segunda-feira, 27 de maio de 2019

COMENDO PELAS BEIRADAS (72)


UM POUCO DE COMO EU E O “PH” FOMOS DAR DE CARA COM O "PASSOCA" ONTEM NO SESC


Passoca passou ontem por Bauru e poucos tomaram conhecimento. Aqui em Bauru também temos um Passoca, músico e talvez o apelido tenha surgido do mesmo jeito do cantante paulistano. O Passoca que ontem cantarolou divinalmente por Bauru é o Marco Antonio Vilalba, santista de nascimento e caipira por adoção, ou seja, como ele mesmo disse ontem, “para ser caipira e admirar a belezura da música sertaneja de raiz não se faz necessário nascer no interior”. Ele é praieiro, mas pegou gosto desde cedo e toda sua trajetória musical está ligada a música de raiz, principalmente enraizada no interior paulista. Tem pelo menos dois discos seus contando da trajetória dessa música e seus expoentes. Num deles, ele revê o que de melhor o grande João Pacífico produziu. São trabalhos não muito conhecidos do grande público, mas todo bom violeiro, pelo menos os que se prezam conhecem algo da pesquisa que o Passoca vem desenvolvendo ao longo de décadas dentro da música brasileira.

Pois bem, ele estava se apresentando ontem em Bauru e tocou no SESC (sempre ele), num horário pouco usual, 11h da manhã, em pleno domingo. Quem frequenta o SESC sabia de sua presença, pois o anúncio do seu show se fez numa página inteira da revista mensal com a Programação da unidade de Bauru, a de Maio. Mesmo não conhecido do grande público, seu show, “Toadas” estava assim anunciado pelo SESC: “Projeto que apresenta a versatilidade da viola, passando pela delicadeza e sensibilidade das modas, a releitura de músicas tradicionais em arranjos contemporâneos e novas experimentações do gênero”. Tinha mais para aguçar a curiosidade dos interessados: “Breve História da Música Caipira – O show apresenta a dualidade cidade-campo, a poética urbana sobre um suporte harmônico de viola caipira. O cantor Passoca interpreta músicas de artistas clássicos do mundo da viola com Raul Torres, João Pacífico, Alvaregna & Ranchinho, Teddy Vieira entre outros, intercalando as composições com “causos” e fatos históricos que formam a história da música caipira”.


Tempos atrás, creio que, pelo menos uns cinco anos, eu Ana Bia, Sivaldo Camargo e mais outra pessoa que não me lembro fomos assisti-lo em Jaú, no hoje fechado teatro Elza Munerato e saímos de lá extasiados e com o CD dele cantando o João Pacífico. Digo e confirmo isso do “extasiados”, pois Passoca tem um jeito só seu de cantar. Um senhor não tão velho, 69 anos nos conta, cabelos brancos e um bigode dos mais vistosos, sempre em primeiro plano na capa dos seus discos e nos cartazes dos seus shows, desses que afinam na ponta, denotando bom trato e cuidados especiais. Além disso, cuidados especiais ele tem com o seu repertório e no jeito todo especial com que manuseia suas violas. Ou seja, um caipira de fino trato, com um belo chapéu a ornar seu cocorutcho, igual aos que uso, só que o dele original e o meu, comprado por R$ 10 reais em feiras como a do Rolo bauruense.

Falando em feira, estava na feira dominical ontem, tomei uns chopps e por lá encontrei o PH, o Paulo Henrique, um dos maiores colecionadores de LPs de Bauru, desses a entender de tudo em questão musical, principalmente MPB. Ele me caiu do céu, pois no meio daquela balbúrdia estava a perguntar para mim mesmo: "Quem daqui pode conhecer o Passoca?". Olhava para os lados e nada, daí dá-lhe chopps. Foi quando o PH surgiu assim do nada e o convidei para tomarmos mais um no Bar do Barba, ontem servindo Germânia diretamente de uma perua com torneiras instalados nas suas laterais. Foi quando lhe perguntei: “Você se lembra do Passoca?”. Primeiro me falou do cantante bauruense, amigo de nós dois, mas não era dele que buscava forçar sua memória. Não foi difícil e sendo nós dois, talvez os únicos ao redor que o conhecia e com o horário já batendo quase 10h45, disse para ele: “Ele está tocando no SESC agora, 11h, vamos pra lá?”. Sua resposta foi o sinal para aceitar a troca sugerida: “Se depois você me levar em casa, topo”. Topado, fomos.

