sexta-feira, 27 de novembro de 2020

DIÁRIO DE CUBA (206)

CANSEI DE ESCREVER DE ELEIÇÕES, QUERO FALAR DAS RUAS E DE GENTE*

*eu só ando com gente assim, de luta...

1.) SIVALDO E A CIA DE DANÇA NÃO PARAM EM FINAL DE MANDATO – AMANHÃ ELES EM ARARAS E NUM EVENTO DE GRANDE MONTA

Essa história eu tenho que contar. A gente sabe que, nesse período de fim de feira de ano e de mandato, quando o prefeito não foi reeleito, muitos se fecham em copas, apreensivos, preocupados e procurando ver como irá ficar daqui por diante a coisa pro lado onde atuam. Tem quem não ligue pra essas coisas e continue em plena atividade. A tal da Cia Estável de Dança, ano que vem comemorando dez anos de existência, capitaneada pelo diretor Sivaldo Camargo é dessas poucas com agenda ainda permanente, não só de ensaios, mas também de apresentações e isso em plena pandemia. 

Menos de um mês atrás eles abriram o FICO, festival anual de teatro, maioria das apresentações não presenciais, mas eles, ali na lida e no palco, para restrita plateia e trazendo para Bauru algo inolvidável, a SÃO PAULO CIA DE DANÇA no teatro Municipal de Bauru. Falar e escrever destes é algo que abdico, preferindo citar o link do site deles e daí, com uma breve consulta a verificação de quem são: http://www.spcd.com.br/ e https://www.facebook.com/spciadedanca.


E amanhã, sábado, 28/11 a São Paulo Cia de Dança foi convidada para algo grandioso, a reinauguração do Teatro Estadual de Araras SP (http://teatroestadualdeararas.org.br/), o único mantido pelo Governo do Estado de SP no interior. Pelas fotos do teatro dá para ver a imponência da edificação, obra de nada menos o arquiteto Oscar Niemeyer. Foram alguns anos no restauro e amanhã, final da tarde o ato público de reabertura, quando eles foram convidados para a apresentação de gala. Daí vem o envolvimento com a nossa Cia de Dança. Pois, eles também foram convidados e para fazer a abertura do evento, antes da apresentação da São Paulo Dança. Um luxo de inolvidável importância, ainda mais neste ano, com tudo o que está a acontecer com os eventos culturais. Um reconhecimento de grande monta.
O convite chegou e a Prefeitura Municipal, como não poderia deixar de ser estará disponibilizando um veículo para o translado do corpo de bailarinos de Bauru. As verbas para qualquer tipo de atividades estão suspensas neste final de ano e uma vaquinha foi feita para custear as despesas de estrada e do bailarinos com alimentação. Uma movimentação entre conhecidos e o valor é levantado em tempo record, viabilizando a viagem. Desta forma, amanhã, sábado, 8h da manhã o corpo de baile da Cia Estável de Dança estará pegando estrada, participando durante o dia de oficinas, sempre produtivas e às 18h se dará o evento, com autoridades estaduais presentes e Bauru marcando presença. Ontem, quinta, todos que viajarão fizeram exames de Covid – todos negativos -, exigência dos organizadores para a viagem e apresentação.

Escrevo este texto orgulhoso pelo belo trabalho que a Cia bauruense desenvolve, que o Sivaldo com seu jeito resolutivo segue tocando o barco, sempre adiante e os resultados são estes, amanhã mais uma apresentação do espetáculo Morte e Vida Severina, desta feita num palco de reconhecida história e para um público abrangente. Hoje, tem algo mais da apresentação no site da Prefeitura, do teatro de Araras, da São Paulo Cia de Dança e no facebook da Cia e do Sivaldo, https://www.facebook.com/sivaldo.camargo/posts/10225242484592221

Abaixo parte do release da apresentação de amanhã: “A Companhia Estável de Dança de Bauru se apresenta junto com a São Paulo Companhia de Dança na Reinauguração do Teatro Estadual de Araras, abrindo a apresentação na reinauguração do Teatro Estadual Maestro Francisco Paulo Russo, dia 28 de novembro às 18 horas, com a Coreografia “Morte e Vida de Severina” de Arilton assunção, a coreografia comemora os oito anos de criação da Companhia.


