sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

MEMÓRIA ORAL (96)

DUAS TRADICIONAIS LOJAS, DOIS COMERCIANTES E UM SÓ ALUGUEL
Um passeio pelo centro comercial da cidade, o do entorno do Calçadão da Rua Batista de Carvalho, nota-se claramente a diferenciação entre os comerciantes. Uns mais abastados, com arrojo na apresentação e exposição dos produtos, outros nem tanto. Primos ricos e primos pobres, como exposto na antiga dupla humorística da TV. Uma situação chama a atenção num dos pontos mais movimentados desse centro comercial, no cruzamento da Rua Rio Branco com a Avenida Rodrigues Alves. Duas tradicionais casas comerciais, o Foto Guedes e a Papelaria Sapiência, que durante décadas ocuparam imóveis lado a lado, hoje uniram forças e estão atendendo num mesmo local.

Dois meses atrás, Fernando Antonio Reis, 60 anos, proprietário da Livraria e Papelaria Sapiência, ali instalada há décadas, vendo-se às voltas com um aumento desproporcional no preço do aluguel, localizado entre o Liceu Noroeste, uma pastelaria e tendo na esquina o famoso Foto Guedes, propõe ao vizinho comerciante, unirem as forças num só local. A papelaria, antes com grande movimentação, numa época de pioneiros, não estava mais resistindo. “Estou aqui antes da Jalovi, quando meu pai comprou do antigo dono a loja, aqui no centro tinha só a Tilibra, a Tipografia Comercial e a Cruzeiro no nosso ramo de negócios. Permanecemos de 1969 até 1999 na esquina de cima, do outro lado da rua e de lá para cá no endereço que fechei dois meses atrás. Meu pai se aposentou em 1980 e daí em diante assumi a loja. Sou antigo aqui, do tempo em que havia umas lacerdinhas plantadas no centro da avenida”, conta Fernando.

O motivo foi um só, o proprietário do imóvel pediu um aluguel acima do que podia pagar e ao procurar o amigo e vizinho, Antonio Sergio Esteves de Souza, 64 anos, no comando do Foto Guedes, esse havia acabado de desabrigar uma parceria na loja com a Fone Livre e o acerto foi quase imediato. “Eu e o Fernando sempre fomos amigos, cristãos católicos e aqui só não conversamos sobre futebol, ele corintiano e eu são paulino, além de política, do resto nos acertamos. O Foto Guedes é do meu sogro, seu Yvan Pereira Guedes, que por motivos de saúde parou de vir na loja esse ano. Em 1969 eram dois fotos aqui, o Guedes e o Reis, um de cada lado da rua. Em 1978 eu vim trabalhar com ele e não parei mais. Está difícil sobreviver aqui no centro e a chegada do Fernando foi providencial”, conta Sérgio.

Cada um no seu devido balcão, mas um sempre ajudando o outro, esse o espírito da coisa. E tudo tem funcionado muito bem, pois como Fernando faz questão de dizer, os tempos são outros. “Comércio é para quem tem dinheiro, muito dinheiro. Quem não tem não se arrisque, pois vai ficar como cachorro mordendo o próprio rabo. Quem me disse isso foi o seu Adel, lá do Beco do Armarinho e expressa bem o momento do centro hoje. Os pequenos sofrem”, diz um não resignado Fernando. Sérgio observa e dá sua versão: “Veja o meu caso, o pessoal quase não faz mais foto, a maioria coloca tudo em CDs e não revela. Até cinco anos atrás era bom, mas hoje caiu muito e eu não faço reportagem, quando pego um serviço desses, repasso, terceirizo”, completa Sérgio.

Vendo os dois ali, pergunto sobre a família e a continuidade do negócio. Ambos confirmam que tudo se encerrará com eles, pois cada um tem um casal de filhos, mas todos já seguiram por outros rumos profissionais. E assim sendo, cada um seguirá até quando conseguirem resistir, pois nenhum pensa em parar tão cedo. “Eu já podia me aposentar, tenho até tempo, mas vou fazer o que em casa. Prefiro ficar aqui”, diz Fernando. Sérgio confirma e diz que nem tudo está totalmente perdido: “Revelo muita foto para documentos, de todos os tamanhos, menos as de passaporte, pois a própria Polícia Federal está fazendo isso agora. Vendo ainda muito filme analógico e nas revelações me aparecem mais de analógicos do que de digital. Outra saída são as pilhas para aparelhos auditivos, que tem boa saída”. Fernando também diz onde está o forte do seu negócio: “A criatividade é a saída, pois ofereço o que o grande não possui. O importante é o contato, o atendimento. Meu forte é a miudeza, como canetas, calculadoras e impressos em geral”.

Vendo o letreiro da antiga Sapiência encostado na parede, Fernando me explica que ainda não conseguiu colocar na parede lateral, pois esse é muito grande. Ficou ali nos fundos da loja, aguardando o que será feito dele. Faz questão de me mostrar no alto de uma estante, uma réplica em miniatura de uma livraria, feita pela irmã, que ele mantém intacta. “A Sapiência já foi assim, vendi de tudo, desde livros variados, didáticos, como artigos religiosos, mas perdi a paciência para ter que fazer o jogo necessário para que as escolas deixem suas listas aqui. Quero mais tranqüilidade”, conclui. Sérgio movimenta-se muito também na parte interna da loja, pois seu estúdio está lá dentro e a presença do Fernando ali é uma segurança a mais, pois antes dificilmente podia ir e voltar sem ter a preocupação de nada haver sumido.

