domingo, 11 de agosto de 2019
ALFINETADA (181)
EU SAIO EM BUSCA DE... Meus domingos pela manhã aqui pelos lados da aldeia bauruense só são saborosos, pois temos a feira da Gustavo e dentro dela um dos espaços mais democráticos desta cidade, o quadrilátero da Feira do Rolo e adjacências. Isso tudo é um mundo a parte, algo surreal dentro de uma cidade querendo se inserir nas leis de mercado. Nesta feira as regras são bem outras, estabelecidas pelos seus e ao adentrar aquele sacrossanto lugar, esqueça tudo o mais e para ter algum proveito, se desligue da tomada, se desplugue de tudo o mais, daí um recarregar de baterias, alívio para os próximos dias. Saio de casa preparado para tudo, sempre com um pouco de sal grosso nos bolsos, arruda atrás das orelhas, camisinha na carteira, trocados extras na meia, sem papas na língua e preparado para o que der e vier. E sempre vem.
Já acordo com o amigo Sivaldo Camargo me enviando uma linda foto de uma quase vizinha lá dele, a Mônica, moradora de rua, uma que um dia teve um lar, família e filhos, mas por causa desses desencontros todos da vida, acabou indo morar debaixo de uma passarela na rodovia ali perto. Vive hoje de juntar reciclados e surge sempre assim do nada diante do seu portão e o chama carinhosamente de "ô meu nego". Ele a atende, traz água, o que comer, puxa conversa e hoje, dia ainda escuro, estava mais alegre que nunca, pois tinha como pisante uma sandália dourada. Ela posa para a foto, queria mostrar e ele, sem saber o que fazer, quis me contar, recebo a foto, a mais linda do dia, rica demonstração de uma alegria despontando assim do nada. Como não ouvir, estar atento, tentar compreender e ver o que ainda pode ser feito para gente como ela? Eu e Sivaldo nos derretemos com essas ricas possibilidades de troca de experiências, intercâmbios ainda possíveis.
Desço pra feira com a imagem de Mônica na mente, aporto em primeiro lugar na Banca do Carioca, o livreiro da feira e como estive por duas semanas distante da aldeia bauruense, estava trêmulo pela ausência de estar longe dos livros da feira, todos com uma sabor especial. Escolho três, ganho um, faço o mesmo com CDs, oito ao todo e na escolha, em cima da banca algo pouco usual neste mundo cada vez mais dividido, apartado por desigualdades e desavenças, mas aqui ainda possíveis. Lado a lado, livros da escritora de casos sexuais, Adelaide Carraro (confesso, já prestei homenagens para personagens de seus livros quando moleque) e juntinho, parede meia, rostinhos colados, o padre católico conservador Reginaldo Manzotti. Na feira tudo é possível, isto é só o começo. Sento no Bar Barba para aguardar o filho, enfim hoje é dia dos pais e tenho o alvará liberado para estar com minha cria. Ele se atrasa e quem chega é Cleusa Madruga, linda e ao me ver, abre os braços. Faço o mesmo e nos entrelaçamos com vontade. Sua presença me traz sempre boas lembranças, dela e do Alemão do Kananga Do Alemão.
Toca o celular e quem está do outro lado é meu inquilino Izaias Silva, um cara de outro mundo, a Bahia. Veio morar na beira do rio Bauru por livre espontânea vontade e se mostra feliz, senta para o chopp e um assado, servido pelo Barba. Suas histórias são picantes e aguçam a curiosidade deste velho safado, lobo cansado, mas bom de juntar causos. "Minha vida daria um livro. Não troco por nada. Vendo coisas de cidade em cidade, conheço gente nova a cada dia. Bato palmas em residências e as vezes, a mulher sozinha, mal assistida, sou convidado a entrar e se bobear não vendo nada, mas me desgasto além do permitido". Ele, com seus olhos coloridos deve mesmo deitar fama pelas estradas da vida e ouço seus relatos com a devida atenção. Menino bom, 30 anos, cheio de sonhos e fiel ao empregador, pois nesta semana recebe proposta para outro emprego, ganhando mais, mas atrás de um balcão e o recusa, pois me diz, não conseguiria viver sem isso de estar um dia num lugar, outro noutro. Já fui caixeiro viajante e sei muito bem o que me fala.
Chega o filho e permanece comigo, ouvindo as histórias do lugar, conhecendo as pessoas. Faço questão de apresentá-lo para os do lugar. O som rola alto, com um cantante nordestino soltando a voz com a La Belle de Jour, do Alceu Valença. Levanto e vou gravá-lo. Eis aqui: https://www.facebook.com/henrique.perazzideaquino/videos/2834470426582948/. Só mesmo na feira para ver alguém cantando assim La Belle de Jour numa manhã dominical. Volto a sentar, comemos algo feito ali na hora e quem surge para conhecer a feira é Rosa Maria Tolon e seu marido, o cubano Arcia. Lindo vê-los, alguns meses do ano no Brasil, outros em Cuba. Pergunto para Arcia: "Algo assim, com esse espírito deve ter muito por Cuba, não?". Ele abre um sorrisão do tamanho do mundo e diz querer me ciceronear pela ilha na próxima ida ao seu país. Marcamos para o ano que vem e desde já começo a fazer o possível e o impossível para realizar mais este sonho. Marco de levá-lo para ouvir música brasileira por esses dias, pois volta para Cuba no final do mês. O jornalista Aurélio Fernandes Alonsotambém passa por ali para tomar seu chopp dominical, agora mais livre, leve e solto, batendo cartão como este mafuento, estando por ali em busca dessa energia sempre positiva existente no lugar.
Meu filho me sequestra e vamos almoçar juntos, enfim hoje é o Dia dos Pais. Não tem preço ele fazer questão de abrir na mesa do restaurante o livro russo (O mestre e a margarida, de Mikhail Bulgákov, escrito nos anos 30, já Stalin, publicado na URSS só anos 70) que lê, contando detalhes, histórias encantadoras para um pai. Adoro trocar figurinhas literárias com ele, hoje lendo muito mais que este velho pai, antes devorador de livros, hoje nem tanto, pois meu tempo se esvai nos dedos e nem sei justificar de como o consumo. Sento com ele diante de seu quarto e me mostra vídeos da criação do Universo. Esqueço do chopp e de todo o almoço, forço a vista, presto a maior atenção. Ele me espanta a cada reencontro, pelos seus interesses, onde anda metido e quanto mais fala, gesticula e me envolve, para que permaneça atento às suas indicações, fico cada vez mais e mais gratificado por ter conseguido construir (junta da mãe, claro) um baita filho como o que tenho. Eis um dos links a mim mostrado:https://www.youtube.com/watch…. Quando o deixo, volto para o espaço da Feira do Rolo só para fotografar algo muito simples, a programação da Associação dos Aposentados, funcionando ali naquele largo, movimentando um lugar esquecido desta cidade, com música. No Bar do Barba a música ainda rola, com o relógio já marcando 15h30 e logo mais a noite um bom forró dançante para os aposentados, algo só possível neste lugar mais que especial desta cidade, diria, aldeia. Esse lugar tem um astral mais que próprio, só deles e ao estar dentro daquele espaço, algo me diz estar tendo as baterias carregadas e se muitas vezes me atraso para voltar pra casa, a justificativa é que existem amarras, algo imantado a me segurar por essas bandas.
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