A Coreografia “Morte e Vida Severina” tem concepção composição coreográfica e coreografia de Arilton Assunção, criada especialmente para a Companhia que conta hoje com 12 bailarinos no seu elenco. A coreografia é inspirada no Poema “Morte e Vida Severina” de João Cabral de Melo Neto, publicado em 1955, a obra relata de forma a dura trajetória e o sofrimento enfrentado pelos retirantes nordestinos representado pelo personagem Severino. O trabalho coreográfico faz uma releitura, colocando-nos como Severinos na vida, utilizando os corpos como elemento para a narrativa desta história, que hoje se mostra muito atual pelo momento que estamos passando. Morte e Vida Severina tem a intenção de levar ao público uma reflexão sobre a luta pela sobrevivência e o descaso público com essas pessoas - Companhia Estável de Dança de Bauru: Diretor Artístico e Professor: Sivaldo Camargo. Elenco: Amanda Lopes / Ester Canno /Julia Soares / Julia Zanini Marcela Victória /Mariela Mira /Victória Carvalho/ Taina Fernanda / Thiago Ruela". 

2.) A CARA DA RESISTÊNCIA QUE PRECISAMOS É IGUAL A DA BAURUENSE ROSÂNGELA, LUTANDO PELO BRASIL DE VERDADE NO SUL DA BAHIA
Rosângela Sanches Stucheli é bauruense e quando moça conseguiu dar o salto que mudou sua vida. Bateu asas da cidade, se foi pra Europa, mais precisamente para a Suíça, onde se casou, reside, criou seus filhos e acompanhou seu marido em incursões mundo afora, algo pertinente ao seu trabalho. Morou uns tempos na Venezuela e de lá conta histórias de quem vivenciou tudo o que aconteceu naquele país. Hoje, com o marido aposentado, conseguiram realizar o sonho de toda suas vidas, a de dar mais atenção a um lugar que sempre frequentaram e conseguiram juntos levantar uma casa num pedaço do paraíso terrestre, Sul da Bahia e ali passam, exilados da esbórnia mundial, num cantinho só deles. Sua história a defender o que querem fazer com as terras por todo o país é a que devemos todos, povo brasileiro empreender, na defesa do que é nosso, de fato e de direito. Ela passa neste momento por algo bem com a cara deste país e num relato, conta tudo em detalhes, algo que acontece lá no sul da Bahia, mas aqui também, ou seja, a sacanagem está ocorrendo por todos os lados e se a gente não estiver unido, coeso e pronto para os enfrentamentos, a dominação será definitiva. Sua história, eu aqui conto e ao reproduzir sua foto, toda encharcada de chuva, maquiagem borrada, empunhando as armas que possui, um cartaz e um grito na garganta. Sintam o seu drama e constatem se o que ela passa lá, não é muito parecido com muita coisa que passamos aqui. Na sequência seu texto entre aspas:

"O Porto de Minérios da Bahia Mineração nasce velho e coloca o Brasil em rota de morte no século XXI. Litoral norte de Ilhéus, 25 de novembro de 2020. Soubemos ontem na imprensa, e viemos aqui hoje no Km 10 da BA 001 entre Ilhéus a Itacaré, no início do próximo verão turístico baiano, para dizer ao Governador Rui Costa e investidores da Eurasian Resources Group – que não, o Porto Sul é um mensageiro da morte em nosso litoral e na região como um todo, mas nós queremos é VIDA no Sul da Bahia. Segundo os blogs, os investidores Eduardo Ledsham, Benedikt Sobotka e Erick Gaustad, da direção brasileira e internacional da Eurasian Reosurces Group, vieram inaugurar uma pequena estrada de terra que liga a BA 001 ao Rio Almada, que passa há alguns metros para oeste do litoral. A localidade fica entre o distrito de Aritaguá e a comunidade da Juerana. Segundo a comunicação do governo, no entanto, vieram marcar o início das obras do Porto Sul, para gerar 400 empregos diretos com 2,5 bilhões de reais. O porto não existe no local, mas muitas placas anunciam as obras iniciais de algo que se anuncia velho, portador não de esperança, mas de uma espantosa destruição de um santuário na América do Sul – a Lagoa Encantada.

