NOEL, O NATAL, ESTE HPA E O QUE JÁ LEU SOBRE A DATA
Já escrevinhei muita coisa nestes anos todos por aqui sobre o Natal. Meus escritos registrados amigos - alguns já se foram - e mesmo, parentes. Prefiro ficar aqui quietinho, lendo, janela aqui pelo Mafuá do HPA começaram em 2007 e desde então, a cada ano um texto novo. Neste ano estou mais acabrunhado e quero curtir tudo aqui de casa mesmo, quietinho e junto de poucas pessoas. Envelheci, perdi um pouco do ímpeto de sair em vigília por algumas casas de diletos fechada e sem alarde e foguetório. Os tempos andam muito bicudos pra gente ficar saracoteando pela aí. O que tenho para gastar numa boa comida, prefiro compartilhar com alguns próximos de mim e numa situação calamitosa, pois os vendo, pelo menos se alimentando neste dia, isso sim me dará muito contentamento.Compartilho aqui alguns escritos de gente que leio sobre esta data, junto de ilustrações que publiquei nestes anos todos:1.) Noite de Natal - Eduardo Galeano (extraído do Livro dos Abraços, 1969)
Fernando Silva dirige o hospital infantil de Manágua.
Na véspera de Natal, ficou trabalhando até bem tarde. Os fogos já espocavam, e o céu se iluminava com eles, quando decidiu ir para casa. Uma festa o esperava.
Percorreu as salas pela última vez, para ver se tudo estava em ordem, e nisso sentiu que uns passos vinham atrás, com toques de algodão. Voltou-se, e viu um dos pequenos pacientes que caminhava atrás dele. Na penumbra, reconheceu quem era. Era um menino, que ninguém visitava. Fernando reconheceu-lhe o rosto, já marcado pela morte, e aqueles olhos que pediam desculpas ou, quem sabe, licença.
Fernando se aproximou, e o menino deu-lhe a mão.
— Diga a… — soprou-lhe o menino...
— Diga a alguém que eu estou aqui.
2.) Natal do Viajante – Jorge Amado (extraído de texto para A Revista da Semana, 1958)De um Natal me recordo, o triste Natal do viajante. Estava na Europa e calculei meu tempo de modo que deveria chegar ao Brasil na véspera de Natal. Já me adaptara ao Natal como festa de família, entre os meus, na alegria dos parentes reunidos. Era um inverno especialmente duro, a noite chegava antes do tempo no meio da tarde, não havia visibilidade nos aeródromos e meus cálculos de viagem arruinaram-se. Dois, três dias, sem sair aviões. Eu estava em Praga. Na véspera de Natal mais uma vez estive quase o dia inteiro na expectativa de saída do avião. Mais uma vez ele falhou. Voltei para o hotel pela tarde. Um cartaz na portaria avisava que naquela noite o hotel não serviria jantar, os hóspedes que o desejassem deviam pedir com o tempo uma ceia fria para a noite. Foi o que fiz e dormi. Acordei pelas nove horas da noite. Vesti-me e saí. Não havia uma pessoas nas ruas cobertas de neve. Estavam todos em suas casas, festejando. No hotel mal iluminado, apenas um empregado. Andei sem rumo pela cidade. Não encontrava ninguém. Tudo fechado. Nem mesmo os vendedores de salsichas assadas, nem mesmo os bebedores de cerveja. O silencia e a neve. Uma tristeza sem fim me envolveu. As janelas iluminadas e lá dentro a festa, a alegria. Eu andava sem rumo e jamais senti tanto o significado do Natal.
3.) Feliz, feliz Natal. Merecemos – Caio Fernando Abreu (parágrafo final da crônica Uma Carta para Além dos Muros, Caderno 2 Estadão, véspera de seu último Natal, 1995)Amanhã à meia-noite volto a nascer. Você também. Que seja suave, perfumado nosso parto entre ervas na manjedoura. Que sejamos doces com nossa mãe Gaia, que anda morrendo de morte matada por nós. Façamos um brinde a todas as coisas que o Senhor pôs na terra para nosso deleite e terror. Brindemos à vida – talvez seja esse o nome daquele cara, e não o que você imaginou. Embora sejam iguais. Sinônimos, indissociáveis. Feliz, feliz Natal. Merecemos.
