domingo, 4 de novembro de 2018

MEMÓRIA ORAL (233)


GERALDINHO - COMENDO PELAS BEIRADAS DA CIDADE
A decisão mais sensata dos últimos tempos é daqui por diante privilegiar as beiradas da cidade para tudo. Esquecer um pouco a Zona Sul, essa que tem sua predilação por regatear com o destino do país, preferindo se agarrar a um fio desemcapado do que seguir pelo caminho da construção libertária (poderia dizer democrática, mas não acredito mais nela). O povo errou na hora do voto, mas entendo os seus motivos, pois corresponde a milhões que não demos escola (sim, também tenho culpa) e com quem não sabemos falar, como apontou Mano Brown. Vítimas não podem carregar essa culpa e daí me enfronho em suas entranhas, no lugar onde estão para vivenciar o outro lado, ver de perto, sentir o que ainda pode ser feito ao longo do tempo para reverter o que foi lhe enfiado goela e cabeça abaixo, martelado diariamente por essa mídia insana. Daí, na hora do almoço dentre tantas possibilidades e querendo comer uma feijoada aceitamos o convite do amigo Sivaldo Camargo e fomos dar lá pelos lados do Redentor.

Eu já conhecia a fama do Geraldinho, uma marmitaria mais que especial, na rua paralela ao início do acesso para sair da cidade. Do outro lado da rodovia o Distrito Industrial e do de cá, o bairro, o segundo mais antigo de Bauru, mais de 50 anos de existência. Desconheço outro bairro com tantas praças no seu interior. E olha que o Redentor não é tão grande, mas é um belo reduto de muitas praças, ruas estreitas e casinhas bem próximas uma das outras. Sivaldo me explica no seu entendimento o que vem a ser isso: "Há 50 anos, quando foi entregue, não se imaginava que o suburbano teria condições de ter seu próprio carro, daí as ruas foram feitas bem estreitas, mais para passarem os carros de coleta de lixo, ônibus são nas vias nas beiradas. São casas com poucos espaços de quintais, tudo bem aproveitado. O lazer eram as praças, o povo sentava nas calçadas e ficava conversando debaixo das árvores". É nesse ambiente que Geraldo, um morador dessa rua ladeando o acesso para a rodovia vê diante de si uma possibilidade de um pequeno empreendimento.

Nasce a marmitaria, que hoje faz o maior sucesso. Ela ferve nos dias de semana, reunindo não só a gana de trabalhadores do Distrito Industrial, mas já trazendo para ali gente de tudo quanto é lugar da cidade. O forte continua sendo a marmitaria, mas na falta de um espaço para atender a crescente clientela, na calçada do outro lado da rua, debaixo de uma sombra das mais frondosas, muitas mesas, em aproximadamente uns 80 metros, todas cheias. Hoje, sábado, dia de feijoada, temperatuara elevada, o lugar ferve. Nem todos pedem para entregar, preferindo comer no local. No calor dessa tarde, batia um ventinho dos mais aprazíveis por lá e quem, como eu, Ana Bia Andrade, Rosangela Maria Barrenha e o Sivaldo Camargo lá estivemos, privilegiados. Sivaldo mora há poucos quarteirões e conhece todo mundo no pedaço (o garçon mais antigo do lugar trabalhou com sua mãe no seu famoso buffet) e ciente de que hoje os lugares mais arejados estão nos confins das cidades, intimou todos para subirem a serra da avenida Rodrigues Alves e dar de cara no Geraldinho.

O Geraldinho é Redentor de quatro costados e descobriu ali um filão dos mais promissores. Não é de hoje sua fama no quesito marmitex. Tem muitos que pedem do outro lado da cidade e a entrega é feita sem maiores problemas. Sabendo aguardar, todos são atendidos. Pergunto ao mesmo garçon, o mais antigo do pedaço, vendo uma foto do Geraldo numa camiseta do time do bairro, no Amador da cidade: " Ele jogou no Redentor?". Ele ri e me explica tudo: "Geraldinho, creio eu nunca jogou bola na vida, mas gostava muito, principalmente do time aqui do bairro, um dos seus maiores incentivadores. Não sou parente dele, mas baita amigo, deixou muita saudade, bebemos esse bairro inteiro juntos e várias vezes. Esse lugar é a continuidade de sua existência". Hoje a especialidade foi uma suculenta feijoada, dessas de fazer o restaurante ser obrigado a entregar o cliente em sua casa, tal a precariedade e o estado que o comilão fica após após o regabofe. A cumbuca vem lotada e numa quantidade de endoidecer gente sã. Tudo por R$ 18 (pedi para embrulhar o que sobrou e vou comer feijoada o resto da semana). Tinham outras opções, como um prato feito de parmegiana, muito cheirosa. Tudo muito bom.