O governador baiano, que veio para celebrar com investidores do Cazaquistão o início das obras, curiosamente, chama-se Rui Costa. O lugar, no entanto, pertence à Costa do Cacau – ou melhor, ao Sul da Bahia, um dos litorais do planeta mais abençoados por metro quadrado em biodiversidade – e portanto com um enorme potencial da nova e tão elogiada BIOECONOMIA. Seja na academia ou nas agências multilaterais de desenvolvimento do século XXI, esta abordagem econômica associada à conservação e restauração da natureza, que aqui chama-se Mata Atlântica e pode se integrar aqui à conservação dos manguezais, os corais, as restingas praianas, meio milhão de hectares de sistemas agroflorestais que unem cacau, seringueiras, açais, pupunhas, cupuaçu, mangostão, graviolas, coqueiros e mais de uma centena de culturas alimentares tropicais – desde o aipim e mandioca a baunilha, pimenta do reino, abacaxi, mamão, abóbora, piaçava, hortaliças, inhames... Bom, uma centena de economias que valem muitas vezes mais do que o pobre escoamento de ferro para a Ásia, sem impostos e sem benefícios permanentes para o lugar.
O Sul da Bahia, mais do que um lugar, é um furacão imenso de riqueza tropical no meio do Brasil. A região tem também Jorge Amado e Adonias Filho, dois filhos ilustres que lideraram a Academia Brasileira de Letras e o gosto popular da literatura sobre o cacau e sua cultura tão singular. Personagens se misturam com a história da Bahia e do Brasil. Terras do Sem Fim, São Jorge dos Ilhéus, Chão do Cacau, Gabriela... sim, é desse lugar que estamos falando. A região é tão singular que o juiz da província Baltazar da Silva Lisboa, estudioso das matas e das leis no primeiro império, auxiliando José Bonifácio de Andrada e Silva, contribuiu para mapear o uso de madeiras nobres que aqui habitam, com riscos de extinção. Sim, entre o final do século XVIII e o início do século XIX. Jacarandá da Bahia, Pau Brasil, Jequitibá Rosa, Guanandi, Vinhático, Biribas, Patizeiros, Massarandubas, Piaçavas, Condurus, uma infinidade de árvores e palmeiras que impulsionaram a economia colonial e podem estar nas futuras florestas restauráveis da Mata Atlântica do futuro. Neste lugar temos onça pintada, mico leão da cara dourada, mutuns do sudeste, macaco prego do peito amarelo, robalos e guaiamuns, corais e baleias jubarte. Tudo junto com a pesca, o turismo, o cacau e o chocolate que ressuscitam a economia local.

Falando da história regional, a passagem pelo princípe Maxiliano de Wied e dos naturalistas Johanes Baptist Spix e Von Martius, nas primeiras décadas do século XIX, e os estudos contemporâneos da Ceplac e do Jardim Botânico de Nova York, no final do século XX, contribuíram enormemente para a compreensão do bioma Mata Atlântica e a sua defesa, desde leis de proteção das matas e das suas árvores denominadas madeiras de lei, até a constituição de 1988 e em seguida a Lei da Mata Atlântica, em 2005. O lugar escolhido para a visita do governador e dos investidores fica a 10 Km do distrito industrial de Ilhéus, base de uma economia de alimentos locais como o chocolate e de computadores, e ao lado do Rio Almada, DENTRO de uma Área de Proteção Ambiental de 147 mil hectares – a Lagoa Encantada. O micro território desta Costa do Cacau é também um corredor ecológico que visa sustentar dezenas de espécies ameaçadas de extinção na fauna e flora, ao mesmo tempo em que dialoga com a economia criativa, da pesca, do turismo, agricultura e indústria de baixo impacto ambiental. O evento vai ocorrer nas margens da rodovia turística BA 001, entre Ilhéus e Itacaré, divulgada para o Brasil como estrada parque, com muitas passagens para animais silvestres. A fama da estrada ganhou corpo com imagens de primatas cruzando a estrada em redes entre as árvores. Embora sem cuidados governamentais desde que foi pavimentada em 1998, o lugar escolhido por investidores da Eurasian Resources Group – ERG para escoar minério de ferro entra em choque com uma natureza e comunidades onde vivem pescadores, artesãos, pequenos empresários de restaurantes, hotéis e pousadas, agricultores, executivos de empresas informática e de chocolate, em um raio de 50 quilômetros. O anuncio de investimento de 2,5 bilhões com o porto ignora que a costa, com cerca de 65 quilômetros, vai ser atingida em cheio no que é a sua melhor vocação – ser um Silicon Valley da biodiversidade e da qualidade de vida nos trópicos da Bahia.
O movimento Sul da Bahia Viva reúne pessoas diversas que amam a região com tudo o que ela possui de recursos, símbolos, ativos e potencialidades. Somos um grupo que atua em diferentes lugares – artistas, escritores, pesquisadores, produtores e produtoras rurais, promotores de cultura, palhaças e palhaços, terapeutas, cozinheiras e cozinheiros, marceneiros, empresários de turismo, pescadores e seus familiares, muita gente, diversas cabeças e um coração coletivo que vê o território como um LUGAR, na melhor expressão dita por Milton Santos em suas aulas de geografia.

