BEIRA DE ESTRADA (101)

A VIDA MAIS QUE DURA DA DIÁRIA SOBREVIVÊNCIA NAS RUAS

1.) PARA SOBREVIVER JOAQUIM VENDE DOCES DEFRONTE O ITAÚ

Quem se sensibiliza com as agruras do povo mais simples, os que fazem de tudo e mais um pouco para sobreviver, recolhendo migalhas diárias, andando em andrajos, comendo mal, alheios a tudo à sua volta, sabem do que escrevo quando encontro um desses e resolvo escrever algo, descrever a situação em que vivem. Se a situação desses já é um descalabro, imaginem todos como deverá ficar com o país capirotista virando-lhe totalmente as costas e deixando-os ao bel prazer, sem nenhum tipo de assistência. Escrevo desses como denúncia, de algo passando despercebido por muitos, que passam por eles e nem os enxergam, contornam como se ali não existisse ninguém.

JOAQUIM GOMES, não se espantem, completou apenas 55 anos, mas sua aparência denota muito mais e isso se deve ao o que a vida tem lhe reservado nos últimos tempos. Hoje mora num pequeno cantinho da vila Falcão, onde diariamente, de segunda a sábado, sai de casa logo pela manhã, puxando um pequeno carrinho e nele alguns doces, comprados nem sabe como e revendidos em dois lugares, defronte o banco Itaú da Ezequiel Ramos ou o supermercado Paulistão, da rua Treze de Maio. “Venho uma hora caminhando, todo dia, faça sol ou chuva, já há três anos e me instalo na calçada. Aqui passo a maior parte do tempo do dia, aqui peço respeitosamente para as pessoas me ajudarem”, diz. Ele aborda as pessoas, chamando-as de “doutor” ou “doutora”. Mora com a filha e quatro netos, um como pode ajudando o outro. Ganha o suficiente para levar algo para casa e comprar o produto para o dia seguinte, mas junto dos doces estão cartelas do “Híper Saúde” e lhe pergunto se ganha algo dessas vendas. “Eu gosto de ajudar o semelhante. Se quem vendi ganha algo, espero uma ajuda, uma retribuição. Faço para ajudar a Saúde, como vejo escrito na cartela que vendo, sem ganhar nada por isso”, responde. Esteve tempos atrás em outra situação, oriundo do campo, nasceu em Florida Paulista, já foi fiscal de fazenda, carpiu café quando criado na roça, depois trabalhou em usinas de açúcar e fez todo tipo de serviço manual, até não mais conseguir atuar como dantes, daí não teve outra coisa a fazer, vindo a pedir defronte o banco. De suas lembranças do passado faz questão de recordar da Fazenda Santa Amélia, local onde nasceu e viveu até adolescência, em sua cidade natal, como reafirma, o melhor tempo de sua vida, “depois muito sofrimento”.

2.) AMANDA FEZ UMA OPÇÃO DE VIDA, SOFRE, MAS NÃO SE VERGA

Essa história eu tomei conhecimento ontem, mesmo a conhecendo desde uns meses. Juntei as duas coisas e escrevo dela, ressaltando a força interior inerente a cada um em resistir a tudo o que nos acontece nos tempos atuais. Cada um reage de uma forma, a dela é salutar e merece o destaque. Primeiro conto de um pedido de socorro, algo feito por ela nos últimos dias da campanha eleitoral. Ela estudante de Direito na Anhanguera e vendo o ambiente dominado por bolsonaristas, clama ajuda para algo defronte a universidade. Uma turma vai até lá e junto dela, recebe os estudantes numa noite. Todos puderam conhecer um bocadinho do que se passa por lá e melhor que tudo, conhecemos melhor essa resistente lutadora.

AMANDA HELENA GIMENS DE SOUZA, divorciada, mora com o filho de 20 anos, numa casa de fundos, extenso corredor, defronte onde foi um dia o Cadeião da Baixada. Vive uma vida digna, porém dura. Inflexível em seus valores diz ter tomado uma decisão tempos atrás, a de não se vergar mais e ciente dos problemas advindos disso, paga o preço. Trabalha e ganha algum no que aparece, mas antes analisa se a pessoa não é um algoz, opressor e se for, desiste de imediato. Faz de tudo um pouco, desde trabalhos escolares, faxinas, bicos em eventos e esporádicos variados. Tem curso de Gestão em Segurança Pública, exerceu por anos a função de inspetora de alunos, mas ultrajada se exonerou e foi tentar viver a vida sem ninguém lhe diatando ordens. Conclui por esses dias o curso de Direito, junta tudo e segue acreditando ser possível. Criou os filhos, viveu intensamente a vida e após passar pelas mais diferentes e variadas experiências profissionais, deu uma guinada e um bicudo no que lhe oprimia. Tenta ao seu modo e jeito sobreviver sem se vergar, sem ser humilhada e ser obrigada a ser subserviente a tudo o que representa esse cruel e insano sistema político onde vivemos. Consegue seu intento há duras penas e assim segue altaneira, uma pessoa cheia de luz, muito gás próprio, resoluta e decidida. Pessoas fazendo das suas para seguir caminhando com o devido brio, olhos muito brilhantes são um encanto nesse mundo cão. Quando tantos (as) se vergam, se deixam levar, se vendem por tão pouco, tomar conhecimento da história dos que resistem é algo para recarregar as baterias dos ainda resistentes.