O vento batia em nossa cara, a cerveja estava gelada (lá eles vendem só Brahma), o atendimento foi bom, gente sempre pronta a uma boa conversa e tudo o que um bairro longe do convencional da Zona Sul pode proporcionar. Rose Barrenha não se segurou nas pernas ao ver diante de si um carrinho de raspadinha e não sossegou enquanto não foi ver de perto e matar saudade do barulhinho da raspagem do gelo. A conversa fluiu de uma forma mais que saborosa e todos chegamos ao mesmo entendimento da coisa: o país estará um tanto complicado daqui por diante e nada melhor do que sairmos todos do trivial e nos bandearmos pras beiradas do mundo. De tudo, a última observação fica para a cor das paredes e da vestimenta dos funcionários, o vernelho, essa um tanto estigmatizada nos últimos acontecimentos. Tomara que não invoquem com ela ali nas paredes, pois na enquete feita entre os frequentadores, funcionários e passantes ficou constatado nada ter a ver com ideologia política. Trata-se de simples questão de preferência e gosto de seu idealizador, o saudoso Geraldinho.

4 comentários:

Mafuá do HPA disse...

COMENTÁRIOS VIA FACEBOOK 1:
Roseli Aparecida Silva Olha tia Marisdalva Dias, acho que é lugar onde o tio pega marmitex.

Juliana Guido Amo raspadinha! Comprei uma máquina de ralar gelo na Liberdade para fazer em casa, com groselha. Gosto de infância.

Henrique Perazzi de Aquino Gente amiga, como sempre, explico algo. Escrevo no calor dos acontecimentos e sempre sem muito tempo, sai tudo de uma só golfada, ploft e pronto. A lapidação só ocorre depois, nas outras releituras. Peço compreensão. Sou assim, escrevo e publico. Os erros vou corrigindo, como já fiz uma vez e farei outras, com o passar do tempo. Todos meus textos são assim, sujeitos à infinitas correções. Nada está definitivamente pronto. Quem ler agora, vai encontrá-lo com menos erros. Entendem, eu havia bebido e comido demais da conta, a vista estava turva e as letrinhas se misturavam diante dos olhos.

Valdir Ferreira de Souza Conheci muito o Geraldinho, pois morei muitos anos no Redentor, passei minha infância ai, bons tempos.

Marisdalva Dias · 5 amigos em comum
E sim Roseli k legal não sabia k era assim

Roseli Aparecida Silva Tbm não conhecia, só peço por telefone 😉

Mafuá do HPA disse...

COMENTÁRIOS VIA FACEBOOK 2:
José Xaides Alves Linda crônica HPA . Pego um gancho nas suas observações urbanísticas sobre várias praças ruas estreitas e casario geminado ao lado, por ter estudado muito no meu doutorado ( Voçorocas do Poder Publico) os raros exemplares em Bauru onde o espaço público foi protagonista do desenho urbano do bairro. O projeto do Redentor é paradigmático para Bauru e mesmo o Brasil; foi um dos primeiros projetos do BNH de 1964 ( já na ditadura militar); contudo carregava ainda uma influência de um pensamento do urbanismo moderno progressista voltado para as classes trabalhadoras que migraram para as cidades e quando se respeitou uma preocupação de nível internacional com a qualidade desse morar onde não só devia-se prover das unidades habitacionais, mas de todos os equipamentos urbanos para educação, saude; lazer, esoorte e mesmo espaços de cultos religiosos,,,tudo próximo e com acessos fáceis ao pedestre,,,. DA mesma forma havia uma preocupação urbanística em hierarquizar o sistema viário,, é por isso que se encontra miolos em torno das "praças" as ruas mais estreitas _ locais; onde a vida das pessoas se estendem nas praças; estas ruas vão se encontrar com vias coletoras de Todo o bairro e estas às Vias maiores - marginais às rodovias ou Avenidas do entorno como a Cruzeiro do Sul.
O Redentor sob o ponto de vista urbanístico é "cópia" de um modelo denominado de Cidade Linear; criado por Arturo Soria para expansão de bairros operários para a cidade de Madri na Espanha;;; e descrito no livro História da Arquitetura Moderna de Leonardo Benévolo,,,, uma proposta de expansões sucessivas de eixos de moradias populares que em Bauru ficou restrito ao Redentor,,,,,e até por isso deveria ser um bairro cuja preservação urbanística deveria ter interesse público...