Chegamos com o show em andamento, havia começado e pouca gente na plateia. Tenho certeza que os violeiros de Bauru não sabiam da presença do artista pela cidade, pois pelo menos os cantadores de moda caipira, deveriam estar por ali, marcar presença a prestigiar a belezura que assistimos a seguir. Ele só tocou clássicos e com arranjos bem seus, um primor. Enquanto Passoca dedilhava sua viola, PH relembrava que algumas das canções ali relembradas e revividas tiveram seu início miraculoso em Bauru, tempos ainda da Bauru Rádio Clube, a PRG8. Eu ouvia a história de cada música pela voz do Passoca e do meu lado, PH complementava com um algo mais. Quer dizer, acertei no milhar, eu e ele ali sentados na fila do gargarejo e a saborear algo inebriante. Gravei duas canções pelo meu intrépido celular e as tento reviver por aqui para quem quiser tomar conhecimento mais de perto disso tudo que escrevo de uma só sentada e com poucas correções: https://www.facebook.com/henrique.perazzideaquino/videos/2689803344382991/.

Tirei uma foto até do repertório dele, escrito num papel, esses que os artistas deixam junto aos pés, para ir seguindo, não atrapalhar e confundir os músicos. Foram umas quinze e depois mais duas de sua autoria no bis. No encerramento vamos para o bate papo. Não resisto e compro dois novos CDs dele, o "Suíte Paulistana" e o mais recente "Duofel e Passoca", ambos com patrocínio do Proac, o hoje quase extinto Programa de Ação Cultural do Estado de SP. Boa conversa, que só não se estendeu por mais tempo, pois seu filho, o baterista que o acompanha tinha show em Sampa às 18h30 e tinham que voltar rápido, comer na estrada. Do seu filho, quando lhe falamos sobre os trens, que PH trabalhava no Museu Ferroviário, o cara abriu baita olhos de admiração e nos mostrou uma tatuagem pegando todo seu braço, com uma locomotiva ali estampada. Foram mais alguns minutos discorrendo sobre o amor dele pelos trens e nós, sobre o que representou a famosa estação da NOB para a história das ferrovias brasileiras.

Passoca não se avexa mais com pouco público. Ele tem o seu, cativo, mas sabe que sem boa divulgação entre os violeiros de um lugar, sendo suas músicas direcionadas para gente que gosta desse gênero, sempre poucos estarão presentes. “Já me acostumei”, disse. Por mim, tenho a mais absoluta certeza de que, o que faltou aqui foi fazer um boca a boca junto aos violeiros locais. Temos por essas bandas muitos que gostam demais de música caipira de boa qualidade e ontem, sem tomarem conhecimento, a frequência foi baixa. No Jornal da Cidade uma única nota na coluna do Rufino e sem foto, nada mais. Pelas rádios e TV, creio nada saiu. Eu e o PH lá estivemos e na volta, saindo quase junto da van levando o trio de volta para Sampa, voltamos cantarolando sertanejos e relembrando histórias do arco da velha. Eu e PH, sabemos que já estamos dobrando o Cabo da Boa Esperança e gostamos mesmo é de gente, histórias, músicos e canções tiradas lá do fundo do baú. Assumimos já estarmos desgastados pelo tempo, porém, como Aldir Blanc apregoa num dos seus mais lindos sambas: “Envelheci, mas continuo em exposição”. Arruaça para nós é isso, nossa bagunça é feita desse modo e jeito. Esbórnia pra nós é isso.

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