4.) Nossa! o que há com o teu peru? - Hilda Hilst (trecho de crônica Cascos e Carícias, livro do mesmo nome, 1995)
Espírito natalino é um saco preto, hordas de delinqüentes, turbas de atoleimados te exigindo caras, posturas, o riso alvar, cestas, granas e tu mesmo basicamente arruinado, e criancelhas peidando adoidadas, escoiceando os ares, e mãezinhas num azáfama de um cair de tarde bordelesco, pra lá pra cá, e Jeshua entregue às traças, imagine o arrepio do Divino vendo o trotoar dos humanos, enchendo as panças, arrotando grosso, chupando os dentes, enchendo as latrinas, as mandíbulas sempre triturando, e o nenen lá na manjedoura, entre a vaca e o jumento... Que pai é esse que manda o filho pra um planeta de bosta como é a Terra... Se fosse um bom pai, o filho teria encarnado num corvo, a gente só ficaria olhando lá pro corvo nas alturas e dizendo: olha lá o divino, olha que lindo! E o divino com asas, só de nos ver de longe se escafederia, tem dó, pai, aquela gente não, por favor, pai, Abracadabra, pai, me transforma em fumaça, em rojão, em poeira, mas me afasta daqui, me afasta!
5.) Um Conto de Natal – Charles Dickens (Publicada originalmente em 1843, a história da redenção do velho Scrooge é sem dúvida o mais célebre conto de Natal e já foi adaptada para história em quadrinhos, filme, peça teatral).Em meio ao frio e à neve da cidade de Londres, à véspera do Natal, todos preparam-se para a celebração do nascimento de Cristo. As donas de casa ocupam-se alegremente com seus assados, os homens, ansiosos, não vêem a hora de voltar para casa, e as crianças perdem o sono pensando nos presentes. Apenas uma pessoa não parece feliz com o Natal: o velho Scrooge, homem de negócios sovina, ranzinza e solitário. Ele não vê razão para tanta alegria e inquieta-se, apenas, com a folga que terá de dar a seu secretário. Mas ele recebe a visita fantasmagórica de Marley, seu falecido sócio, que se arrepende de ter passado a vida atrás do dinheiro. Ele leva Scrooge em uma viagem inesquecível para tentar salvá-lo enquanto é tempo.
6.) Estes Natais Sinistros – Gabriel Garcia Marquez (trecho final de artigo escrito em 1980, publicado no jornal El País)
Tudo isso, em torno da festa mais espantosa do ano. Uma noite infernal em que as crianças não podem dormir com a casa cheia de bêbados que se enganam de porta à procura de onde desaguar, ou a perseguir a esposa de outro que por acaso teve a boa sorte de cair adormecido na sala. Mentira: não é uma noite de paz e amor, e sim todo o contrário. É a ocasião solene da gente que não se quer. A oportunidade providencial de cumprir os compromissos adiados por indesejáveis: o convite ao pobre cego que ninguém convida, à prima Isabel que ficou viúva há quinze anos, à avó paralítica que ninguém se atreve a mostrar. É a alegria por decreto, o carinho por lástima, o momento de presentear porque nos presenteiam, e de chorar em público sem dar explicações. É a hora feliz de os convidados beberem tudo o que sobrou do Natal anterior: o creme de menta, o licor de chocolate, o vinho de banana. Não é raro, como sucede amiúde, que a festa termine a tiros. Nem é raro tão pouco que as crianças – ao verem tantas coisas atrozes – acabem por crer realmente o menino Jesus não nasceu em Belém e sim nos Estados Unidos.
7.) 24 de dezembro – Carolina Maria de Jesus (trecho de seu livro Quarto de despejo, 1958)Hoje estou com sorte. Tem muitos papéis na rua. (...) As 5 horas comecei vestir-me para eu ir no Centro Espírita Divino Mestre receber os donativos natalinos. Preparei os filhos e saí. (...) Eu ouvi vozes:
- Estão dando cartões!
Corri para ver. Vi os favelados rodeando um carro. E o povo correndo para ganhar cartões. No carro estava apenas o motorista. E o povo pedia:
- Dá um para mim. Dá um para mim!
O motorista dizia:
- Vocês sujam o carro!
Perguntei-lhe:
- O que é que o senhor está distribuindo?
- Eu vim aqui para trazer um homem. Nem sei o que este povo está pedindo.
- É que na época de Natal, quando vem um automóvel aqui, eles pensam que vieram dar presentes.