Bem;;;; depois deste bairro Redentor,,,,, e suas qualidades,,,, o que se viu nas propostas urbanísticas pós ditadura militar foi a morte gradual do Espaço Público...

Mas aí é papo pra outra hora,,,

Parabéns Deus conosco.

Sivaldo Camargo josé Xaides Alves, muito interessante seu texto e os esclarecimentos sobre o bairro, moro aqui desde sempre.

Mafuá do HPA disse...

COMENTÁRIOS VIA FACEBOOK 3:
Henrique Perazzi de Aquino Também achei. Como tem coisas mais do que interessantes de cada bairro da cidade, desconhecidas de todos nós e pelas quais deveríamos tomar conhecimento. Grato pelo José Xaides Alves ter possibilitado isso nesse.

Juliana Guido José Xaides Alves adorei a aula! Obrigada!

José Xaides Alves Sivaldo Camargo cuidem sempre desta jóia urbanística meu caro, Abç.

José Xaides Alves Henrique Perazzi de Aquino meu amigo HPA, vai aqui uma dica de possível destruiçôes patrimôniais da Arquitetura e Urbanismo moderno de Bauru apenas por "desconhecimento" de causa dos agentes públicos e privados que acham que lutarão mais em destruir o existente que preservá-lo...é o caso do Jardim Estoril II , e suas casas Modernistas (arquiteto Fernando Pinho) nas fachadas da Comendador agora aprovadas como possibilidades de alterações de uso e forma para comércio e serviços nos ditos " Corredores Comerciais" que por si só estimulam as "mortes noturnas destes eixos como aconteceu no Centro da cidade, a Contragosto de cerca de 250 famílias do entorno que adquiriram seus lotes como exclusivamente residenciaias;;

Neste caso é um bairro baseado em conceitos das ditas "cidades jardins* para classes mais altas, muito arborizadas, com uma praça continua que interliga todas as quadras no sentido transversal e que em Bauru alterou o modelo de quadras quadradas (100x100 m dos eixos das ruas); um bairro de classe média aberto que demonstrava ser possível maior privacidade de trânsito de automóveis sem a Necessidade dos muros dos atuais "loteamentos fechados* que impedem o "ir e vir" públicos.

Detalhe,,, nem poder público e nem proprietários demonstraram conhecer alternativas de instrumentos de incentivos econômicos mais favoráveis à preservação previstas no Estatuto da Cidadd, que a própria lógica do demolir e reconstruir as porcarias urbanas que poderão surgir em substituição a aquelas belíssimas casas,,, que bem poderiam ter destinos também de usos colerivos públicos ou privados para a cidade...

Forte abraço e parabéns ás suas crônicas urbanas com jeito de Gregório de Matos Guerra, o" BDI".

Deus conosco.

José Xaides Alves José Xaides Alves onde escrevi ,,,acham que lutarão ,,, é ,,, acham que lucrarão,,, kkk ,,,,

Mafuá do HPA disse...

COMENTÁRIOS VIA FACEBOPOK 4:
Marisdalva Dias · 5 amigos em comum
Agente come a marmita dele é muito boa uma delícia 😍😍

André Duarte Cara boa essa feijoada hein

Sivaldo Camargo Outra curiosidade, todas as ruas do Redentor são com nomes de santos, são santos que ninguém nunca imaginou que pudesse existir, mas como o José Xaides Alves descreveu sobre a construção do bairro que é um modelo Espanhol, o interessante é que todas as ruas horizontais são com o nome de santa e as verticais com nomes de santo.

José Xaides Alves Sivaldo Camargo interessante,,,, preservem tbem isso,,, os bairros antigos tinham suas denominações de ruas pré fixadas pelos loteadores e muitas vezes buscando dar coerência simbólica e formal à concepção urbanística,,,, tudo passou a mudar depois que as prerrogativas destas denominações passaram a ser de vereadores por outras razões de menores interesses públicos. Abç.