O nosso manifesto quer alcançar a todas as pessoas lúcidas, para se juntar em um amplo movimento que não se esgota em resistência a uma insanidade de investimentos privados estranhos ao que somos. Pelo contrário, queremos promover um mundo de prosperidade aqui neste lugar, com centenas de milhares de pessoas trabalhando, e muitos bilhões de reais de receita anualmente com tudo o que temos aqui. Não é destruindo a costa do cacau que promoveremos riqueza. O Porto Sul promove morte – de peixes, florestas, animais, rios, economias e culturas bem plantadas nesta região. Dizer não ao Porto de Ferro da Bahia Mineração é dizer sim a esta terra que nos acolhe e nos provê água, clima, comida, paisagem, bem estar. Falamos também com o povo do alto sertão – desde Caetité, Guanambi, Pindai... agricultores e moradores das cidades que dependem das raras águas de suas serras e montanhas para sobreviver. A Bahia Mineração e o governador desconhecem a tragédia de uma futura barragem de rejeitos que nos lembra de Mariana e Brumadinho – do Rio Doce e do Rio Parauapebas, do São Francisco ? nós lembramos de cada imagem da destruição deste negócio sujo. O nosso destino é o Sul da Bahia cheio de vida. O movimento Sul da Bahia Viva reúne centenas de cidadãos preocupados com a sustentabilidade da região e questiona a viabilidade econômica, social e ambiental do Porto Sul desde 2008, quando ele foi anunciado pelos investidores e políticos baianos. Saiba mais em nossa página: https://instagram.com/suldabahiaviva".

O que o Brasil não precisa são Notas de Repúdio e sim, de ação, mobilização e pressão, povo nas ruas em tudo que se faça, pois do contrário, perderemos sempre. Unidos teremos alguma chance, desunidos, nenhuma.

3.) OS ESCRITOS DE SILVIO SELVA SÃO PARA LER, REFLETIR, GUARDAR E COLOCAR EM PRÁTICA
Pra quem não o conhece, SILVIO SELVA é funcionário público municipal, um dos técnicos mais respeitados do Teatro Municipal, marxista desde moleque, stalinista declarado, artista plástico de grande monta e uma espécie de faz tudo, bom de cozinha e também de música, pois durante seis anos foi o responsável pela marchinhas do bloco carnavalesco farsesco, burlesco e algumas vezes carnavalesco, o Bauru Sem Tomate é MiXto. Silvão é conhecido pavio curto, boa gente, mas é melhor não o provocar, pois quem o fizer pode se arrepender. Diz a lenda que ele anda pela rua com um taco de beisebol amoitado na mochila, pronto para tascar na fuça de quem o admoestar. Dentre todas essas virtudes, o danado tem outra, escreve bem pra caceta. Já escrevi disso aqui, que se fosse editor iria juntar seus escritos e publicar um livro de suas máximas. Ele as produz a todo instante. Bate a ideia ele a posta e assim cai no mundo. Dessas pessoas insubstituíveis dessas plagas e numa lista de cem, seu nome conta lá com louvor dentre as que precisam ser conhecidas nesta terra “sem limites”. Dele, um textão publicado três dias atrás, mais um dentre tantos que me tocou profundamente (ui!) e assim, sem seu consentimento, aqui reproduzo e espalho ao vento, pois o que ele escreve é ao estilo Charles Bukowiski, pura poesia. No cabeçalho de sua página do facebook lá está sua máxima preferida: "artista, operário da arte, alguém que não tem medo de ousar, aprender e passar conhecimentos". Leiam o textão abaixo, prendam a respiração e podem ir até o fim, pois é coisa sentida, dessas que vai saindo assim de um vez e ao final, algo para ser guardado a sete chaves:

