quarta-feira, 22 de maio de 2019
AMIGOS DO PEITO (159)
SEU GILMAR SEM A CARROÇA E O CAVALO, ENFIM, AGORA ELE É MAIS UMA CARROÇA HUMANA PERAMBULANDO PELA CIDADE
Em 22/04/2015, publiquei isso no meu blog, o Mafuá do HPA: “GILMAR E SUA CARROÇA, ESSE SEU MEIO DE SUBSISTÊNCIA - A polêmica está estabelecida, mas como em tudo nessa vida existem sempre os dois lados da questão. O uso do animal como tração de meios de transporte foi amplamente utilizado por séculos. Foi até instrumento de guerra, encurtando espaços e mesmo transportando material bélico. O uso das carroças nos centros urbanos também foi amplamente utilizado. Hoje nem tanto, ou quase extinto. Uns poucos ainda fazem uso delas em centros urbanos como Bauru e em sua imensa maioria, os que ainda se utilizam o fazem por extrema necessidade. Entender os dois lados mais do que necessário. Ninguém é a favor de maus tratos com animais, isso abominável, mas no momento da aplicação da coercitividade da lei, muita coisa precisa ser levada em consideração. Apresento uma delas.
GILMAR PEREIRA DE SOUZA é um senhor de alta estatura, com 50 anos de idade, mas aparentando ter bem mais, pois pelo tipo de trabalho e sua situação financeira onde está inserido, o seu desgaste físico foi inevitável. Vê-lo de perto, com a boca desdentada, roupas em frangalhos, pele muito queimada pelo sol é a constatação disso. Circula pela cidade numa carroça e nela o único meio de subsistência dele, da esposa e dos filhos. Dentre tudo no seu entorno, o cavalo parece ser o com melhor tratamento. Não aparenta nenhum mal trato e segue ao lado do seu Gilmar pelos caminhos e descaminhos bauruenses. Ele vive da coleta de reciclados e também de pequenos fretes. Transporta uma coisinha aqui e outra ali. Dessa forma compra a cada dia o que leva para os seus se alimentarem. Tudo em sua casa ele conseguiu de doações e nas andanças pela cidade, sempre tudo sendo carregado pela carroça. Mora na baixada do Bela Vista, rua Olímpio Petroni, imediações da linha férrea, local com muito verde pela frente, onde diariamente colhe o alimento para seu cavalo. Carrega consigo uma cuia para dar água durante o dia para o animal. Essa sua vida, de sol a sol, sem tréguas, pouco descanso e de pura sobrevivência. Se me perguntarem ser contra ele utilizar o cavalo para isso, não saberei responder a contento, pois a questão não é assim tão simples. Antes disso se faz necessário analisar muita coisa no entorno e cada caso é um caso”.
Ontem, 21/05/2019, após vários outros escritos tendo ele como referência, eis que ao estacionar meu carro diante do Mafuá (ainda se recuperando do alagamento), eis que o vejo, ele e a esposa. A carroça já faz parte de um passado distante, pois teve que vendê-la, ela e o cavalo, para pagar dívidas e não tendo mais como saldá-las, a saída encontrada foi se desfazer dos bens. Pagou algo e me diz: “A mulher me cobrava a todo instante, de cabeça quente, sem tem de onde tirar, ficamos os dois a pé e agora o cavalo e a carroça somos nós, pois nada mudou, continuo andando pelas ruas de Bauru em busca de algo que vejo pelas calçadas, carrego e vejo se consigo fazer algum dinheiro. Pego de tudo, desde móveis, roupas, latas, garrafas e tudo o que possa me dar do que comer”. Está sem a carroça já faz bem uns três anos e sua vida, desde então, só piorou. Emagreceu, está mais queimado de sol, sua alimentação tem piorado e tem andando cada vez mais, algo que não pode nem pensar em parar, pois se o fizer morre de fome. Eu o reencontro regularmente pelas ruas de Bauru e também no meu portão, pois além da amizade de mais de décadas, ele não pode me ver e já pede coisas, como ontem, mostrando seus pneus em petição de miséria, diz estar tentando montar um novo e pede se posso lhe pagar as câmaras de ar, me indicando até onde poderia fazê-lo, com preço e tudo. Não pude, mas lhe dei roupas. Ele quer continuar poder rodar pela cidade, com câmara de ar melhores que as atuais, pois me diz: “Ela estouram demais, fáceis demais, velhas e já com muitas emendas e remendos, preciso de novas, pois quando acontece na rua o peso dobra e tenho que puxar o carrinho, muitas vezes cheio e ainda arrastando um pneu furado. Nem sei como consigo, mas consigo”.
Seu Gilmar é aroeira em pessoa, verga mas não quebra. Tempos atrás me pediu um rádio e lhe dei um. Depois me disse: “Muito obrigado, mas nem sempre posso ouvi-lo, pois a luz nem sempre está ligada lá em casa”. Histórias como a dele existem aos borbotões por esse país, cada dia mais miserabilizado e com muitos dos seus nem atinando o que se passa de fato nos bastidores de sua condução, pois como se pode querer cobrar consciência política e entendimento do momento atual de quem não possui o básico, lutando para conseguir comer e para isso uma infindável luta, sem tréguas e descanso? Cada vez mais vejo outro tanto na mesma situação e com a insensibilidade do desgoverno atual, isso só aumenta.
"NÃO HÁ NADA MAIS PODEROSO QUE UMA BOA HISTÓRIA" Reproduzo o publicado pelo amigo argentino Daniel Paz (ele maravilhosamente publica uma charge diária no melhor jornal impresso do nosso mundo, o argentino Página 12), quando deixa a pergunta e o questionamento no ar, com a foto extraída de um filme famoso em carta - Eis o link: https://www.facebook.com/photo.php?fbid=2167091613346628&set=a.136357379753405&type=3&theater). Eu sou vidrado nas boas histórias, elas me comovem, movem e arrastam, pois paro tudo para absorvê-las no exato momento em que as presencio. É comum parar o carro, esquecer até de fato o que me trazia até o lugar onde as vejo acontecendo, tudo para dar prosseguimento ao o que meus olhos vislumbram. As uso pouco, relatos por essa via, escritos guardados, a maioria não publicados, compilados para não sei o que, enfim, um gosto por escrevinhar desse lado pouco usual na maioria do material do que vejo sendo escrito hoje. Eu gosto mesmo é de escrever sobre o que presencio nas ruas, seus personagens, sua maneira de tocar suas vidas, o povo e a forma como consegue driblar as adversidade e conseguir ir tocando o barco adiante. Meus dias são passados dessa forma e jeito, saio para meus afazeres, porém, facilmente sou desviado, deslocado para outras paragens. Incorrigível, queria ter condições de permanecer mais e mais nas "calles" (ainda saio por uma caminhada por algum recanto desta América Latina, talvez minha última) desse mundão afora, anotando em meus caderninhos pessoais, algo mais que, se alguém não contar, ninguém tomará conhecimento. Isso não é uma missão, longe disso, é algo que me toca, está dentro de mim e quero por pra fora, só isso, sem obrigações, data, performances outras. Tem tantos escrevendo tanta besteira sobre tanta coisa banal e por que não posso dar a minha atenção para com o que denomino de Lado B deste mundo? Para mim, as boas histórias estão exatamente nesses lugares. Sigo até quando puder.
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