quinta-feira, 8 de setembro de 2016

PALANQUE - USE SEU MEGAFONE (90)


CARTA AO MEU AMIGO MURILO:*
* Artigo publicado na revista mensal bauruense JÁ, edição 182, agosto 2016, direção do jornalista Silvio Rodrigues e com citação desse mafuento escrevinhador. Sai aqui por vários motivos. Primeiro porque todos os três são amigos, Sílvio, Murilo Coelho e o autor Hermann Schroeder Junior. Depois, por ter uma deliciosa citação a minha pessoa, mais por tratar-se de um saboroso texto que, confesso, gostaria muito de ter sido o autor. E por fim, por ser gostoso demais escrever histórias relembrando algo de pessoas queridas, amigos para uma vida toda e de como é bom tê-los e poder continuar essa rica convivência. Vamos ao texto:

"Umberto Eco após uma análise filosófica disparou: ”Redes sociais deram voz a legião de imbecis”. Da minha parte, confesso, não sou tão radical assim, pois navego tranquilo, Camões dizia que “navegar é preciso, viver não é preciso”, ou seja, navegar tem toda a precisão necessária para tal, tem previsibilidade, tem toda uma técnica a apoiar a situação a cada momento da tormenta ou não, trazendo tal entendimento para os dias atuais, temos então a “internet”, como a grande nau amparada por aparatos tecnológicos precisos, enquanto que a vida, nela sim, nada é preciso, não há precisão, pois ocorrem sempre situações inusitadas, nunca conseguimos saber exatamente o que vai acontecer amanhã, sequer podemos prever o minuto seguinte, e vivemos assim nessa incerteza cotidiana, até o derradeiro e fatídico certo, mas certamente com incerto dia final.

Ao navegar vou saboreando (como diz o HPA do Mafuá) manifestações proferidas por todas as tribos, desde reles imbecis de carteirinha até os gênios da sabedoria factual, pessoas muitas vezes sem o menor preparo moral e mesmo intelectual, invariavelmente proferindo aleivosias digitadas em um português dramático, pois dissociado das regras gramaticais mais comezinhas, e por sua vez também ora ou outra topamos com gente cabeça pensante, oxigenados de intelecto, visionários, com sábias intervenções, elegantes e cordiais colocações, o Jornalista Silvio Rodrigues é um bom exemplo do que digo da banda boa, de uma safra em franca extinção, dotado de uma capacidade impar em bem analisar o mundo em movimento cada vez mais acelerado, assim não faço acepção de pessoas, fico na verdade imensamente feliz em saber que essa possibilidade de livre expressar-se estendida a todas as matizes, informa-nos que realmente estamos no caminho da democracia, hoje podemos exteriorizar nossas opiniões, leio tudo avidamente, das mais imbecis intervenções as mais geniais, que inclusive, confesso, as geniais, acabo as adotando como se minhas fossem, muitas guardadas para um momento oportuno serem disparadas feito mísseis teleguiados.

Nascemos no século passado, isso diz respeito a este escriba, e, a quem escrevo esta missiva, o meu amigo Murilo, uma vez que, contemporâneos somos de uma época em que nossa adolescência se deu em plena ditadura militar, ouvindo nossos pais falando a boca pequena, quando não, calados, amordaçados, amedrontados, sem proferirem juízos de valor, afinal as paredes tinham ouvidos, afloravam oportunistas de plantão, anos de chumbo que nos impregnou de todos os medos, medo de falar, medo de nos expressar através da escrita, medo de usar a própria bandeira do Brasil e assim crescemos com medo dos comunistas que segundo nos informavam comiam criancinhas, do lobisomem que aparecia nas noites de lua cheia e de outras mazelas, invariavelmente lendo os jornais com receitas de bolo nas primeiras páginas, assistindo Amaral Neto o repórter e acreditando piamente no milagre brasileiro, onde o economista Delfim Neto tinha uma máxima “primeiro o bolo tem que crescer para depois ser repartido”.

Até hoje estamos aguardando o crescimento do “tal bolo”, aquela época virou história, diga-se, até hoje muito mal contada, com cadáveres insepultos e torturadores ociosamente impunes vagando por aí ao nosso derredor, hoje os jovens da geração “cabeças- baixas” nada sabem disso, e também não querem saber, já nascem apertando as teclas do celular, do computador, e falam pelas digitais que compulsivamente vão “catando milho” e criando a comunicação nas redes sociais.

Estamos ainda aprendendo a usar a nossa liberdade de nos expressar, daí os exageros, daí nossa inexperiência, a desajeitada arrogância que nos acompanha, as ofensas gratuitas tão maléficas como desnecessárias para a comunicação que ainda teimamos em agrega-las, ainda cuspimos no chão, jogamos lixo no passeio público, mas já estamos avançando mesmo que pausada e gradualmente. Portanto Murilo, não se exalte com as intervenções nas redes sociais, nem mesmo as mais desairosas, o aumento da pressão arterial só leva a um consumo maior de “losartana”, ou um derrame na pior hipótese. O Pedro Valentim tem uma máxima: “Você pode tomar uma(s) cervejinha no final de semana, mas não deixe de tomar a “losartana” diariamente”. Portanto Murilo, você pertence ao grupo de elite, ao qual me referi, acompanho suas manifestações junto ao Face Book, sempre inteligentes e pautadas pelo bom senso, mas saiba nem todos tem esse discernimento, então não se apoquente com certos tipos.. aprendi por experiência própria que não vale a pena .. e vamos em frente. Está na hora de tomar meu losartana. Até.

OBS. O Murilo Coelho é um querido amigo de infância, da época em que pra jogar bola de “capotão”, a molecada tinha que limpar o terreno baldio da esquina e pedir jogo de camisa para o Franciscato, que tinha o lema: “Franciscato o amigo das crianças.” Ao ler suas intervenções me veio à inspiração para esta missiva.".
José Hermann Schroeder Jr. Advogado – OAB/SP 107.247

Um comentário:

Anônimo disse...

Obrigado, Henrique Perazzi de Aquino. O nosso amigo em comum Hermann Schroeder Junior é um sábio. Ele me fez refletir melhor. Apesar de eu ainda continuar achando que os tais babacas políticos na verdade são antidemocratas, a construção da democracia nos leva a conviver até mesmo com os que não tem muito conhecimento na mente, em especial de ciência política. Seguiremos acreditando que o mundo vai melhorar e que um dia, quem sabe, as pessoas vão preferir os pensamentos humanistas e deixar de se agarrar ao materialismo, aquele que origina o neoliberalismo.
Murilo Coelho