sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

MEMÓRIA ORAL (97)

“ONDE O SENHOR COSTUMA FAZER SUAS COMPRAS?”
Bauru transformou-se no paraíso das grandes redes atacadistas. Já funcionavam o Makro e Wal Mart, inaugurados décadas atrás. Durante esse ano vieram outros, o Maxxi e Tenda. No mês passado, novembro, foi inaugurado com grande pompa mais um, o Assaí, do grupo Pão de Açúcar, junto a uma imensa área no centro da cidade, onde ao lado já está previsto a construção do segundo shopping center na cidade. Aliado a isso tudo existe uma imensa rede de supermercados espalhados por todos os bairros. Na inauguração do Assaí, devido à massificação da divulgação, estive por lá e fui conferir a imensidão de produtos expostos em abarrotados corredores.

Andando por lá sou abordado por uma funcionária, de prancheta na mão e pedindo se poderia responder a quatro perguntas. Na resposta positiva, pede minha opinião sobre a nova casa e faz a última: “Onde mais o Sr o costuma comprar?”. Foi inevitável o riso irônico. “Não farei compras regulares por aqui, vim conhecer e só. Costumo fazer minhas compras em lugares mais modestos, como a Casa do Arroz e de pessoas com as quais vislumbro um árduo trabalho, como o João da Brasília, seu Rubens da carriola, a Verônica da goiaba, o João da Erva, seu José de Oliveira e dona Leonor da esquina no centro e por fim, na Quitanda São Paulo do seu Osvaldo e da dona Izabel, numa portinha na rua Primeiro de Agosto”, lhe respondo. Ela tinha uma lista dos grandes mercados da cidade e dentre eles não achou nenhum desses, mas acabou escrevendo pelo menos um, o da Casa do Arroz, numa linha em branco no final de sua lista.

Mas é isso mesmo, estou cada vez mais decidido a gastar o pouco que tenho em lugares simples, onde noto eles necessitarem mais que todos esses grandões juntos. É a tal da sobrevivência e para poderem continuar tocando suas vidas. A Casa do Arroz, por exemplo, é sinônimo de luta de uma família japonesa. O patriarca começou tudo há muito tempo, numa pequena porta, sempre nas imediações da Baixada do Silvino. Sempre atendeu muito famílias do meio rural e com um diferencial, um dos fortes até os dias atuais, o da venda a granel. O mercado cresceu e Dário, um dos filhos de seu Toka, junto de outros irmãos e noras, ampliou o negócio, de armazém virou um pequeno mercado, onde toda família trabalha unida. O grande balcão de granel resiste ao tempo, copiado por todos os mercados de Bauru e continua sendo a maior referência para todos que por lá passam.

Na rua Antonio Alves, na quadra entre a Ezequiel Ramos e a Primeiro de Agosto, João Sidnei Felipe estaciona diariamente sua Brasília, toda carcomida pelo tempo e revende produtos da temporada. Encontro ele com o velho veículo coberto de mangas e flores. Criou uma clientela no lugar e conta um pouco do cansativo negócio. “Passo bem cedo no Ceasa, loto a Perua e estaciono a Brasília sempre no mesmo lugar. Passo o dia inteiro aqui. Outro dia me disseram que me inscreveram no Lata Velha, o programa da TV que recupera os carros. Achei que essa será a única saída para recuperar minha velha Brasília, mas como seguro morreu de velho estou estudando para prestar um concurso de funcionário da dengue. Sou feirante há mais de trinta anos, mas estou cansado”, me diz, enquanto atende um senhor pelo vidro do carro. Verduras sempre fresquinhas é uma especialidade sua.

Desço um pouco a rua Primeiro de Agosto e na esquina da rua Rio Branco, o casal José de Oliveira e dona Leonor, ambos com mais de 70 anos estão sentadinhos num banco, vendendo frutas e legumes, a maioria embalados. Com sol ou chuva, estão por ali diariamente e nos últimos tempos mais contentes, pois conseguiram uma cobertura para a barraca, ampliando a sombra sob os dois e os produtos ali expostos. Tem de tudo um pouco, desde banana até jiló. Um dos filhos, Rubens, perto dos 50 anos, sai com a mesma mercadoria que os pais vendem e de posse de uma carriola, dessas de pedreiro, bate de porta em porta, vendendo para uma clientela já formada, o que consegue carregar. “Faço um circuito. Tem dia certo para passar na casa das pessoas. Em alguns casos até faço fiado, pois sei da seriedade da pessoa. Quem compra muito são os aposentados. Quando me pedem uma coisa diferente, no retorno procuro trazer e atender a todos”, me explica.

