eles não perdem por esperar, "não conhecem a nossa astúcia".
Chu Arroyo vai então um João Cabral :
Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito de um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.
E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão.
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