“Pra quem ainda não sabe. Sou ferrenhamente marxista. E para marxistas, não existe trabalho por amor ou amor ao trabalho. Pessoalmente, acho isso ridículo e é patético. O trabalho é definido por Karl Marx como a atividade sobre a qual o ser humano emprega sua força para produzir os meios para o seu sustento. Acabou. Sem poesia, sem papinho de barzinho depois da apresentação. Isso não é pra mim. Depois que acabou, pegar o dinheiro e planejar o próximo. Ou executar.

Prestei concurso para o teatro porque não queria mais dar aulas. Não foi por amor ao teatro. Não gostava de dar aulas e iria enfartar se continuasse. Tenho ódio de classe e dar aula de arte pra classe-média aumentava isso. Gosto é de dormir. Adoro dormir. As vezes, a cremosa vinha aqui, a gente até disputava lugar na cama pra ver quem dorme mais. Amooo dormir.

Entre meus amigos grosseiros, eu digo que isso de amor é coisa de quem não precisa vender. Eu não compro uma caixa de lápis por 500 contos por amor. Faço isso porque vendo uma aquarela por 200 contos. Se usasse lápis da kalunga, teria que fazer edital e separar moedas. E isso de “não faço arte por dinheiro”, certeza que não precisa se sustentar ou comprar leite pras crias. Não de quem precisa trabalhar.

Sou de origem pobre. Pobre mesmo. Casa rachada com goteira. Um par de sapatos com papelão dentro porque o prego furava o pé. Criado sem pai e mãe. Primeira vez que entrei numa escola de artes, foi quando a classe média tá se formando. Quase 22 anos, antes disso, o curso de Desenho Artístico e Publicitário do Instituto Universal Brasileiro. E insisti porque sabia que conseguiria mais do que conseguiria fazendo curso de mecânica e até isso me serviu, pois me ensinou a ser soldador e fazer esculturas em metal. Trabalho, sustento, mais-valia.

Há uns 15 anos, um cara me pede uma escultura. Mas faz questão da nota. E dá o exato valor que eu teria de fazer. Foi um absurdo. Ainda hoje, uma de minhas maiores vendas. Pegou a escultura, jogou (jogou) na carroceria da camioneta e ligou para o contador. O amigo que estava ao meu lado pergunta se não falaria nada. Eu disse que agradeci e só. Se quisesse cagar em cima, o fizesse. Pagou. Acabou. E não cagou em cima.

Já vendi luminária enferrujada que a esposa do cliente passou purpurina dourada pra combinar com uma cadeira com folha de ouro. Que se dane. Manoo, se quiser encomendar 40 luminárias minhas, pagar e depois espalhar bosta em cima. Eu ajudo a juntar bosta.Mas, não vou ficar lembrando, curtindo trabalhos que fiz. Nem lembro. Uma vez, postei um vídeo em câmera lenta. O som ficou horrível e a bailarina foi reclamar das imagens. Eu disse que só filmei em câmera lenta pra mostrar o efeito pra outra cliente e não pra divulgar sua coreografia. Então, se você quiser mandar imagens, vídeos, críticas sobre como seu trabalho é maravilhoso e que a pessoa deve amá-lo como você ama. Sinto muito, não espere de um marxista. Muito menos um ortodoxo.

Como diz minha filha: “todo trabalho é interessante, mas só pra quem se interessar por ele...” Então, se eu não me interesso por um trabalho que você fez. Não leve para o lado pessoal. Eu sequer me interesso pelos trabalhos que eu fiz... Me interessa a venda. E pra isso, ainda hoje, estudo muito e pesquiso pra caramba. E o dinheiro que vou usar pra comprar mais material pra vender mais vem daí. Pois Arte é trabalho. Como varrer um chão. Como montar um computador. Ou carregar uma caçamba de terra. Amor é algo muito abstrato para algo tão concreto quanto o trabalho. Amor é outra coisa e geralmente, termina em adultério, homicídio ou separação. Cruel né? Mas, se você me acha cruel, precisa conhecer a Vida...”.

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