Desço um pouco mais e na esquina da rua Ezequiel Ramos com a Agenor Meira encontro Verônica, uma moça loira, com a pele bastante castigada pelo sol, beirando os quarenta anos e há exatos doze anos vendendo goiaba no local, dentro de um carriola. Fica parada na esquina o dia todo, aguando as frutas e sem se deixar fotografar de perto me diz: “Foi o que encontrei para ganhar meu sustento. São nove vendedores de goiaba no centro da cidade. Todos deixamos os carrinhos num estacionamento, pago pelo senhor que nos abastece. Ele vem cedo, traz as goiabas, enchemos os carrinhos e cada um leva tudo para o ponto. Se acaba, ligo e ele traz mais. No fim do dia vou guardar o carrinho e fazer o acerto de contas com ele. E assim toco minha vida”. Suas goiabas estão sempre vistosas e com inconfundível cheiro de coisa saborosa.
No quarteirão seguinte, já na Rua Treze de Maio, entre as ruas Ezequiel Ramos e a Primeiro de Agosto, debaixo de uma marquise, onde antes funcionava a rádio Auri-Verde está João Maurício, que todos conhecem como João da Erva, pois revende, com grande conhecimento de causa ervas variadas, para as mais diversas dores e doenças. “Chego as 9 e vou embora todo dia às 18h. Fiquei famoso graças ao rádio, pois falei por dez anos nos microfones, dando dica de ervas para a população. Hoje a rádio saiu daqui, mas ele deixam eu guardar tudo na escada do prédio deles. Só tenho a agradecer. São onze anos no mesmo lugar e digo que tudo começou por causa de meu pai, que não revendia ervas, mas gostava de fazer umas garrafadas. Aprendi com ele e não parei mais”, diz atendendo uma cliente que não quer ser fotografada comprando ervas para seu problema gástrico.

Voltando pela rua Primeiro de Agosto, entre as ruas Antonio Alves e a Araújo Leite está um dos mais tradicionais pontos comerciais daquele quarteirão, a Quitanda e Empório São Paulo, que durante décadas foi comandado por uma família de japoneses, comandada pela dona Rosa, hoje aposentada. Seu Osvaldo, 71 anos e a esposa, Isabel Luzia, 59 anos, compraram dela e há 16 anos tocam o local, sem mudar de nome e de clientela. Mas como uma mercearia dessas sobrevive ali no centro? “Formei meus dois filhos em Direito com o dinheiro daqui. A vantagem minha é que aqui na redondeza tem muito prédio cheio de aposentados e a maioria compra comigo. Ligam e levo tudo até suas casas, alguns já deixam até a porta aberta. Para mim, o movimento que tenho não foi alterado nem no dia da inauguração desse tal de Assaí”, responde.

E por fim, respondo eu mesmo a pergunta feita pela jovem lá no Assaí, com outra indagação: E tenho como deixar de comprar o que preciso nesses lugares? Não trocaria nenhum deles por qualquer desses atacadistas e até supermercadistas. Eles precisam que todos nós continuemos a comprar com eles, cada vez mais e assim procedo.
OBS.: Todas as fotos, duas de cada tema abordado, estão publicadas na sequência de cada escrito.

6 comentários:

Camila Turtelli disse...

A Quitanda São Paulo é muito boa! Semana passada estava com umas uvas deliciosas :)!

Anônimo disse...

Sou funcionária dos Correios e sempre compro goiaba de uma outra pessoa, na mesma situação que a moça retratada no texto. É um senhor que fica bem na escada da entrada dos Correios. Quando não estou comp ressa levo também legumes, todos ensacados.

Maria Cristina

Anônimo disse...

vc é genial mesmo

Egberto Cavarioani - ex-Bauru Chic

Anônimo disse...

henrique

só faltou vc falar um pouco da feira do rolo onde nós também compramos legumes, frutas e verduras aos domingos...

beijo da ana bia

ps - e da falta que faz o nosso bauru chic .... saudades ....quem sabe o egberto não me faz um no meu aniversário???

Unknown disse...

Por coincidência vi uma reportagem (documentario) essa semana sobre o Adoniran Barbosa e a reporter perguntou para o diretor se aquela romantica cidade de São Paulo nâo existe mais, e a resposta:
Tudo depende do seu olhar!
Osd grandes podem comprar os espaços fisicos e padroniza-los, mas enquanto existirem essas pessoas ainda podemos enxergar nossa romantica Bauru.
PS. Nos encontramos na Casa do Arroz.
Abs.
Luiz Manaia (ralinho).

Anônimo disse...

Grande Henrique.... Acabei de ler sua matéria sobre onde se fazer compras em Bauru e percebi o painel maravilhoso e investigativo (que já se tornou sua marca) da matéria... Acho que devemos prestigiar o blog da Macro PT novamente com sua participação (pq a satisfação de publicar seus textos, é sempre nossa)... Pode ser? O que acha?

IVAN MENEZES - www.macropt.blogspot.com