domingo, 24 de agosto de 2014

FRASES DE UM LIVRO LIDO (83)

É DA FEIRA, INSPIRADO NO “PMC” E TAMBÉM NA MENINA INTERESSADA EM LIVROS
Todo domingo é difícil quando não saio da Feira do Rolo, da Banca do Carioca com um bom livrinho debaixo do braço. Hoje mais um (e dois CDs), o "QUATRO HISTÓRIAS DE LADRÃO E OUTRAS CRÔNICAS”, do mineiro PAULO MENDES CAMPOS, mais um que aprendi a ler da escola d’O Pasquim, dos tempos que esse jornal formou uma geração de gente interessada em proposituras e não em conformismo. Peguei o livrinho na mão e ao meu lado uma menina, que deve ser menor de idade (e já se interessando por essas coisas de leitura) e fuçando com um gosto pra lá de interesseiro todos os livros dispostos em cima do mequetréfico balcão na feira. Ela parecida não ver mais nada ao seu lado e eu, confesso, acabei me distraindo no que procurava (não era nada não, só fuçando mesmo) e fiquei prestando atenção nos seus gestos. Lindo ver alguém nessa idade olhando título por título, abrindo as páginas, lendo trechos, separando uns de lado, anotando coisas de outros e fazendo contas com o dinheirinho que possuia. Fui do outro lado da banca e me pus a fotografar seu interesse. Ela parlando com o Carioca, com o meu filho, que nessa manhã me acompanhava e por fim, ela se foi, não deu nem tempo de perguntar seu nome, o que mais gostava de ler, essas coisas. Ficaram as fotos e a boa lembrança de meninas e meninos que acordam cedo (não devia ser 9h da manhã) e já saem em busca de algo para ler.

Daí pego no livro que havia escolhido e na contracapa lá está isso, o deslumbre do poeta com uma moça que ele acabara de ver numa praia carioca. Assim como ele não se conteve e escreveu uma linda crônica para aquela desconhecida, acredito que no parágrafo acima tentei fazer o mesmo (ao meu modo e jeito). O poeta foi muito mais preciso, sintam o que viu na moça: “Vimos a aparição candente caminhando em direção contrária à nossa. Três pares de olhos ficaram vendo. Devia ter dezesseis para dezessete anos. Alta. Loura. Olhos claros. Bela. Terrivelmente bela. O maiô era cor de laranja. A pele, de um dourado irrepreensível, talvez indicasse a mistura de uma raça nórdica com outra morena. Os sapatos altos a faziam mais alta e, contraditoriamente, íntima e hierática. As formas eram coisa de Deus. E como não é mais possível existir hoje em dia uma criatura tão definitivamente bela, sem que os meios de comunicação espalhem pelos quatro cantos do mundo a sua imagem, era de supor-se que, menina-moça, ao deitar-se na noite anterior, havia desabrochado mulher, sem perceber que inaugurava um mundo novo ao sair para a praia de manhã. Pois a displicência com que conduzia seu corpo musical era absurda e a tornava ainda mais espetacular. Nós víamos. Nós não éramos cegos”.

Esse texto do PMC faz parte de uma antologia de pequenas crônicas, algo de boêmia da cidade que escolheu morar, o Rio de Janeiro. Acabou se transformando num dos porta-vozes de tempos menos neuróticos que os atuais e de personagens simples, que sob sua visão acabaram se eternizando daquele jeito que só os poetas fazem fazer, ou seja, colocando poesia no meio da coisinha mais simples e delas fazendo uma imensidão. O gostoso de ler coisas desse tipo é porque falam de tudo, da francesa que fez uma macumba na praia, do curió do almirante, a tentativa de assalto na casa do Vinicius, o roubo de um cobertor, o homem que tentava vencer o vento na rua deserta, a procissão de banhistas de volta para suas casas no final do dia, a beata atrás de uma aparição e até da mocinha cujo texto copiei um trecho, muito parecido com a imagem que tive dessa outra escolhendo livros na banca da feira numa manhã dominical. Tudo tem uma desmedida importância para quem observa o mundo com outros olhos. É o que procuro fazer e depois na saída da feira, eu e meu filho, ele também com três livros ali comprados (tudo por R$ 15), discutíamos sobre essas coisas todas, muito importantes para nós. E nem deu tempo de saber que livros a mocinha havia comprado, qual o seu interesse literário, pois já havia sumido de há muito na curva da esquina. Fiquei com o livrinho do mineiro e com as fotos registrando que, pelo menos, mentiroso eu não sou, ela existe de fato.


Obs.: Vi hoje na banca do Carioca um título do Vladimir Nabokov, o famoso "Lolita", que peço a todos não compararem com o que escrevi. Meu encanto dominical foi outro, entendam, por favor. As possibilidades de um livro são mesmo divagantes e me fazem delirar em escritos variados e múltiplos. Bom domingo para tudo, todas e todos.

2 comentários:

Anônimo disse...

Henrique
Vai a dica para o companheiro,Roque,para projeto de lei, que transforme a feira dominical em patrimônio cultural de Bauru .Acredito que não exista alguem que não a tenha vizitado. Alem do mais, já é muito tradicional. Acho ainda, poderia criar um dia de evento anual no local.
João Neto

Anônimo disse...

Vamos ver o que é possível ser feito neste caso.
Roque Ferreira