O fato é que estão se entendendo muito bem com a solução de unirem forças para continuarem com as portas abertas. Ambos dizem que os vizinhos, amigos e fregueses gostaram da novidade. “O apoio foi geral. Muitos dos que nos apóiam passam por situação semelhante, entendem o que se passa e até nos elogiaram”, conclui Sérgio. E assim prossegue a vida de ambos, dividindo o espaço de forma parcimoniosa e mantendo as portas abertas, o que é mais importante. Observando o que acontece no mundo das grandes corporações, que andam se unindo para não perder espaço, o mesmo ocorre com as empresas de menor porte, como a deles. A diferença é que em alguns casos a intenção é crescer, na deles é pura questão de sobrevivência.

7 comentários:

Anônimo disse...

Caro Henrique - Gostei da msg sobre a união do Foto GUEDES e a Sapiência. Duas grandes casas de comércio especializado de Bauru. Grato e parabens Isaias Daiben

Anônimo disse...

minhas lembranças do foto guedes nao é das mais belas.
pois ainda na primeiro de agosto fizeram as fotos do meu casamento,tudo bem, album entregue conforme o combinado.
mas minha esposa queria reproduzir uma bonita foto onde o casal de pombinhos aparecia ao lado de seus pais.
voltei com o album até a loja e combinei a reproduçao daquela fotografia que ficou em poder do estabelecimnto,passei por lá várias e várias vezes e nao estava pronta e la se vão 35. anos.. lazaro carneiro

lucia disse...

Queria parabenizá-lo pela reportagem,muito bem escrita e verdadeira. Sou esposa do Fernando, da Sapiência e fiquei feliz e emocionada com o que li. Vc retratou a realidade dos 2 comerciantes que a décadas batalham e acompanham o desenvolvimento da nossa Bauru. Receba meu abraço e da minha família. Lúcia Santinho Reis

Anônimo disse...

Henrique

Também sou pequeno comerciante do centro da cidade e o que voce relatou é a mais pura verdade. Bauru sempre teve as mega lojas no centro, mas parece que de uns tempos para cá a situação dos pequenos, os que possuem uma só loja, a que provem o sustento de sua família, estão com dias cada vez complicados. Sinto isso na pele e não publico meu nome porque percebo que a entidade de classe que nos representa pouco faz para reverter a situação. Não quero falar deles isoladamente. Temos que continuar com as portas abertas, faz parte de nossa luta, e o fazemos meio que sózinhos. Quase chorei ao ler sobre os dois, a quem conheço, respeito e apoio na forma encontrada para se manterem abertos e vivos. Nós os pequenos precisamos de mais união. São tantas coisas. Queria só te dizer que ontem, quando um amigo me disse sobre o que havia lido na internet e me deu o site, chegando em casa fui ler e me vi ali retratado. Tem muita história muito parecida com a deles, muitos que fecham suas portas, coisa muito triste.Parabéns.
Pode me chamar só de Manoel

Anônimo disse...

Caro Henrique,
Parabenizo a reportagem sobre a união dessas 2 conceituadas e tradicionais lojas de Bauru, cujos donos são pessoas respeitadíssimas, de caráter ilibado e que com certeza, contribuiram bastante com o nosso comércio.
A criatividade desses 2 homens, foi maravilhosa, e sinal de que têm boa vontade e muito amor pela profissão.
Muita sorte aos 2 e parabéns a vc.
Abraços. José Antonio

Anônimo disse...

Prezado Henrique, suas matérias são sempre interessantes, com conteúdo inteligente e simpático, mas sinceramente, esta sobre a união de 2 lojas conhecidas em Bauru está demaisssss!!! Acho que todo bauruense já comprou na Sapiência e já passou pelo Foto Guedes, que é bom esclarecer, não tem nada a ver com que o Sr. Carneiro escreveu num comentário anexo, pois nunca funcionou na R. Primeiro de Agôsto, portanto, não pode ser injustiçado.
Enfim, parabéns a vc pela matéria, pois nós que somos da terrinha, temos orgulho e mts lembranças dessas lojas que frequentamos tanto. Abraços e muita lucidez sempre. Maria Luiza N. A. Souza

Anônimo disse...

Caro Henrique,
Esta matéria sobre a fusão da Livraria Sapiência e o Foto Gudes está o máximo. Dois comerciantes que sempre trabalharam aqui, criaram seus filhos com seus comércios, sempre atrás dos seus respectivos balcões, merece mesmo um deestaque especial. Que eles tenham êxito nesta nova etapa e permaneçam ainda muito tempo entre nós. Parabéns a vc pela inteligência e ´perspicácia de retratar as coisas bacanas da nossa cidade. Abraços. Jose Vitor Noronha Sobrinho