O PRIMEIRO A RIR DAS ÚLTIMAS (75)

COMO ESPERAR QUE A REVOLTA DESPONTE DESSES JOVENS QUE AMANHÃ LOTARÃO O RECINTO DA EXPO PARA VER UMA CANTANTE DE NOME MARÍLIA?
Recebo ligação de um amigo de Pirajuí com uma solicitação:

- Meu caro, preciso de um favor seu, você pode ir comprar pra minha filha e uma amiga dela um ingresso para entrar na Expo aí amanhã em Bauru? Eu te passo o dinheiro através de transferência bancária, você vai lá na loja da Roth do centro, a da Batista, só lá vende, compra e depois vejo como elas pegam contigo amanhã. É que hoje o preço está R$ 30 reais, mas vai subir, assim elas me disseram. Eu amanhã irei levá-las e vou esperar o show acabar pra trazê-las de volta.

É tão chato dizer um NÃO para um dileto amigo, desses que você não vê faz um tempão. Topei, saquei a grana repassada e fui para a tal loja. A tal loja fica na esquina da Batista, o Calçadão com a Agenor Meira e ao entrar pergunto para uma funcionária vindo em minha direção acreditando ter adentrado ali para comprar alguma roupa. Quando ela me aponta para a fila existente dentro da loja levo o primeiro susto. Ela deve ter umas trinta pessoas, no mínimo e todos fazem uma algazarra de doer os ouvidos.

Pergunto para um rapazola na minha frente e ele me assusta:

- O preço ontem era R$ 30, hoje nem sei se já está R$ 40, mas quem deixar pra comprar amanhã já deve ser R$ 50.

Não foi bem isso o combinado com meu amigo, que me envia o valor exato para a compra, mas sem me dizer que os mesmos já estavam majorados. Só então pergunto quem é que canta amanhã, enfim, deve ser alguém muito importante, grande nome, pois o alvoroço está convulsionando a loja e a fila não anda, empacada.

- Como o sr não sabe, é com a Marília Mendonça. Todo mundo aqui adora ela.

Não quis demonstrar minha burrice, pois não só nunca havia ouvido falar nela, como evidentemente não conhecia nenhum dos seus sucessos. Educadamente ele se põe a cantarolar um deles ("Saudade do meu Ex", se eu canto um negócio desses apanho em casa) e todos se voltam para nós, muitos cantando junto. Eu não sei onde enfiar a cara, pois achei a música fraca, sem sentido e num ritmo de doer os ossos.

Foi quando me deu o estalo, não vou comprar isso de jeito nenhum, afinal a fila não anda e ainda terei que botar mais grana. Resolvo bater em retirada, no momento em que umas cinquenta pessoas cantarolam a tal música junto do rapaz na minha frente e se esquecem de que o show é só amanhã. Pelo visto ninguém por ali entendeu meu gesto de abandonar a fila e ir dali sem o ingresso nas mãos.

Saio batendo o pé e ligo para o amigo, explicando a situação, insuportável para mim, um distinto senhor do alto dos seus 59 anos, amante de MPB, letras refinadas e acordes ajustados ali fazendo algo contra todos os seus ditames orientativos de uma vida inteira. Digo da fila, do preço reajustado, do tempo que perderia, da fila que não andava e de tudo o mais que tinha que fazer ainda no restante do dia. Ele não entendeu e me disse:

- Mas você já estava na fila, por que não me ligou de lá, eu te mandaria mais dinheiro. Minha filha vai ficar desconsolada. Você ficou um velho muito ranzinza e não está aberto para as novidades musicais. Eu até não gosto muito, mas não posso desapontar minha filhoca, sabe como é, né! Agora fico enroscado, provavelmente terei que ir aí buscar.

Me desculpo e lhe adianto:

- Vais penar para conseguir esse ingresso. Te desejo boa sorte, a que não tive, mas creio ficaria mais de hora ali na fila e já estava a ponto de ter um treco.

Sai dali indo depositar a grana de volta na conta do amigo e enquanto o fazia fiquei a matutar sobre isso desse conflitante momento vivido pelo país, esse golpe nos nossos costados, essa malversação toda, esses bolsomínions aprontando uma atrás da outra nos nossos costados e ali na fila ninguém preocupado com nada disso. Tenho a mais absoluta certeza que, se os ingressos acabassem ali naquele momento, com a loja cheia, haveria um quebra quebra generalizado, mas se eu num ímpeto de revolta, quisesse buscar apoio daquela massa humana para iniciar um tumulto contra o Bolsonaro, seria linchado, pois nenhum ali estava minimamente preocupado com os destinos do país ou coisa que o valha, mas sim em conseguir a todo custo o suado ingresso com desconto (amanhã vai subir de preço) para irem gritar de montão pra essa tal de Marília Mendonça, que só de raiva continuarei sem saber nada a respeito. Continuo pensando até agora sem ter chegado numa plausível solução, como que falando sozinho:

- Que teremos que fazer para ter esses jovens, como os fãs da tal Marília conosco na luta contra os desmandos? Creio que a luta se dará sem esses, os que lotarão amanhã o Recinto Mello Moraes. E ainda por cima fiquei com a relação estremecida com o até então amigo. Foi desolador para mim, crendo que muito do que precisa ser feito pudesse ser feito pelos jovens. Enfim, será que a tal Marília ao menos é contra tudo o que Bolsonaro nos faz?

CONVITE - MEUS CAIXOTES GANHANDO VIDA
Você vem? É amanhã, sábado, 10h abertura da exposição "Personagens sem Carimbo - O Lado B de Bauru", deste HPA na unidade Poupatempo de Bauru. Conto com sua presença. Ela ainda não está pronta, mas até amanhã estará tinindo...