- Nunca mais hei de vir aqui no Natal - disse o motorista nos olhando com repugnância.
Havia tantas pessoas ao redor do automóvel que não pude anotar a placa.
8.) Decretos de Natal – Frei Beto (trecho final de artigo para a Folha de São Paulo, dezembro 2003)Fica decretado que toda dieta se reverterá em benefício do prato vazio de quem tem fome, e que ninguém dará ao outro um presente embrulhado em bajulação ou escusas intenções. Que o tempo gasto em fazer laços seja muito inferior ao dedicado a abraços.
Fica decretado que as mesas de Natal estarão cobertas de afeto e dispostos a renascer com o Menino trataremos de sepultar iras e invejas, amarguras e ambições desmedidas, para que o nosso coração seja acolhedor como a manjedoura de Belém.
Fica decretado que, como os reis magos, todos daremos um voto de confiança à estrela, para que continue a conduzir este país a dias melhores. Não buscaremos o nosso próprio interesse, mas o da maioria, sobretudo dos que, à semelhança de José e Maria, foram excluídos da cidade e, como uma família sem-terra, obrigados a ocupar um pasto, onde brilhou a esperança.
9.) A Vigília dos Pastores – Nélson Rodrigues (texto poético-reflexivo que ele escreveu e publicou em formato de crônica, anos 60)Escrevo à noite. Vem na aragem noturna um cheiro de estrelas. E, súbito, eu descubro que estou fazendo a vigília dos pastores. Aí está o grande mistério. A vida do homem é essa vigília e nós somos eternamente os pastores. Não importa que o mundo esteja adormecido. O sonho faz quarto ao sono. E esse diáfano velório é toda a nossa vida. O homem vive e sobrevive porque espera o Messias. Neste momento, por toda a parte, onde quer que exista uma noite, lá estarão os pastores – na vigília docemente infinita. Uma noite, Ele virá. Com de silêncio entrará no quarto da nossa agonia. Entenderá nossa última lágrima de vida” – fragmento de A vigília dos pastores, de Nelson Rodrigues, escritor maldito suas sandálias para uns, genial pra outros.
10.) Crônica de Natal – Luis Fernando Verissimo (publicada em 2017)
Tenho inveja dos cronistas novos. Não porque eles não sabem que todas as crônicas de Natal já foram escritas e podem escrevê-las de novo. Mas porque podem fazer isto sem remorso
Tem a crônica de Natal tipo “o que eu gostaria que Papai Noel me trouxesse”. A Luana Piovani ou um fac-símile razoável, a paz entre os povos, um centroavante para o Internacional (ou um fac-símile razoável) etc.
Tem as infinitas variações sobre problemas encontrados por Papai Noel no mundo moderno (seu trenó levado num assalto, sua dificuldade em se identificar em portarias eletrônicas, protestos de ambientalistas contra o seu tratamento das renas, suspeita de exploração de trabalho escravo, suspeita de pedofilia etc.).
Tem as muitas maneiras de atualizar a história da Natividade (Maria e José em fila do SUS, os Reis Magos chegando atrasados porque foram detidos por patrulhas israelenses ou militantes palestinos, Jesus vítima de uma bala perdida).
Tem as versões diferentes da cena na manjedoura, inclusive — juro que já li esta, se não a escrevi — narrada do ponto de vista do boi.
Todas já foram feitas.
Há tantas crônicas de Natal possíveis quanto há meios de se desejar felicidade ao próximo.
Os cartões de fim de ano são outro desafio à criatividade humana. Pois todas as suas variações também já foram inventadas.
Quando eu trabalhava em publicidade, todos os anos recebia encomendas de saudações de Natal e Ano Novo “diferentes”, porque os clientes não se contentavam em apenas desejar que o Natal fosse feliz e o Ano Novo fosse próspero.
Uma vez sugeri um cartão de Natal completamente branco com a frase “Aquelas coisas de sempre…” num canto, mas acho que este foi considerado diferente demais.
E dê-lhe poesia, pensamentos inspiradores, má literatura e a busca desesperada do diferente.
Um cartão em forma de sapato, de dentro do qual saía uma meia: a meia para o Papai Noel encher de presentes e o sapato para entrar no Ano Novo de pé direito. Coisas assim.
Enfim, tudo isto é apenas para desejar a você aquelas coisas de sempre…







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